Natural de Nossa Senhora da Glória, a maior cidade do sertão sergipano, José Sergival viveu seu infância na roça, junto de vaqueiros, pela caatinga, e hoje se usa disso em seu trabalho de cantor e compositor interessado nas coisas da terra. Pesquisador, Sergival, juntamente com outros artistas locais, desenvolve um trabalho realizar composições baseadas nas batidas dos muitos grupos folclóricos de Sergipe.
— Digo que sou cantor e compositor de música tradicional nordestina, e mais especificamente da música sergipana. Nos meus shows forró, que é do nordeste todo; tenho a burrinha, que é uma manifestação típica da Bahia e de Pernambuco; e apresento danças e músicas que estão dentro dos grupos do folclore local — explica Sergival.
— A cultura sergipana é fundada sobre os pilares do folclore. O estado possui uma concentração de mais de setenta grupos autênticos, que surgiram do saber dos mestres e que passam de geração em geração. São tradições que estão arraigadas no saber e no fazer do povo. Do cotidiano do sertanejo, do camponês que sabe o dia certo para plantar o milho e ter boa colheita, e de todos os conhecimentos dos mais antigos — acrescenta.
— Entre outros grupos, temos o São Gonçalo, a taieira, o reisado, cacumbi e muitos outros, cada um com a sua história e o seu dia de sair — acrescenta.
Entrevistando Dominguinhos na rádio
Segundo Sergival muitos desses grupos têm sua origem em elementos trazidos pelos portugueses, que foram transformados pelos índios e negros de acordo com o que já conheciam e viam, havendo uma mistura de conhecimentos.
— Nesse caldeirão de misturas e miscigenação tivemos momentos difíceis aqui em Sergipe, hoje representados através dos grupos folclóricos. Temos, por exemplo, grupos de Lambe-sujo e Caboclinhos: os lambe-sujo são os negros que fugiam dos engenhos e os caboclinhos são os índios que iam capturá-los a mando do branco português, e isso é apresentado através de uma teatralidade, com enredo, começo, meio e fim — fala.
— O negro era escravo e o índio não, e por isso era feito um trabalho para que o índio subjugasse o negro, favorecendo com isso os senhores de engenho. Os índios eram catequizados pelos jesuítas e se tornavam uma espécie de ‘força do poder’. E como ‘soldados’, ‘guerreiros’, iam capturar os negros, agindo sem entendimento, de acordo com o dominador, apesar de serem ambos os dominados — acrescenta.
— É claro que um ou outro índio, guerreiro de verdade, dava trabalho para o dominador, não aceitando o domínio, lutando até morrer. Inclusive várias tribos foram dizimadas por não aceitar o julgo português. — continua.
Segundo Sergival, a grande presença desses grupos folclóricos está no interior.
— Cerca de noventa e cinco por cento deles estão lá. Na capital temos o Terno do Zabumba, que é parecido com a Banda de Pífanos; as quadrilhas juninas; os reisados e outras poucas manifestações. Isso porque está se urbanizando cada vez mais e perdendo o contato com os grupos folclóricos — constata.
Shows e programa de rádio
Sergival se apresenta com um corpo de baile composto por doze dançarinos, que vão trocando o figurino e dançando, de acordo com o universo do grupo folclórico apresentado ou do gênero .
— Na verdade eles ficam em Aracaju, onde faço muitos shows. Os levo para outros estados somente quando é uma apresentação que me dê condição de bancar os cachês e estadias. Moro no Rio de Janeiro há quatro anos por conta do meu trabalho, paralelo a música. Ele, inclusive, serve para viabilizar minha carreira artística e me ajudar a manter os dançarinos comigo — explica Sergival, que atua como desenhista na Petrobras.
— Trabalhar com cultura popular é percorrer um caminho pedregoso, de retorno financeiro precário. Ela é um saber, um conhecimento, uma paixão. Nem tudo da cultura popular é transformado em produto para se vender. Mas quem começa não quer mais parar. Tanto é que eu e alguns companheiros estamos nos empenhando no sentido de criar uma música, um gênero sergipano, aproveitando para isso as células rítmicas dos grupos folclóricos que existem em Sergipe — explica alegremente.
— A música sergipana não tem um gênero definido, como acontece em outros estados. Temos os grupos folclóricos que nos caracterizam, e eles têm as suas batidas bem próprias. Então estamos aproveitando exatamente essas batidas, bem sergipanas, para criar a nossa música — acrescenta.
Além das pesquisas, dos shows e do trabalho paralelo para sobreviver, Sergival estreou recentemente um programa de rádio, dedicado ao forró.
— O Puxa o fole, deixando claro que não toco sanfona, até tentei, mas não consegui (risos), é apresentado ao vivo todos os domingos, das 11:00 as 13:00 h e reprisado de meia noite às 2:00 h da madrugada, pela Rádio Nacional, AM, Rio de Janeiro, e também exibido pela internet, no sitio: www.ebc.com.br — fala Sergival, que toca flauta, violão e percussão de forró.
— Além de forró, e também um pouco de baião, xote, arrasta-pés, tem entrevistas com artistas. Vez por outra também vou divulgando nossa cultura sergipana, inclusive o meu primeiro CD, As coisas do Caçuá, um disco de música nordestina, com participação de Dominguinhos, Alcymar Monteiro e músicos daqui do Rio — diz.
— Caçuá são aqueles dois cestinhos de cipó que os sertanejos carregam no burrinho. E dentro deles costumam carregar as coisas da roça, da feira, o tem a ver com o seu universo. Inclusive uso o burrinho e os caçuás nos meus shows para compor o cenário. E no meu caçuá tem forró, folclore sergipano, poesia matuta, aboiadores e muito mais de coisa boa — conta acrescentando que o disco foi produzido com o dinheiro de décimo terceiro, férias e ajuda de amigos.
Para contratar os shows de Sergival o endereço eletrônico é [email protected], o sítio é www.sergival.com.br e o telefone (21) 9949-9099.