A riqueza de Rondônia, a exemplo de toda a Amazônia, virou uma verdadeira obsessão de empresas mineradoras, impedidas de explorar as reservas por falta de lei que regulamente a atividade em áreas indígenas. A exemplo de todo o país, o ouro é o principal mineral garimpado em Rondônia, em sua maior parte no rio Madeira, com a utilização de balsas, dragas, tratores de esteira e bombas de pressão que produzem fortes jatos d'água.
Nas duas últimas décadas, foram feitos mais de sete mil pedidos de pesquisa geológica ao Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), que incidem em 126 territórios de índios na região. E que poderão ser liberados com a aprovação do projeto de lei 1610, que se constitui, sobretudo, numa ameaça de devastação das aldeias.
Para os empresários, são boas as possibilidades de aprovação do projeto, por várias razões: o aquecimento dos preços do ouro no mercado internacional, conseqüência da crise econômica norte-americana, causada pelo ataque ao World Trade Center; a autoria do projeto(Romero Jucá, líder do governo no Senado), e a exoneração do ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Glênio Álvares, feita pelo ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior. Álvares e sua equipe resistiam à aprovação do projeto.
"Esse projeto só ajudará grandes grupos, principalmente internacionais, que desejam oficializar o contrabando de nossas riquezas, em nada contribuindo para o país", afirmam garimpeiros e índios, que se julgam no direito exclusivo de explorar as suas próprias terras.
"A regulamentação da mineração em terras indígenas evitará a degradação, alcoolismo e prostituição dos garimpos irregulares", diz o senador Romero Jucá, autor do projeto que regulamenta a mineração, demonstrando assim o seu "apreço" pelo povo.
O que prevê a Constituição
A mineração em terras indígenas é prevista na Constituição Federal, mas sem que signifique liberar a devastação. São reconhecidos aos índios sua organização social, línguas, crenças, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar seus bens". A lei permite a mineração, mas impõe limites de proteção às comunidades e ao meio ambiente.
O projeto 1.610, que regulamenta a constituição, privilegia o mercado e é omisso em relação aos índios e à natureza. Não exige o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), que é a identificação de todos os problemas que podem ser causados pelas pesquisas e exploração de minérios e nada impõe em respeito aos limites dos territórios a serem explorados.
As mineradoras são as que mais degradam
De acordo com levantamento feito pela organização não-governamental Instituto Sócio-ambiental, empresários estão de olho em 99,79% da área Tapirapé, em Mato Grosso e em 99,59% da área Roosevelt, dos índios Cinta-larga, em Rondônia, onde o clima é tenso.
Quase 100 empresas demonstram interesse em mais de duas dezenas de tipos de minérios, só que a simples pesquisa é considerada um verdadeiro desastre, se não forem tomados cuidados. Nas pesquisas, abre-se estradas e poços e derruba-se florestas.
Entre a retirada das primeiras amostras do solo e das rochas até o momento da cubagem, que é o cálculo da reserva mineral existente no local, o mínimo de tempo gasto é de dois anos. Uma mina é aberta depois de dez anos.
São incalculáveis os impactos sobre o ecossistema da floresta Amazônica, principalmente no garimpo de ouro, devido ao assoreamento, erosão e poluição dos cursos d'água, problemas sociais, degradação da paisagem e da vida aquática, contaminação por mercúrio com conseqüências sobre a pesca e a população.
Na mineração industrial (ferro, manganês, cassiterita, cobre, bauxita, entre outros minerais), os prejuízos também são muito grandes com a degradação da paisagem, poluição e assoreamento dos cursos d'água, esterilização de grandes áreas e impactos sócio-econômicos.
Multinacionais já foram beneficiadas
Em 31 de março de 1971, através da Portaria Ministerial nº 195/70, expedida pelo Ministério das Minas e Energia, a garimpagem manual chegou a ser proibida, sob a alegação de que o garimpo tinha um percentual de aproveitamento reduzido e inviabilizava a exploração complementar mecanizada. Justificava-se que a exploração mecanizada era economicamente mais rentável.
A exemplo do que temem os índios e garimpeiros, que volte a ocorrer com a aprovação do projeto de Lei 1610, a proibição em 1971 privilegiou um reduzido número de empresas de grande porte, predominantemente multinacionais. Além disso, provocou a remoção dos garimpeiros para fora de Rondônia e encerrou o Ciclo da Cassiterita, pois deixaram de circular riquezas locais e o resultado econômico da exploração passou a ser aplicado fora do território.
Quase dez anos depois, a exploração mecanizada do minério significou o primeiro impulso industrial na região e Rondônia passou, no final da década de 70, a ser o maior produtor brasileiro, com dez mil toneladas de cassiterita, representando 67,43% da produção nacional. Vale ressaltar que o mineral era exportado na forma bruta, sem qualquer beneficiamento industrial, além de se constituir num setor oligopolizado, o que acarretava limitação de emprego e de renda para o então território.
Lei do mais forte
Para Romero Jucá, a pressa dos empresários tem motivos mais do que justos: "o minério que tem valor hoje, poderá não ter mais valor amanhã" Sobre os limites de exploração, o senador acredita no bom senso dos empresários e considera dispensável determinar limites na lei que vai regulamentar a atividade, sob a justificativa da possibilidade de ser feito posteriormente. Os limites também poderão ser discutidos mais tarde, com os índios, e as soluções sairão de acordo com cada caso, afirma o senador.
"Na prática, no meio do mato, na hora em que o ouro e o diamante exercem o fascínio da riqueza sobre os homens, não tem acordo sobre limites de exploração. Vale o mais forte. Por isso a necessidade da lei ser explícita", afirmam os experts no assunto..
Vontade do mais fraco
Sob a justificativa principal de que o projeto de Lei deveria ser parte do Estatuto das Sociedades Indígenas, paralisado no Congresso, desde 1994, as organizações indígenas e de apoio aos índios são contra a aprovação.
Em 175 artigos, o projeto trata os temas tradicionais da política indigenista, preservando a situação jurídica dos índios, responsabilidades assistenciais da União, até à proteção ambiental e propriedade intelectual. A única justificativa para separar a mineração desse conjunto – do qual faz parte – é a pressa dos grupos econômicos que dominam o setor.
O projeto também limita em até 2,25% a participação dos índios nos resultados financeiros da mineração e não prevê a exigência de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental. Ou seja: dispensa avaliação sobre os impactos que a mineração pode provocar. O EIA é feito para identificar, organizar e avaliar os efeitos físicos ecológicos, econômicos, sociais e culturais de um empreendimento.
O Rima é o documento com as conclusões do EIA traduzindo as informações técnicas para linguagem acessível ao público, o que é essencial, uma vez que as audiências públicas são parte importante do licenciamento de uma obra. O EIA/Rima é fundamental até para que os índios sejam informados e possam decidir se querem ou não a atividade em suas terras "O EIA/Rima seria apenas um instrumento técnico", entende Romero Jucá.
O presidente da Câmara, deputado Aécio Neves, prometeu a representantes de 27 nações indígenas que, enquanto não promover um amplo debate sobre o projeto que permite a mineração em reservas de índios, não o incluirá na pauta de votação.
Um crime contra o próprio país
Boa parte do diamante extraído dentro da reserva Roosevelt é contrabandeada para os Estados Unidos, Canadá, alguns países da Europa e Israel. A Polícia Federal descobriu a conexão internacional depois de efetuar, há quatro meses, várias prisões nos municípios de Cacoal e Pimenta Bueno, vizinhos a Espigão do Oeste, de pessoas que compravam diamante bruto para lapidar e revender no exterior. Uma prática comum em todas as regiões, facilitada pela corrupção dos próprios órgãos governamentais, e que vem prejudicando o próprio país, há décadas.
Para o professor Rui Nogueira, autor de vários livros, entre eles, "Amazônia, Império das Águas", não dá para aceitar tamanha violência contra o país.
"Há países que têm minérios e matérias-primas. Dizem que eles são ricos, têm riquezas naturais, mas os preços dessas riquezas estão sempre artificialmente muito baixos. Por mais que trabalhem e se esforcem, estão sempre sem dinheiro. Serra Leoa é um dos países mais pobres do mundo e tem minas de diamantes. A Inglaterra garantiu mercado para os seus tecidos, com a proibição de D. Maria, a Louca, rainha de Portugal, de haver teares no Brasil, sob pena de deportação do proprietário. Sem o silício, extraído do minério de quartzo, não há computadores, pois é com o silício que se faz sua mais importante peça: o micro processador eletrônico (chip). E, observe, o Brasil exporta o quilo do melhor quartzo do mundo a 35 centavos. Sem minério de ferro não há como fabricar o aço. O Brasil o exporta por preços decrescentes que, hoje, chegam a R$ 15 a tonelada. Dá para aceitar?
O desenvolvimento tecnológico exige e exigirá cada vez mais, no século XXI, a utilização de materiais antes absolutamente ignorados", afirma o professor.
"Você sabe qual mineral é fundamental para a fabricação de turbinas de avião? E de foguetes? E os tubos que exigem alta resistência? Tudo isso se faz com nióbio, mineral até há pouco tempo desconhecido e do qual o Brasil detém 98% da produção mundial. E vem a questão: qual a situação dos países hegemônicos quanto aos minérios essenciais à produção industrial? Muito mal, claro. Dependem quase cem por cento dos países explorados".
"O Brasil tem todos os minerais essenciais", informa Rui Nogueira.
"Agora podemos entender o porquê da preocupação das empresas transacionais, com sede nos países hegemônicos, em se transformarem em proprietárias dos minérios. Assim, poderão garantir matéria-prima barata, quase pelo custo da extração e transporte. Por isso, defendem e defenderão os direitos de propriedade, mesmo que tenham sido obtidos por meios espúrios e até pela força".
"Tudo que usamos vem da natureza. Sai minério a preço vil, ficam buracos e miséria", adverte.
"Minérios não se repõe e não é riqueza para ficar nas mãos de estranhos, mas para servir à melhoria da vida dos brasileiros. Para um país crescer e criar condições para o seu povo viver bem, há necessidade de conhecimento (saber); de tecnologia (saber fazer); de recursos naturais (minérios, matérias-primas); energia e água. E o que estamos assistindo? Tudo sendo entregue a estrangeiros. Não podemos mais permitir tudo isso, temos que reagir para fazer do Brasil o país do século XXI.", concluiu Rui Nogueira.