Em 8 de maio último, já a gerência FMI-CIOLs-PT* havia promovido uma "cerimônia" no Palácio do Planalto para festejar as Medidas Provisórias (MP) 293 e 294, assim como o envio ao Congresso do Projeto de Lei (PL) que regulamentará as "cooperativas de trabalho". A primeira MP reconheceu juridicamente o sindicalismo pelego das centrais sindicais; a segunda criou o Conselho Nacional de Relações de Trabalho (CNRT), órgão para negociar o fim dos direitos dos trabalhadores. A festança só não foi maior porque o governo não tinha conseguido colocar no mesmo pacote uma outra medida solicitada pelo patronato: a regulamentação do trabalho aos domingos para os comerciários. As Medidas Provisórias não foram votadas antes do recesso parlamentar, iniciado em 12 de julho, e por isso tiveram sua validade prorrogada até 5 de setembro.
Arte: Alex Soares
Em 1943, em plena ditadura do Estado Novo, a administração Vargas criou a Consolidação das Leis do Trabalho CLT**, como recurso extremo para imobilizar a efervescência das lutas proletárias e legitimar as práticas fascistas, principalmente a intervenção do Estado nas organizações dos trabalhadores para a luta econômica — os sindicatos. Nesta época de sindicalismo combativo e classista — e, ainda, incentivados pelo exemplo marcante dos operários e camponeses que tiveram seus direitos assegurados após a revolução proletária na Rússia — os trabalhadores brasileiros vinham obrigando o governo a assegurar algumas garantias, como a estabilidade, um salário oficial, licenças maternidade etc.
Mas para que houvesse leis trabalhistas, a CLT teve que partir do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas (art. 468) — ao trabalhador não é permitido abrir mão de seus direitos. Ou seja, se um ato (contrato, acordo, lei) estabelecer prejuízos ao trabalhador, esse ato é nulo. Ocorre que desde a publicação da CLT, a burguesia busca formas de retirar os direitos conquistados e, ao mesmo tempo, controlar a resistência das massas, principalmente através da cooptação de suas lideranças.
Com o passar dos tempos, os métodos de intervenção do Estado nos sindicatos foram aprimorados, implicando numa autonomia jurídica e numa intervenção de fato. As quadrilhas sindicais desenvolveram organizações internacionais controladas diretamente pelo imperialismo, como a CIOLs — Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres.
Os métodos de trabalho da burocracia sindical para enganar o povo também se sofisticaram, a exemplo da tática do "sindicalismo de resultado", entre outras conduzidas pelos megapelegos, que é a retirada de direitos sob o pretexto de estar garantindo o emprego. Trata-se da descarada conciliação de classes dos dirigentes sindicais escolados na Iadesil — Instituto Americano de Desenvolvimento do Sindicalismo Livre, que ministra cursos de preparação de pelegos dirigentes, com a "habilidade" de entregar ao patrão os direitos dos trabalhadores e logo depois, utilizando-se de jogos de palavras, pedir aplausos em assembléias, como sempre demonstrou AND (vide 8º Congresso Nacional da CUT, edição 11).
Não é novidade
Com tais práticas e invocando um suposto pacto social entre todas as classes, o cartel oportunista CIOLs-PT foi alçado à gerência do Estado semicolonial e latifundiário brasileiro, mediante eleições "representativas" burocráticas e trouxe condições favoráveis para grandes golpes nos direitos trabalhistas. Como na época de Getúlio Vargas, a maior parte dos sindicatos são controlados pelo Estado.
Para o ano de 2006, a gerência petista preparou golpes ainda mais duros nos direitos trabalhistas e, portanto, quanto maior o ataque, mais se precisa arrochar a camisa de força sobre os sindicatos, antevendo a resistência inevitável dos trabalhadores e suas organizações consequentes.
As reformas sindical e a trabalhista não são novidades desta gerência. Elas são uma exigência do capitalismo em sua fase imperialista, que imerso numa crise irreversível tenta de todas as formas sobreviver. A partir de 1990, com o consenso de Washington, ocorreu uma reorganização do sistema imperialista, objetivando implementar uma série de reformas, principalmente nos países semicoloniais como o Brasil, na tentativa de dar uma sobrevida ao imperialismo. Inserem-se neste contexto as reformas da previdência, da instrução pública, dos sindicatos, a trabalhista, etc.
Em 1996, a comissão nomeada pela gerência Cardoso, com o intuito de estudar as Reformas do Estado, considerou a modificação das leis trabalhistas como uma novidade legislativa importante para a "modernização" do Estado brasileiro. Em 2001, Cardoso enviou ao Congresso o PL 5.438, que modificava o art.618 da CLT, estabelecendo a prevalência do negociado sobre o legislado. A gerência FMI-Cardoso não conseguiu aprovar esta lei, mas aprovou uma série de medidas anti-trabalhistas: banco de horas, contrato temporário, terceirização, contrato em tempo parcial, serviço voluntário, plano de demissão voluntária.
Gerência FMI-PT, 2005. Um Projeto de Emenda Constitucional (369/2005) foi enviado ao congresso com alterações na Constituição Federal no que tange aos direitos trabalhistas. As modificações seriam nos artigos 8, 11, 37 e 114, limitariam o direito de greve e excluiriam da CLT o dispositivo que garante aos trabalhadores a aplicação da norma mais benéfica, possibilitando uma ampla retirada de direitos. Como este projeto está parado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, e a retirada dos direitos dos trabalhadores é imprescindível ao governo e ao patronato, ela foi aprovada via Medida Provisória.
Esta tem sido uma tática suja; haja vista as medidas provisórias que a antecederam.
Reconhecidos pelegos
A Medida Provisória 293, que reconhece as centrais sindicais da CIOLs como entidades representativas dos trabalhadores, constitui um golpe no sindicalismo combativo. A partir do reconhecimento das centrais inverte-se a lógica da estrutura sindical, privilegiando-se um sindicalismo de cúpula, o que pode acarretar graves consequências para os trabalhadores. Algumas delas são:
Fortalecimento do sindicalismo de cúpula — As centrais tornam-se o centro de poder da estrutura sindical, concentrando a atribuição de negociação, contratação, arrecadação e controle da representação sindical, enfim, um movimento sindical pela cúpula, alijando a base. O art. 1, inciso II da MP 293, confere às centrais o poder de "conduzir o diálogo social e fomentar as negociações". Este artigo abre espaço para que as centrais negociem os direitos dos trabalhadores, do âmbito local ao nacional, já que podem participar de qualquer espaço de discussão que se refira às questões sindicais e de interesse dos trabalhadores (art.1, II). É o retorno a situações de arbitragem de burocracias sindicais decidindo sobre o movimento dos trabalhadores, contrariando decisões de assembléias e colocando o movimento sob a intervenção do poder do Estado.
Neutralização do sindicalismo classista e combativo — A MP 293, em seu inciso II, estabelece rígidos critérios de representatividade para o reconhecimento jurídico da Central, o que na prática legaliza apenas centrais escancaradamente pró-estatais. As centrais dóceis ao governo e ao patronato podem ter sua representatividade artificialmente inflada, a fim de obter a personalidade sindical. A partir daí, elas poderão aceitar ou não a filiação de sindicatos de base, ficando os sindicatos combativos impedidos de atuar juridicamente em espaços onde as centrais já estejam atuando. Assim, se estabelece a quebra do princípio da unicidade sindical (art. 8º, II, da CF), via centrais sindicais.
Pior que Estado Novo
Ao editar as MPs 293 e 294, também nesse aspecto, a cúpula petista rasgou a Constituição de 1988 e copiou o texto da Constituição de 1937, outorgada pela ditadura Estado-novista, por sua vez copiada da (fascista) Constituição Polaca :"Art 138 — A associação profissional ou sindical é livre. Porém, apenas o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que participarem da categoria de produção para que foi constituído, de defender-lhes os direitos perante o Estado e as outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a eles funções delegadas de Poder Público".
O Conselho Nacional de Relações do Trabalho nada mais é que um órgão de intervenção estatal nos sindicatos, aprofundando a prática fascista estado-novista. O órgão gestado no farsante Fórum Nacional do Trabalho ('Reforma' sindical tem o selo da CUT, AND 17), é muito mais intervencionista, já que não se investe apenas de função consultiva, mas também de deliberativa.
O ex-ministro do trabalho, Ricardo Berzoini, afirma na exposição de motivos que acompanha o Projeto de Reforma Sindical (PEC 369/2005) que um dos objetivos da reforma é "permitir uma organização sindical realmente livre e autônoma em relação ao Estado". Todavia, a intervenção estatal é flagrada nas várias atribuições do CNRT, dispostas na MP 294, assegurando a esse órgão praticamente o poder de julgar e legislar, subtraindo as atribuições dos poderes Judiciário e Legislativo. Destaquem-se: "propor e subsidiar a elaboração de propostas legislativas sobre relações de trabalho e organização sindical" (art.10, II); "propor e subsidiar a elaboração de atos que tenham por finalidade a normatização administrativa sobre assuntos afetos às relações de trabalho e à organização sindical" (art.10, III); "avaliar o conteúdo das proposições relativas a relações de trabalho e organização sindical em discussão no Congresso Nacional, manifestando posicionamento sobre elas por meio de parecer, a ser encaminhado ao Ministro de Estado do Trabalho e Emprego" (art.10, IV) e "o CNRT ou qualquer de suas representações poderá requerer que o Ministro de Estado do Trabalho e Emprego fundamente decisão tomada em matéria de competência do CNRT" (art.19).
O quadro de intervenção se completa com as câmaras bipartites desse Conselho Nacional de Relações de Trabalho CNRT. Além de ter o poder de decidir qual sindicato representa os trabalhadores em eventuais disputas (art.11, I), estas câmaras estabeleceram um modelo de estatuto para os sindicatos, que deverão cumpri-lo sob pena de cassação do registro, um exemplo claro de intervenção. Outro aspecto que merece atenção é a composição destes órgãos. No CNRT, participam as centrais sindicais, as confederações patronais e o governo.
Mais uma vez se fortalece a associação sindical de cúpula. Ademais, como já se apontou, as centrais governistas serão sempre beneficiadas na aferição da representatividade, uma vez que é o Ministério do Trabalho quem fiscaliza os dados. Como os interesses do governo e do patronato são coincidentes — por representarem os mesmos interesses de classe —, no final teremos um órgão cuja função será a de endossar a retirada de direitos trabalhistas em função das necessidades dos patrões e do (seu) governo.
Luiz Marinho, em palestra no Tribunal Superior do Trabalho no último 2 de fevereiro, afirmou que "há espaço para a modernização da legislação trabalhista e para a qualificação dos contratos coletivos, mas as propostas que defendem o fim da CLT são um absurdo". No entanto, a MP 294, ao contemplar em seu texto que o CNRT terá como atribuições "buscar soluções acordadas" (art.2, I) e "o fomento da negociação coletiva" (art.2, III), abre espaço para a implementação do negociado sobre o legislado; retirando a decisão do litígio da Justiça do Trabalho e substituindo o dissídio coletivo pela negociação coletiva que passa a ser imposta pelo CNRT; o que na prática pode representar o fim da CLT.
Negociado X legislado
A prevalência do negociado sobre o legislado se manifesta de duas maneiras:
1 Dilapidação da Justiça do Trabalho. — A busca de "soluções acordadas" implica em instâncias de negociação fora da Justiça do Trabalho, que atua expressamente sob o princípio de proteção do trabalhador. Assim, a estrutura em que a autoridade do juiz do trabalho (aparentemente) se impõe sobre o empregador e o empregado, decidindo a causa pelo seu convencimento, é substituída pela estrutura em que a autoridade econômica do empregador se impõe sobre o empregado.
A construção de instâncias de negociação fora da Justiça do Trabalho já está em estágio avançado, e se reforça com a criação do CNRT (MP 294). O art. 625-D da CLT, inserido em 12/01/2000, dispõe que o trabalhador, antes de ajuizar ação trabalhista, deve obrigatoriamente submeter-se às Comissões de Conciliação Prévia, instância de negociação organizada pela empresa ou sindicato.
2 Coação para que o trabalhador renuncie aos seus direitos. — Só existe acordo na relação trabalhista se o trabalhador abre mão do seu direito (legislado). A prevalência do negociado sobre o legislado quer dizer o seguinte: ou o trabalhador aceita receber a migalha do patrão, ou não recebe nada. O argumento declarado para legitimar a prevalência no negociado sobre o legislado é de que para que o país cresça economicamente e o trabalhador seja integrado ao mercado formal, é necessário priorizar a negociação direta, em detrimento da lei. A proposta parte da falsa idéia de que a legislação trabalhista de proteção ao trabalho ergue obstáculos ao crescimento econômico e à geração de empregos.
Construiu-se uma ideologia segundo a qual os direitos trabalhistas seriam contrários aos interesses dos próprios trabalhadores. Ocorre que tais dificuldades econômicas não são resultado dos direitos trabalhistas, mas das condições impostas pelo imperialismo, o capitalismo dos grandes monopólios, que é o setor que demanda as reformas. O que se percebe é que diante de um cenário de crise econômica, o imperialismo busca transferir os custos para os trabalhadores, diminuindo salários e outras garantias econômicas, o que poderá ser conseguido facilmente através da negociação coletiva com as centrais pelegas.
*Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres — CIOLs, de orientação imperialista, ligada à C.I.A., que controla a CUT, Força Sindical etc. ** A CLT é, incontestavelmente, uma cópia da Carta del Lavoro, legislação fascista que controlava as relações de trabalho, criada por Mussolini, na Itália.