“Enquanto o industrial brasileiro ou o produtor agrícola de capital nacional pagam taxas de juros, na melhor das hipóteses, de 20 a 40 % ao ano — chegou a 49% com Gustavo Franco no BC —, o seu competidor externo operando em território nacional consegue em suas origens recursos financeiros entre 1 e 4 % de taxas anuais. Nessas condições, é impossível ao nacional competir e sobreviver.”
Bautista Vidal chama ainda a atenção para a necessidade dos brasileiros se prepararem para defender o maior potencial energético do planeta.
Partimos aqui de algumas premissas básicas e de recentes fatos concretos assustadores, que estão ocorrendo, por exemplo, na vizinha Argentina. Um dos países mais bem dotados do planeta, já teve, per cápita, a segunda maior renda e a maior exportação do mundo. Grande supridor de alimentos, com auto-suficiência energética, mesmo dispondo das melhores terras agricultáveis e com povo de excelente nível de educação, está sendo esmagado por políticas financeiras impostas por entidades do “governo mundial”.
Há 25 anos, a Argentina tinha 7% de sua população na linha de pobreza. Prevê-se que até o fim de 2002 terá 57% de sua população na pobreza e 28% na indigência, o que vem ocorrendo em crescente e rápida deterioração generalizada. Nos últimos oito meses, mais de cinco milhões de pessoas atravessaram a linha de pobreza. Já são mais de 70% das crianças com menos de 14 anos.
Esse sistema monetário está levando o povo argentino a acelerado processo de planejada destruição. A absurda aritmética que regula o endividamento externo levou esse país de uma dívida externa de 27 bilhões de dólares em 1980 a 140 bilhões de dólares em 2002, embora tivesse pago, nesse período, 120 bilhões, em esquizofrênica aritmética!
Segundo a revista norte-americana Executive Intelligence Review, a dívida dos países da América Latina era de US$ 257 bilhões em 1980, transformou-se em US$ 787 bilhões em 2001, após ter pago de serviços nesse período o montante de US$ 733 bilhões. A medonha aritmética dos banqueiros e de seus agentes nativos quantifica uma dinâmica de saqueio.
O exemplo da Argentina tende a repetir-se, provavelmente com maior impiedade e violência, no Brasil, pois os fundamentos das políticas dos dois países, impostos de fora, são muito próximos e as posturas de seus dirigentes são igualmente servis. Apesar dos trágicos resultados já alcançados por lá e das evidências de que caminhamos na mesma direção, comportamo-nos como se nada semelhante fosse ocorrer conosco e, passivamente, aguardamos a proximidade do desastre. Parece que se estão cumprindo os vaticínios de Foster Dulles, Secretário de Estado do presidente Eisenhower: “Quando não convém destruir uma nação pelas armas, usam-se as finanças”.
É dessa base física territorial que iremos retirar inquestionáveis soluções para os gravíssimos colapsos que atingem a Humanidade, especialmente o dos combustíveis fósseis, das matérias-primas estratégicas, da água e do meio ambiente. Por isso, transferir, a troco de nada, o controle desse soberbo patrimônio natural estratégico para grupos externos, em alguns casos suspeitos, é grave crime de lesa pátria e compromete irremediavelmente as futuras gerações.
É essencial também recuperarmos os fundamentos do Estado nacional e nos libertar desse sedicioso processo de colonização que inunda e mutila a mente de nosso povo, em especial, dos lamentáveis dirigentes que infelicitam nossa vida e nosso destino.
Não podemos pensar em dar passos decisivos em benefício do Brasil se não detemos o controle dos resultados retirados do esplendoroso espaço de nosso território continental e se não reconhecemos os graves problemas que afligem outros povos, no início do século 21. Para isso, é necessário nos contrapor à postura das mentes colonizadas de dirigentes descomprometidos, conforme a definição do pensador José Ortega y Gasset: “Aquelas que ignoram o seu espaço — representado pelo território nacional e suas riquezas — e o seu tempo”.
São previstas profundas mudanças no fim do que se convencionou chamar “Era dos Combustíveis Fósseis”. Elas seriam de tal ordem que se sobreporiam em importância às razões que motivaram as duas grandes guerras do século passado e decorrem de:
- o caso inexorável do uso de combustíveis fósseis — carvão mineral e petróleo —, cujas evidências de declínio vêm ocorrendo desde 1973;
- processo de previsível e irremediável implosão da bolha monetária no sistema financeiro internacional, montado em Bretton Woods em 1944. O dólar, moeda de referência internacional, desvinculou-se do lastro-ouro em 1971 por ação unilateral dos EUA e o mundo passou a viver a era do dinheiro falsamente simbólico, sob a égide tirânica desse sistema.
Na realidade, isso ocorria em modelo energético fundamentado no uso extensivo de combustíveis fósseis, com supostas reservas ilimitadas. Elas definiram a matriz energética do mundo desde a Primeira Revolução Industrial, inicialmente com o carvão mineral e depois com o petróleo, até os dias atuais.
As dinâmicas dessa era foram desencadeadas, de um lado, pelo uso da máquina a vapor, acionada por energia concentrada do carvão mineral, e, de outro lado, pela intensificação do comércio mundial pela superação do barco a vela e sua substituição pelo barco a vapor. O fim dessa era ocorre com o declínio desses combustíveis fósseis que, de modo tão predominante, deram suporte ao processo civilizatório desenvolvido nesse período. Esse declínio se dá com o petróleo pela crescente diminuição de suas reservas e com o carvão mineral pela necessidade de redução drástica de seu uso, em conseqüência dos tremendos efeitos ambientais que provoca.
É importante destacar que houve forte motivação de natureza geopolítica para que inicialmente a Inglaterra e depois a Europa e os Estados Unidos da América impusessem ao mundo essas formas energéticas predominantes, apesar das inúmeras desvantagens que traziam, especialmente as mais críticas, resultantes de sua natureza não-renovável e de dramáticos danos ambientais.
Essa motivação foi a ausência, nas regiões temperadas e frias do planeta, onde, no hemisfério norte, localizam-se as nações hegemônicas, de outras formas energéticas extensivas nas dimensões que alcançaram os combustíveis fósseis. Estas formas são capazes de estabelecer modelo civilizatório energético mais consistente e limpo que o associado aos fósseis. Elas, porém, somente são possíveis de modo extensivo nas regiões tropicais.
Por outro lado, o valor do dólar, após sua desvinculação do lastro-ouro, em 1971, passou a depender de sua vinculação à compra de petróleo, agora garantida por meio militar.
O ciclo de correspondência entre os dois entes — dólar e petróleo — foi fechado quando o acesso a esse combustível fóssil no Oriente Médio — onde se localizam cerca de 80% das reservas mundiais — ficou sob controle militar de forças norte-americanas. Com as questões de poder do mundo físico colocadas nesse quadro de interconexões e domínios, e com o controle da propriedade sujeito ao falso valor monetário do dólar de Bretton Woods, restaram aos governos e povos as disputas ideológicas entre capital e trabalho.
Algo semelhante ao ocaso dos combustíveis fósseis ocorre com o sistema internacional da moeda monopólica de referência. Esta, ao desvincular-se do suporte concreto do mundo físico que lhe dava sustentação e lastro, perde legitimidade e caminha para o declínio.
É a ocupação militar norte-americana no Oriente Médio que garante ao dólar o valor de referência internacional como moeda que compra petróleo. O valor dessa moeda, assim, vincula-se à essencialidade do petróleo, que ainda movimenta o mundo, embora o ouro negro esteja no ocaso e tenda a exaurir-se. Existe a evidente possibilidade dele ser preservado para o consumo exclusivo das nações nucleares hegemônicas. Ou seja, é evidente o risco de, em prazo relativamente curto, embora impossível de prever-se, ocorrer perigoso vácuo energético, que, como conseqüência, porá em perigo o valor da moeda de referência e ameaçará o mundo com o colapso.
Com o desaparecimento da base energética que dava suporte estrutural principal à produção de bens de utilidade e de poder, ficam faltando os fundamentos da Natureza que garantiam o processo de evolução das nações e das civilizações.
Assim, o século 21 começa com a necessidade extrema de urgente equacionamento dessas questões com vistas a recompor-se a estabilidade perdida e buscar-se o reencontro do processo civilizatório em sólidas bases físicas e não com falsas simbologias e salamaleques irresponsáveis.
Ademais, surge forte complicador adicional, que são as questões ambientais do efeito estufa e da chuva ácida pela continuada queima, em grandes proporções, de combustíveis fósseis. Seu início de solução, porém, encontrou rejeição no principal causador, os Estados Unidos da América, negando-se a aderir ao Protocolo de Quioto, mais preocupados em não reduzir seus ganhos econômicos do que em preservar o equilíbrio termo-dinâmico da ecosfera. Autoridades norte-americanas calcularam que a redução de 7% nas atuais emissões de (CO2), como propõe o Protocolo de Kioto, geraria um custo anual de US$ 400 bilhões.
Essas dificuldades resultaram do modo precário como o processo civilizatório definiu as relações do homem com a Natureza, como se ela fosse permanente, imutável, sobre a qual não houvesse necessidade de cautelas e como se estivesse sempre ao dispor do homem e da economia, de modo contínuo, com recursos naturais estratégicos supostamente infinitos.
Tal visão do processo civilizatório reflete-se diretamente nas relações entre os países, o que cria perversas desigualdades e subjugações inaceitáveis. Os mais poderosos procuram impor suas regras em enlouquecida corrida de “salve-se quem puder”, ao tempo em que esmagam os mais fracos pela força militar ou pelas finanças e usurpam seus patrimônios naturais.
O mesmo enfoque é também responsável pelos critérios que degradam os valores dos bens e recursos da Natureza por imposições coloniais arbitrárias. É crescente o grau de valorização ou depreciação arbitrária de valores em injusta e seletiva divisão internacional das atividades produtivas: as de valorização daqueles de alta rentabilidade — produtos industrializados, acabados — e as de depreciação daqueles de baixa rentabilidade ou de prejuízo — produtos da agricultura e matérias primas em geral, embora estas sejam essenciais, escassas e, em grande parte, não-renováveis. Quando as vantagens comparativas são favoráveis aos menos favorecidos, surgem nas nações hegemônicas, escandalosos subsídios que impedem o seu comércio.
Vimos recentemente os ataques ao Afeganistão com manto de poderosas bombas, que terão como conseqüência a previsível ocupação de seu território por gasodutos e oleodutos com vistas ao escoamento do petróleo e do gás do mar Cáspio, de interesse de corporações norte-americanas.
Os conflitos resultantes dessas questões, concentrados inicialmente em países do Oriente Médio, tendem a se estender a outras regiões do globo. Há grupos hegemônicos radicais interessados em “ver o circo pegar fogo”. Eles querem transformar esses problemas energéticos em “choque de civilizações”, que atinjam todos, especialmente os países do mundo árabe, que, “por acaso”, detêm em seus territórios a maior porção das reservas remanescentes de petróleo.
Fica assim evidenciado que, pelas limitações das reservas de petróleo que restam e pela continuada série de conflitos bélicos relacionados com o controle dessas formas energéticas que movimentaram o mundo nos últimos duzentos anos e que caminham para o ocaso, aqueles embates estão diretamente relacionados com a energia do passado.
Para nós brasileiros, é importante responder à pergunta: onde serão localizados os conflitos relacionados com as formas energéticas predominantes no futuro?
Em se considerando as evidências dadas pela Ciência — as leis e os princípios que regem a Natureza —, a resposta é que eles se localizarão nas regiões com intensa incidência solar e que detenham abundância de água doce, ou seja, nas regiões tropicais do continente brasileiro.
Esta é a principal questão que se põe à Humanidade no início deste século, não somente pela crescente vulnerabilidade das nações dependentes, fornecedoras de recursos naturais primários, esmagados pela tirania financeira de dinheiro falso, que põe em risco suas sobrevivências como nações, mas também pela imensa imprevidência, arrogância e truculência dos países hegemônicos, todos sem perspectivas de solução em seus territórios para os problemas decorrentes dos dois maiores colapsos a que jamais foi submetida a Humanidade.
Naturalmente — dizem eles —, isso levará à guerra. Configura-se assim, claramente neste caso, uma guerra por matérias-primas, que vem juntar-se às guerras que estão ocorrendo em relação ao petróleo. Não tardarão a surgir também guerras relacionadas com o controle e o uso de água.
O Brasil é um dos principais fornecedores de matérias-primas em condições coloniais para as nações hegemônicas. São exemplos:
- há pouco mais de uma década, exportávamos a tonelada de minério de ferro por valor equivalente a vinte e duas gramas de ouro. Hoje o fazemos por pouco mais de uma grama;
- para um brasileiro dormir uma noite em um hotel quatro estrelas em Nova Iorque, o Brasil precisa colocar trinta toneladas de minério de ferro no outro lado do mundo;
- exportávamos quartzo para fins piezelétricos, usado nos telégrafos da Primeira Guerra, pelo valor de cinco dólares o quilo. Com o surgimento da tecnologia do silício, em que toda a eletrônica contemporânea depende de quartzo de primeira qualidade, a demanda cresceu enormemente. Então, o Brasil, produtor de mais de 98% do quartzo mundial, passou a exportá-lo por quarenta centavos de dólar o quilo! Note-se que o aumento da demanda ocorreu sem alteração da oferta e, surpreendentemente, o preço abaixou mais de dez vezes! Esse é flagrante exemplo de que não existe a decantada lei da oferta e da procura. Não há lei quando o “mercado” é dominado por monopólios, cartéis, oligopólios e pela tirania financeira mundial de moeda única;
- a produção de alumínio metálico exige o uso intenso de eletricidade. Cerca de 80% do custo de produção do metal é despendido em energia elétrica. As grandes corporações transnacionais de alumínio vieram localizar-se próximo à hidrelétrica de Tucuruí para utilizar a energia gerada, que, pelos elevados juros dos empréstimos feitos, custa ao Brasil cerca de quarenta e dois dólares o mega-watt/hora. A Eletronorte vende essa energia por valores próximos dos dez dólares em escandaloso subsídio ao alumínio exportado para nações hegemônicas pago pelo povo.
Os exemplos são tantos que essas práticas viraram sistemáticas coloniais.
Esses países formam, portanto, com o Brasil, o grupo que tem tudo para harmonizar seus interesses cruciais em torno da questão energética, saindo do fim dos fósseis, de inestimáveis efeitos para todos, no momento em que o mundo, em contraste, parece caminhar para graves dificuldades e conflitos. Lembremo-nos que esse conjunto de países — China, Japão, Alemanha, Rússia, Índia e Brasil — representa parte ponderável da população da Terra.
Eles são capazes, portanto, de orientar a retomada do valor da Natureza como principal e insubstituível reservatório dos fatores naturais essenciais à vida e ao processo civilizatório. Hoje se faz o contrário: ao desvalorizá-la e substituí-la de modo perigoso por moeda abstrata que os deveria simbolizar. Cria-se deste modo um vácuo de valor, que leva o mundo a incrível afastamento do universo físico e insuperáveis conflitos que estão tomando a dimensão bélica.
Ademais, é necessário dar passo decisivo na recuperação da estabilidade nas relações entre os povos com vistas a superar os dois colapsos estruturais que ameaçam a Humanidade.
A então Comissão Européia promoveu em outubro de 1997, em Brasília, conferência internacional sobre o tema “Biomassa para a produção de eletricidade: experiências e perspectivas na União Européia e no Brasil”. O desinteresse do governo brasileiro praticamente interrompeu o processo que se iniciava com essa conferência realizada em Brasília, por iniciativa e custeio da União Européia.
Os EUA, que estavam importando crescente quantidade de etanol do Brasil, bloquearam essas importações, por pressão de seus produtores de milho, mediante sobretaxa de importação de 100%, o que representa subsídio para os produtores de álcool de milho, ineficiente conversor energético, com vistas à substituição do chumbo por álcool misturado como anti-detonante à gasolina. Com a impossibilidade de obter etanol em quantidade suficiente, passaram a adotar a substância química MTBE, altamente poluidora, no lugar do chumbo. Após vários anos da prática dessa substituição, fundação ambiental levantou que, em 31 Estados, essa substância tinha contaminado 50% dos poços de água potável. Tremendo desastre ecológico!
A questão ambiental do efeito estufa define o futuro da ecosfera terrestre. Ela está diretamente relacionada com a produção de anidrido carbônico (CO2), resultante da queima de combustíveis fósseis e tem como solução mundial a substituição destes por combustíveis vegetais derivados da biomassa tropical.
A maior alteração interna, porém, relaciona-se com a mudança do modelo econômico dependente de pacotes tecnológicos que nos colonizou nos últimos cinqüenta anos ao nos retirar as opções de valorização comparativa de nossos fatores de produção. Com esse modelo, as decisões são tomadas fora do país, no contexto desses pacotes tecnológicos, de acordo com seus interesses de origem.
Esse modelo suicida reduz nossa capacidade de competir e não beneficia nossa economia com a vantagem resultante da escolha de formas energéticas nacionais abundantes e outros aspectos favoráveis a nossos interesses. São exemplos: a soberania e o poder nacionais; a saúde das populações nas grandes cidades pela redução dos poluidores fósseis; o domínio tecnológico interno em setor estratégico, entre muitos outros.
O potencial brasileiro de biomassa não se limita a uma ampliação do Pró-álcool, mas a amplo espectro de ações, como:
- enorme potencial de substituição do óleo diesel de petróleo por grande variedade de óleos vegetais. Somente na região amazônica existem condições para produzir cerca de oito milhões de barris por dia de óleo de dendê — digamos que seja metade, já seria uma realização de peso mundial — envolvendo milhões de novos postos de trabalho, uma verdadeira “marcha para o Norte”. Isto equivale a níveis de produção permanente próximos do atual de petróleo da Arábia Saudita.
- a alta produtividade das florestas tropicais plantadas — acima de 50 estéreos por hectare-ano — além da produção de celulose, permite a geração de energia elétrica por meio de termelétricas a lenha, carvão vegetal ou gás de madeira, com elevado rendimento e baixo custo. Isto abre enorme possibilidade para “fazendeiros florestais” produzirem de modo descentralizado, enorme geração de energia elétrica. As áreas florestais devastadas seriam objeto de reflorestamento com altíssimas recompensas econômicas e ambientais. Oitenta por cento do estado do Paraná tiveram suas florestas devastadas;
Trinta por cento do estado de Minas Gerais podem gerar cerca de 68 mil mega-watts, o que equivale à atual geração brasileira. Também os rejeitos agrícolas abrem elevados potenciais. O bagaço de produtores de açúcar e álcool no estado de São Paulo permitiria gerar o equivalente a 50% da potência de Itaipu — 100% com turbinas de alta eficiência— sem necessidade das onerosas linhas de transmissão ou gasodutos, como o do gás da Bolívia.
Cerca de 30% do território brasileiro é constituído por terras impróprias para a agricultura, mas aptas à exploração florestal. A utilização de metade dessa área, ou seja, 120 milhões de hectares, com florestas energéticas permitiria a formação sustentada do equivalente a cerca de cinco bilhões de barris de petróleo por ano, mais de duas vezes a produção atual da Arábia Saudita.
Com a produtividade média de 6 mil litros por hectare-ano de álcool etílico, chega-se à produção de 50 bilhões de litros por ano, ou seja, de 880 mil barris por dia, com apenas 1% de nosso território.
Extrapolando-se os exemplos concretos tirados da nossa realidade para um contexto internacional, pode-se afirmar que utilizando tecnologia atual, ou de desenvolvimento de fácil previsão, florestas e culturas energéticas do mundo tropical no continente brasileiro poderiam suprir, praticamente, todas as necessidades mundiais de combustíveis sólidos, líquidos e gasosos, bem como de eletricidade, por um período praticamente ilimitado.
Até 1946, toda a produção de ferro gusa e aço, no Brasil, estava baseada em carvão vegetal. Após esse ano, o desenvolvimento do parque siderúrgico nacional teve por base, principalmente, tecnologia japonesa, com a utilização do carvão mineral importado, altamente poluidor. Criou-se assim uma dupla dependência externa, em relação à tecnologia e ao insumo energético.
O esforço de desenvolvimento tecnológico do setor siderúrgico a carvão vegetal teve no Brasil resultados significativos. Para produzir-se um milhão de toneladas de aço era necessário carvão vegetal retirado de 370 mil hectares (ha.) de florestas. Com o aperfeiçoamento alcançado, bastam apenas 130 mil ha. e já se prevê apenas 70 mil ha. para o futuro. Um aumento de eficiente por um fator cinco! Ou seja, uma área de 2,2% num raio de cem km. O mesocarpo do babaçu, carbono puro de alta resistência mecânica, é excepcional como combustível e redutor na grande siderurgia e metalurgia em geral. Contrapõe-se ao carvão mineral importado, altamente poluidor, imposto pelos pacotes tecnológicos de origem externa.
O modelo dependente de crescimento econômico brasileiro tenta reproduzir equações industriais
referidas a outras realidades por meio d e pacotes estrangeiros, que impõem fatores de produção estranhos aos nossos. É por isso inadequado, pois exige a mobilização de recursos financeiros, tecnológicos e industriais não disponíveis, enquanto ignora nossos fatores abundantes que fortalecem nosso poder competitivo.
É exemplo disso o modelo siderúrgico japonês, base das siderúrgicas brasileiras. Ele exige grandes siderúrgicas localizadas nas proximidades de grandes portos, porque tudo no Japão é importado, o carvão mineral altamente poluidor e o minério de ferro. No Brasil, devido à abundância e distribuição de minério de ferro e de carvão vegetal, o modelo deveria fundamentar um grande número de pequenas e médias siderúrgicas, limpas do ponto de vista ecológico e distribuídas conforme a proximidade do mercado, em vez dos poluidores monstrengos atuais que são justificados nas circunstâncias japonesas, mas não no nosso caso.
Os recursos básicos mobilizados por um programa energético de biomassa (ou seja, o “investimento inicial”) são terra, água e mão-de-obra, abundantes e subutilizadas no Brasil. Seu uso extensivo significa abrir oportunidades para sua valorização e promoção crescentes.
A biomassa, mais que uma alternativa energética constitui a base para um modelo de desenvolvimento tecnológico e industrial autônomo e auto-sustentado, baseado em dados concretos da realidade nacional e na integração do Homem a um ambiente econômico em harmonia com o meio ambiente. Sua natureza espacialmente dispersa ocupando todo o território nacional levará à reversão do efeito centralizador do atual modelo e torna viável uma distribuição mais uniforme da população no território, permitindo melhor organização econômica, social e política do país. Ademais, permite a ocupação de perigosos vácuos populacionais em grandes extensões de nosso território.
A mais importante entidade ambiental, a norte-americana Worldwatch Institute, propugnou, no documento “A Situação do Mundo”, de 1997, a criação de organização de cúpula mundial a ser formada pelos principais países relacionados com essas questões. Seria o grupo “E-9” (“E” de Environment), mais poderoso que o atual G-8, que atua na área econômica-financeira.
O E-9 seria composto por três superpotências ambientais: os EUA, a maior potência industrial-militar e o maior poluidor; a China, segundo maior poluidor, com possibilidade de passar a ser rapidamente o principal, com um quinto da população do planeta, e o Brasil, continente tropical, único não-predador do conjunto. Os outros seis países são: Alemanha, Japão, Indonésia, Grã- Bretanha, Índia e Rússia. Note-se que os países que compõem o E-9 são aqueles que têm cruciais problemas energéticos, ambientais e de matérias-primas em convergência complementar com o Brasil. Excetuam-se dessa condição os EUA e a Grã-Bretanha, por motivos óbvios de liderarem o sistema financeiro internacional, do qual nos queremos livrar, e a Indonésia, enorme arquipélago do oceano Pacífico, sem grande relação econômica e cultural com o Brasil.
No Brasil, 60% de nossa energia vem de fontes renováveis, enquanto nos demais países pretendem chegar a 12% em 2010. Atualmente, 85% da energia que movimenta o mundo é ainda de origem fóssil e 80% dessa energia têm seu uso concentrado em cerca de dez países.
A contribuição do Brasil na emissão de gás carbônico é de 0,41%, enquanto as dos EUA, China, Alemanha, Rússia e Japão somam 65%.
Este complexo quadro de alianças não tem o critério geográfico ou cultural como princípio unificador, mas, sim, razões concretas, essenciais, ligadas à evolução e até à sobrevivência dos países envolvidos. Sua característica principal é oposta àquela radical que orienta o chamado “choque de civilizações”, que confina os povos no redil de suas culturas originais e limita, de modo indevido, um amplo potencial de cooperação em questões vitais. Os resultados dessas alianças representam o oposto daqueles pretendidos com o “choque de civilizações”, que leva à guerra.
A conotação bélica, destruidora, que caracteriza esse “choque de civilizações”, conforme defendem intelectuais do “império”, fica superada na fundamentada proposta de alianças aqui apresentada e pelo papel pacificador desempenhado pelo continente tropical brasileiro, ao procurar resolver problemas cruciais de países de grande peso e importância no presente e no futuro do mundo.
A redução das tensões que o surgimento de formas de energia extensivas, permanentes e limpas — em condições de substituir plenamente os combustíveis fósseis — poderá representar, sem dúvida, razão prática para alcançar a paz no mundo. Os combustíveis de origem vegetal dos trópicos representam o contraponto ao estopim de conflitos provocados pelo ocaso do petróleo e pelo declínio dos demais fósseis.
Todas as formas energéticas utilizadas pelo homem, com exceção da energia das marés, da geotermia e da energia nuclear, vêm do Sol, o eterno e imenso reator a fusão nuclear natural. O Brasil é o único país do mundo em condições de usufruir em grande extensão desse reator. Sonho inalcançável para os demais países, muito especialmente os situados nas regiões temperadas e frias do planeta.
A energia solar acumulada nos hidratos de carbono das plantas e de animais microscópicos necessita centenas de milhões de anos para transformar-se em combustíveis fósseis. Assim, o uso direto pelo homem da energia armazenada nos hidratos de carbono das plantas encurta em eras geológicas o uso da energia solar concentrada nos fósseis.
Os hidrocarbonetos, cujas misturas formam o que denominamos petróleo, derivam dos hidratos de carbono das plantas pela perda de oxigênio em processo de fossilização, levam para isso centenas de milhões de anos.
O óleo de girassol, excepcional substituto do óleo diesel do petróleo — limpo e renovável — chega a fazer 40 quilômetros por litro em motores Elsbett de ciclo diesel —, leva apenas três semanas para se formar.
Assim, em vez de usar-se o capital da energia solar que exige centenas de milhões de anos para se constituir, usemos os dividendos dessa energia, renovados de modo permanente.
Os combustíveis derivados da biomassa — hidratos de carbono vegetal — para serem vantajosos exigem formação acelerada na natureza, o que ocorre somente com muito sol e água. Isto é possível nas regiões tropicais brasileiras. Nosso continente detém de 22 a 24% da água doce do planeta Terra. Somente a região amazônica tem 18% desse montante, com o Canadá em segundo lugar, com 14%, embora nele a água seja gelo em grande parte do ano.
Finalmente, ser o principal supridor mundial de energia renovável e limpa ou de produtos de elevado conteúdo energético, exige dimensões continentais localizadas nos trópicos com água abundante e imensas áreas desocupadas. Assim, oferece-se ao Brasil a grande oportunidade econômica que jamais algum país teve na história da Humanidade, ou seja, cabe-nos um papel importante no mundo, neste começo do século 21.
É grave equívoco contemporizar com um sistema financeiro internacional irremediavelmente falido, o qual somente intensificará os atuais conflitos entre nações. A situação é muito mais grave do que foi em 1929, pois então não havia os atuais previstos colapsos o dos combustíveis fósseis e o ambiental do efeito estufa.
O que estamos presenciando é o resultado do desmoronamento da política tirânica do dinheiro digital na tentativa de dar uma sobrevida a um sistema financeiro condenado de modo irremediável pelo abismo que se abre entre ele e a economia que tem por base o mundo físico, o mundo concreto.
O que se busca é um pacto entre um conjunto de países de elevado peso mundial tendo por base uma questão crucial para todos, qual seja a energética. Ele objetiva iniciar movimento internacional de modo a frear a atual oligarquia financeira que está -levando importantes países à ruína e o mundo à guerra. Visa principalmente a abrir uma discussão acerca da reformulação do atual sistema financeiro internacional que desmorona, tendo em vista contribuir para retirar a humanidade da perigosíssima situação para a qual caminhamos cegamente.
(*) Apresentado no Curso de Altos Estudos e de Política e Estratégia da Escola Superior de Guerra – ESG (28 de agosto de 2002), sob o título original de Posicionamento do Brasil Frente ao Novo Ambiente Mundial. A parte internacional foi apresentada no Seminário de Política Externa do Brasil para o Século XXI da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (15 de Agosto de 2002). Nesta oportunidade, o AND apresenta apenas alguns trechos selecionados do artigo referido, conforme as possibilidades da edição desse número 4, novembro/2002.
(**) Engenheiro com pós-graduação em Física. Primeiro Secretário de Ciência e Tecnologia do Brasil; por três vezes, Secretário de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e do Comércio (1974-79, 83-84), quando foi propugnador e principal coordenador da implantação do Programa Nacional do Álcool — PRÓ-ÁLCOOL.