A revolução se fará com o entusiasmo e o desprendimento da juventude!
Ao fundo, rebeldes de 35 a caminho do presídio em Ilha Grande
Ricarte Sarandy — um desses eternos membros do Partido Comunista do Brasil fundado em 1922 — mineiro, 91 anos, viveu até os 12 anos com camponeses de Minas. Em 1922 foi para Além Paraíba trabalhar na indústria de móveis. Em 1930, mudou-se com toda a família para Juiz de Fora. Aprendeu várias profissões: foi pedreiro, carpinteiro, padeiro, mecânico, professor, etc. Ensinou História até 1977, em Brasília, quando voltou para Juiz de Fora, cidade em que vive até hoje e aonde teve enorme militância. Hoje, aposentado, Sarandy continua com seus ideais, lutando pela vitória do povo: “(…) o nosso país se transformou praticamente numa colônia ianque.”
RS – Meu pai era uma pessoa evoluída politicamente. Sua visão era a visão que tenho hoje, a da luta de classes e de que o regime não pode continuar por ser antisocial, antinatural. Ele possuía livros revolucionários, inclusive O Capital. Ele explicava tudo a mim e aos camponeses. Já rapaz, a minha visão do mundo era marxista.
Em abril de 1932 entrei para a Juventude Comunista, em Juiz de Fora. Então já lia Marx e tinha uma visão mais aprimorada da luta de classes. Convivia, naquela época, com figuras proeminentes do comunismo, como Astrogildo Pereira, Otávio Brandão, Agildo Barata, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Luiz Carlos Prestes. Hoje, mais convicto ainda, vejo que não existe outra solução para a humanidade a não ser o socialismo. No início, fomos dominados pelo imperialismo inglês e, atualmente, é o ianque quem domina toda a América Latina – que é governada por traidores, fantoches do imperialismo.
Falando de 1935, foi uma quartelada, pois não há revolução sem a massa, principalmente a camponesa. Na época disse ao Maurício Grabois, com quem havia militado na Juventude Comunista, que íamos fracassar. Aliás, repeti isso em 1965, na Guerrilha do Araguaia, considerando que a densidade demográfica é muito pequena na Amazônia.
RS – O Otávio Miranda, secretário-geral do Partido, dava informes bajuladores e cheios de fanfarronices para a Internacional Comunista; isso levou a IC a pensar numa revolução vitoriosa no Brasil e Prestes a comandar o movimento sem qualquer ligação com os camponeses nem com as massas.
Não tínhamos nenhuma ligação com a massa camponesa, a maioria no Brasil, e que não estava a par do que ocorria. O Partido não tinha ligação com o povo. Mesmo na Praia Vermelha, no 3° Batalhão ouviu-se: “Mas revolução de quem?”
Em Natal, onde a massa camponesa apoiou o movimento, chegou-se a tomar o poder local por alguns dias, mas como não havia uma organização partidária, coesa, unida e capaz de assumir concretamente a direção, o movimento fracassou.
RS – O Partido me mandou para Juiz de Fora, para fazer os comícios na rua onde havia muita gente. Porém, antes de entrar em ação fui preso. Depois de torturado na prisão, fui levado para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Rio, onde também fui torturado e, depois de alguns meses, levado para a Casa de Detenção. Em 35, havia 30 mil presos políticos e, muitos, foram assassinados. Filinto Muller fez uma chacina. Houve uma debandada geral e, depois, levou-se muito tempo para reorganizar o Partido.
No dia 5 de dezembro de 1935, depois de uma inspeção militar, me embarcaram para o navio Itaipava, que levou 300 homens para o presídio da Ilha Grande. Nos colocaram no porão, fecharam a escotilha e ficamos dois dias e meio sem água, comida nem luz. Para piorar, o navio era à lenha e ratos passavam sobre nossos pés. Quando chegamos na ilha tínhamos quatro mortos.
Desembarcamos e tivemos que enfrentar um corredor polonês até o campo de concentração, considerado a pior prisão do mundo naquela ocasião. No alojamento não havia cama, dormíamos sobre a areia. Invocamos a proteção da Associação de Proteção aos Animais através de um manifesto clandestino, que foi lido na Câmara, por Otávio Mangabeira.
RS – Numa noite, escrevemos o manifesto, que foi assinado por um representante do Partido em cada estado. Dizia-se que assinando era sentença de morte certa. No manifesto denunciamos as condições sub-humanas a que éramos submetidos na prisão: arroz, feijão e farinha, tortura, trabalho forçado.
Por causa disso, a repressão aumentou. Embaixo do quartel da polícia tem um porão de castigo. Nos colocaram ali durante quatro dias só de cueca. Era um frio tremendo. Quando a maré enchia, tínhamos que nadar no meio de bosta, resto de comida, siris, caranguejos nos pés da gente. Quando a maré descia, aparecia a areia, a gente descansava deitado na areia fria e fedida. Ainda bem que ninguém ficou doente, pois se adoecesse, morria. Naquele inferno, para enfrentar a situação e manter o moral alto, cantávamos canções revolucionárias todas as horas, em especial A Internacional. Cantar era a nossa arma.
Devido à pressão vinda de fora, voltamos para nosso alojamento. Foi uma das maiores alegrias de minha vida ver aquelas saudações. Os presos nos fizeram uma grande recepção. Nos ofereceram “bagulhos”, como chamávamos os biscoitos, leite condensado, cigarros. Foi uma festa no inferno. No dia seguinte, trabalhar! Mas como? Quatro dias sem comer, gelado de frio! Fui trabalhar na marcenaria, depois, na olaria.
Um dia, um tenente tentou me subornar para conseguir os nomes de meus “amigos”. Eu respondi que não tinha amigos, e sim companheiros do Partido, e não ia denunciar ninguém. “Mas menino, na sua idade, você tem um futuro brilhante”, ao que respondi: “Sim, tenho um futuro brilhante, mas como revolucionário, não como traidor do povo e do Partido”.
Saindo da prisão continuei a militância. Durante uma greve dos marceneiros, numa manifestação na Praça Mauá, nós, como medida de autodefesa, levamos alguns bastões de peroba, pois conhecíamos a polícia especial do Getúlio. Houve um conflito no qual morreu um guarda. Eu apanhei muito, mas também bati muito. Por causa disso, fui condenado a 46 anos de prisão. Mas não conseguiram me prender. No local onde nos reuníamos, prepararam uma armadilha, cercaram a casa com policiais disfarçados de gari. Conforme os camaradas iam chegando, iam sendo presos. Eu fui avisado: “Ih, rapaz, é a ti que eles querem! Está tudo cercado!”
Um camarada me deu um revólver e 600 mil réis. Fui para Barra do Piraí (RJ) a pé. Dormia de dia e andava de noite. Ali me liguei com os companheiros, entre eles, o Manuel João. Grande comunista. Eles me deram roupas e apoio total. Mudei meu nome. Fui a Mato Grosso, paguei e voltei com o nome Luiz Reis, tudo legal. Cheguei em Vitória (ES) e comecei a trabalhar com aquele povo até que me localizaram. Num comício, a turma me escolheu para falar. Depois fui procurado pelo Dr. Eteweld que, me abraçando, alegre foi dizendo: “Gostei muito. Você falou muito bem, vamos ali na chefatura tomar um café.” A turma, porém me avisou que iriam me prender. Fugi, nadando 2 km até o barracão e lá fiquei escondido.
No dia 7 de dezembro de 1941, apareceu um companheiro agenciando trabalhadores para construir Volta Redonda. Pegamos o trem e chegamos às 8 horas da noite. Lá, me deram um macacão e um boné e, mais uma vez, mudei de nome, Carlos de Souza, com carteira profissional e tudo.
RS – Hoje já não existem aquelas lideranças. Aquele Partido e aqueles sindicatos desapareceram. Venderam-se. São oportunistas: dinheiro e eleição!
É notório que a CUT (Confederação Única dos Trabalhadores), a Força Sindical e a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) estão nas mãos dos pelegos. Tudo farinha do mesmo saco. O Medeiros, o Jair Menegheli, o Vicentinho, o João Felício, o Paulinho, o Luiz Marinho, estão fazendo o mesmo papel que fizeram na década de 70 os mega-pelegos Joaquinzão, Pimentel, Arnaldo, Mata Roma, etc. Todas as centrais sindicais brasileiras hoje estão vendidas à Ciols (Confederação Internacional dos Sindicatos Livres), seguem a orientação política do Departamento de Estado Americano e são financiadas pela CIA (Agência Central de Inteligência). Os sindicatos se desmoralizaram. O que existe hoje é uma aristocracia que se apoderou do aparelho sindical, vendendo até a alma ao patronato. Antes se vendia ao patronato brasileiro, hoje está se vendendo ao imperialismo internacional.
RS – Uma das semelhanças é que o Partido falhou. Uma direção muito fraca em 35 e, depois, aconteceu o mesmo em 64. O Partido estava enfraquecido pelos oportunistas e revisionistas, que atuavam infiltrados dentro dele. O exemplo clássico dessa canalha é o Roberto Freire. Todos conhecem hoje este sujeito. No Brasil há de surgir um Partido que não seja eleitoreiro, verdadeiramente revolucionário. Falar em Socialismo sem revolução é ilusão. Pregar Socialismo com eleição é querer enganar. Socialismo, só com revolução!
Se você não tiver na mão o Exército, a Marinha e a Aviação, o que mantém o governo, você não tem nada! Poder é ter as armas! O que mantém essa miséria são as armas, auxiliadas pelas religiões. A maior força reacionária no mundo é a religião!
RS – Todas as centrais sindicais e a maioria dos sindicatos estão nas mãos dos pelegos seguindo orientação da Ciosl. Um descrédito completo. Os sindicatos vazios de trabalhadores. Não acreditando na direção, o trabalhador não entra no sindicato. O governo atual está agindo como se o Brasil fosse uma colônia. Exportando alimentos e o povo passando fome.Que país é esse? Que governo é esse? E essa demagogia de Fome Zero?
Então, qualquer país do mundo capitalista que estiver enfrentando uma situação como a de hoje, deve entender: eles nunca irão entregar o poder através de uma eleição. Então, a perspectiva é recomeçar, falar, explicar, reeducar milhões de trabalhadores, dar lições práticas e teóricas para preparar para um futuro de 10, 20 ou 100 anos. Mas haverá a revolução. Sem revolução não haverá o socialismo. Eu não quero nenhum desses partidos eleitoreiros que estão aí. Lênin disse: “Democracia é o fuzil no ombro do operário!” Mao falou: “O poder nasce do fuzil!” E a revolução se fará com o entusiasmo e o desprendimento da juventude.
Jovens do Brasil, que têm seus ideais partidários e revolucionários, façam um partido revolucionário autêntico e lutem por uma vida melhor. Sem o entusiasmo de vocês o povo não fará nada. O povo está desorientado. Procurem se organizar! Protestem! Façam greves. Lutem contra o imperialismo norte-americano! É a única forma de libertar o povo. Depende de vocês desbravar o caminho da liberdade!