Nascido na pequena Socorro, interior de São Paulo, o acordeonista e compositor, Toninho Ferragutti foi o único de uma família de músicos a se profissionalizar. Filho do maestro da banda da cidade, que também tinha como componente dois irmãos e um tio, Toninho se encantou cedo pelo instrumento, tentou ser veterinário, mas acabou cedendo a paixão pela música. Com carreira solo consolidada e muita personalidade, Toninho destaca-se no cenário da música instrumental brasileira, requisitado também por orquestras e shows pelo exterior.
Toninho começou a aprender música com o pai e com um professor que passava por sua cidade. Mais tarde fez conservatório em Campinas, mas acabou deixando tudo para cursar veterinária em Botucatu.
— Foi fazendo veterinária que virei músico profissional — brinca Toninho.
Botucatu era uma cidade com um círculo universitário forte, com muitos eventos, shows, festivais, rodas de choro, e nesse ambiente Toninho passou a tocar praticamente todas as noites na cidade e proximidades.
— Comecei realmente a pensar em me dedicar ao instrumento na república onde eu morava. Em um festival de música instrumental em São Paulo, entrei em contato com a música de Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, artistas que fazem um tipo de música improvisada que me encantou bastante, e pouco depois, em 1981/82 larguei a faculdade de veterinária, no terceiro ano, e fui para a capital tentar a vida de músico — conta.
— Disseram-se: ‘música não dá dinheiro’, mas nunca parei para pensar nisso, e sabia que lutando poderia viver da música sim, já que é o que realmente amo fazer. Em São Paulo, a princípio, morei com minha irmã e fui batalhando para conseguir sobreviver, como qualquer brasileiro. Comecei tocando piano nas noites paulistanas, porque na época não tinha um bom acordeon, e fazendo alguns ‘bicos’ na publicidade, participando de algumas vinhetas comerciais —continua.
— Sei que se ‘colocasse na ponta da caneta’, poderia deixar de lado a vida de músico, porque realmente é muito difícil e instável, mas com muita dificuldade e sem pensar muito (risos) tenho conseguido a proeza de viver de música. Acho que o segredo é fazer vários tipos de trabalhos dentro desse universo. Até hoje, além dos meus próprios discos e shows, trabalho com cantores fazendo participação em shows e cds, participo de orquestras — acrescenta.
O trabalho de Toninho é bem diversificado. Gosta de diferentes gêneros, como choro, música caipira, erudita, baião, forró.
— Costumo dizer que aprecio tudo que é bem feito, de música nordestina a gaúcha. Considero-me um músico urbano que tem acesso a muitas manifestações de um canto a outro do país — declara.
Em 2006 gravou Nem sol, nem lua, pela Biscoito Fino, seu quinto e mais recente trabalho, inteiramente com acordeon e quinteto de cordas, sendo que a maioria das composições é de sua autoria.
Falta mercado, sobra qualidade
— Sofro por não ter um mercado à altura da qualidade da música que fazemos. Ele não é democrático, já que não sou representado por ele, e não só eu, mas, outros artistas da música instrumental — constata.
— Isso é uma questão cultural, a pessoa desenvolve o hábito de ouvir, vai crescendo, e com o tempo, sabendo melhor apreciar a música instrumental. Esse contato não precisa ser necessariamente na infância, melhor que seja é claro, mas é como tomar café sem açúcar: a pessoa na verdade está acostumada a sentir o sabor do doce e não o do café, mas vai desenvolvendo o paladar até o ponto de querer saber a qualidade do que está bebendo, e passa a tomar sem açúcar, e conhecer de verdade o que é saborear o café (risos) — compara.
Toninho diz que a Escola Portátil de Música, no Rio, faz um trabalho nesse sentido, facilitando o contato das pessoas desse universo da música instrumental, e grande é a quantidade de jovens que freqüentam as aulas e participam dos festivais que promove, não só para ouvir, mas também tocar.
— Existe uma geração bastante entrosada com o choro, que são apreciadores, estudiosos dedicados, querendo fazer dessa música um meio de vida. E não ouviram no rádio, porque não tem como ouvir, mas entraram de alguma forma em contato com o choro, através da internet, de amigos, familiares e começaram a desenvolver o gosto. E o choro tem algo de maravilhoso que é uma espécie de união, já que normalmente são formados conjuntos para executá-lo. Se pega um violão, flauta, cavaquinho, bandolim, o solista ou mais, e promove-se um encontro sensacional — fala.
— Mas também temos muitos outros gêneros genuinamente brasileiros e eu gosto de me envolver com todos. A diferença é que em alguns casos é muito mais difícil, por não termos partituras, trabalhos documentados. O choro é uma música bem documentada, codificada para se aprender, com muitas partituras e métodos disponíveis e isso facilita bastante, já o forró, por exemplo, tem raras partituras — explica.
— Muito do forró veio do choro, mas se alguém quer ver partituras do Luiz Gonzaga, do Dominguinhos, do Camarão, e outros forrozeiros sensacionais, tem grande dificuldade em encontrar, é muito raro se conseguir alguma. Então tem que se ‘tirar de ouvido’ a música, isso dá trabalho e quem aprende é porque gosta muito e passa o dia tocando — continua.
Toninho tem trabalhado muito pelo Brasil e exterior, sempre com sucesso. No final de dezembro esteve em Nova Iorque tocando acordeon na orquestra de Maria Schneider, repetindo uma turnê que já tinha feito em julho. Também faz shows com o Trio 202, composto por ele, Nelson Ayres e Ulisses Rocha, e com a cantora Mônica Salmaso, que vem de uma turnê de shows na Europa no final de 2008. E tem feito shows por todo o país do seu ultimo cd com quinteto de cordas.
— Tenho tocado com um quinteto de cordas do local onde me apresento. É uma forma de viabilizar minhas viagens, mostrar minhas músicas em mais lugares e dá uma chance para músicos da cidade. Isso é maravilhoso, entre outros, porque quando um músico chega a uma cidade para fazer show acaba não vivendo a cena musical do local, mas quando trabalhamos com músicos da cidade, há uma interação. Desta forma esse trabalho tem sido muito gratificante para mim — explica com alegria.
Além da distribuição feita pela Biscoito Fino, Toninho vende seus cds nos shows.
— Na verdade onde o público encontra o cd de músicos de perfil parecido com o meu é nos nossos shows, porque infelizmente ele não está presente nas lojas da maneira que deveria. Além disso, o cd adquirido nos shows tem o autógrafo, aquela atenção especial que damos e até um preço mais acessível, podemos dizer que é uma ‘sintonia fina’ entre artista e seu público — finaliza Toninho.