Supersimples retira direitos do povo

Supersimples retira direitos do povo

A nova lei que regulamenta o funcionamento das micro e pequenas empresas, o Supersimples, foi publicada no Diário Oficial da União no último dia 15 de dezembro. A lei precariza os direitos trabalhistas e previdenciários, além de possibilitar a lavagem de dinheiro e criação de empresas fantasmas.

Enviado à Câmara em 19 de janeiro de 2004, pelo deputado federal Jutahy Junior, do PSDB da Bahia, o Projeto de Lei Complementar (PLP123/2004) tramitou nesta casa até 4 de setembro de 2006. Antes de ser enviado ao Senado, recebeu 208 propostas de emendas e substitutivos, das quais 34 foram aceitas. A Lei Complementar tem 87 artigos — quatro foram vetados — que instituem normas para a definição da microempresa e empresa de pequeno porte; inscrição (abertura) e baixa (fechamento) destas empresas, tributos e contribuições, acesso aos mercados, simplificação das relações trabalhistas (leia-se retirada de direitos), fiscalização das atividades, regras civis e empresariais e o acesso à justiça.

Nenhum de nossos “ilustres” e “honestos” deputados ou senadores votou contra o Supersimples. A aprovação desta lei é resultado de um processo de dois anos de negociação entre as frações da burguesia que eles representam, já que todos — frações e representantes — se engalfinhavam para ver quem ganharia mais com aprovação desta lei anti-povo.

O Supersimples entra em vigor em julho de 2007 e institui o recolhimento mensal unificado de oito tributos (art. 13º):

I Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ);

II Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), exceto o IPI incidente na importação de bens e serviços;

III “Contribuição” social sobre o lucro líquido (CSLL);

IV “Contribuição” para o financiamento da seguridade social (Cofins) exceto a Cofins incidente na importação de bens e serviços;

V “Contribuição” para o PIS/Pasep, exceto o PIS/Pasep incidente na importação de bens e serviços;

VI “Contribuição” para a seguridade social;

VII Imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços e sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal (ICMS);

VIII Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS);

Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) a lei, apresentada sob o pretexto de eliminar burocracias e regulamentar a unificação da legislação tributária das três esferas de governo para micro e pequenas empresas, pode causar sérios danos ao trabalhador, ao aposentado, aos estados, municípios e ao consumidor.

O relator da matéria na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), senador Luiz Otávio (PMDB-PA), afirmou que o “Supersimples” é o primeiro passo para uma reforma tributária mais ampla. Caso continue assim, ao fim desta “reforma tributária ampla” não restará sequer o salário mínimo como direito do trabalhador.

É óbvio que uma lei que viesse realmente a reduzir tributos — haja vista que a carga tributária do Brasil é uma das maiores do mundo: 37,37% do PIB em 20051 —, simplificar a burocracia para a abertura de pequenas empresas e aumentar os empregos deveria ser comemorada. Todavia o Supersimples é apenas uma forma de retirar direitos travestida de conquista para o pequeno empresariado. Clemilce Carvalho, presidente do conselho executivo da Associação dos Auditores Fiscais da Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro (Afiperj), não concorda que a lei criará mais empregos:

— O pessoal do Sebrae jura que vai criar mais empregos. Eu digo que não, porque o Simples não criou e o que houve foi redução de receita para a Previdência, uma coisa enorme que a gente chama de renúncia fiscal.

Pequenos?

O Supersimples, primeiramente é a porta de entrada para a reforma sindical e trabalhista. Certamente, se hoje a lei é alterada somente para as “micro e pequenas empresas”, adiante se afirmará que a legislação necessita ser “modernizada” como um todo. Além disso, deve-se considerar a pressão que os monopólios exercerão para também participar do butim.

Em segundo lugar, cabe perguntar: quem são as micro e pequenas empresas— de acordo com o art. 3º do Supersimples, microempresa é aquela que tem rendimento bruto anual de até R$ 240 mil e pequena é a que tem rendimentos de R$ 240 mil a R$ 2 milhões e 400 mil.

A grande questão é que, pelas novas estratégias de acumulação do capital, de exploração da mão-de-obra, as grandes empresas passaram a terceirizar a maior parte do processo produtivo. Na ponta deste processo estão as “microempresas e pequenas empresas”, onde os trabalhadores estão registrados. Essas empresas são conhecidas como “gatas” e, pelas próprias condições de existência — o produto que elas oferecem (mão-de-obra) têm que ser atrativo, ou seja, contratar funcionários via “gata” deve ter um custo menor do que contratar diretamente —, pagam salários menores e têm condições precárias de trabalho.

Ocorre também que as empresas, principalmente desse ramo terceirizado, têm feito desmembramentos, por área ou fase do processo produtivo. Assim, o que parece uma pequena empresa, pelo rendimento anual, é apenas um departamento de uma grande empresa.

No frigir dos ovos, a tão alardeada lei que foi aprovada sob o lema de permitir a sobrevivência das pequenas empresas e combater a informalidade, serve às grandes empresas, porque elas (as grandes) é que são as verdadeiras expropriadoras de mais-valia direta — quando se desmembram — e indiretamente, quando utilizam os terceirizados. De pequena empresa mesmo resta muito pouco, até porque o sistema capitalista, na sua atual fase, engole a todas no seu afã de tudo monopolizar.

Fantasmas

Clemilce Carvalho alerta para o fato de que a própria definição da micro e pequena empresa instituída pelo Supersimples possibilita a utilização deste dispositivo para a lavagem de dinheiro:

— O Supersimples inclui no Simples empresas que não são mais micro, são EPPs (Empresas de pequeno porte) Aumenta o teto até 2,4 milhões de reais por ano. Vão jogar 90% das empresas lá dentro, fora da fiscalização da Previdência, de toda fiscalização federal, vai ser um “oba-oba”. Essa lei está ficando conhecida como “lei de proteção aos sonegadores”. Vai servir para lavagem de dinheiro.

Para o Unafisco, o art. 10º, parágrafo II, também facilita a criação de empresas “fantasmas” ou “laranjas”, ao proibir a exigência de comprovação de propriedade ou contrato de locação do imóvel por ocasião da sua abertura.

Precarização

Sob o título de “simplificação das relações trabalhistas”, o art. 51º da Lei Complementar 123/2006, precariza os direitos dos trabalhadores, permitindo uma exploração ainda maior ao dispensar os patrões de:

Iafixação de quadro de trabalho em suas dependências: dificulta que a fiscalização identifique os trabalhadores registrados e, o mais grave, os não registrados. Além de facilitar a terceirização porque a prestadora de serviços estará dispensada de ter esse quadro na sede da tomadora dos serviços.

IIanotação de férias dos empregados nos respectivos livros e suas dependências: dificulta a verificação da concessão deste direito pela fiscalização.

IIIempregar e matricular seus aprendizes nos cursos nacionais de aprendizes: estabelece abertamente o trabalho semi-escravo para menores, uma vez que dispensa o patrão de matriculá-lo em curso de formação, a falácia que servia como justificativa ao contrato precário (não recebe indenização ao final do contrato ou em caso de demissão e tem direito a apenas 2% do FGTS).

IVda posse do livro intitulado “Inspeção de Trabalho” e de comunicar ao Ministério do Trabalho e Emprego a concessão de férias coletivas: também dificulta a fiscalização da concessão de direitos dos trabalhadores.

O art. 54º também é bastante lesivo ao trabalhador, uma vez que permite que um terceiro não sócio ou empregado represente uma empresa na Justiça do Trabalho. Isto facilitará as fraudes — como a lavagem de dinheiro —, quando as “micro e pequenas empresas” são criadas apenas para uso dos benefícios por outra empresa, principalmente no caso de desmembramentos. Trata-se de empresas cartoriais, cujos proprietários são “laranjas” e não se dispõem a ir a várias audiências trabalhistas, já que não são empresários, mas tubarões. Elas também não têm empregados no departamento pessoal, centralizado na grande empresa.

Como se não bastasse os direitos que o Supersimples retira diretamente, o art. 84º transfere para o âmbito da negociação coletiva com os sindicatos o estabelecimento fixo do tempo gasto no deslocamento do trabalhador até o posto de trabalho. Vale lembrar que este tempo, quando o transporte é disponibilizado pelo empregador, deve ser contabilizado na jornada de trabalho.

Atualmente, isto representa um perigo de mais perdas para trabalhador porque os sindicatos são, em sua grande maioria pelegos, comprados pelos patrões e controlados pelo cartel Ciosl/PT. No caso dos poucos sindicatos combativos, é certo que saberão utilizar esta lei em benefício dos trabalhadores.

O mais grave é o que institui o art. 75º, parágrafo I: o pleno reconhecimento dos acordos celebrados no âmbito da negociação coletiva. Esta questão já foi denunciada anteriormente em AND 31 (verSindicalismo pior que o de Vargas). Isto coloca o trabalhador em sério risco porque reconhece todo e qualquer tipo de acordo, mesmo que retire direitos garantidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. É a aprovação sorrateira do negociado sobre o legislado.

É importante ressaltar que todos os artigos referentes ao aspecto trabalhista, ou seja, à retirada de direitos são de “iniciativa do Poder executivo”. Eles foram introduzidos diretamente pela gerência oportunista FMI-PT através do PLP 210/2006, anexado ao PLP 123/2006, o Supersimples.

Previdência

Em relação à Previdência, o Supersimples também traz perdas significativas. O art. 80º altera um princípio básico da Previdência: a aposentadoria por tempo de contribuição. Isto vale para o segurado contribuinte individual que trabalhe por conta própria, o famoso “autônomo”, e o segurado facultativo.

Estas categorias poderão “optar” por contribuir com a Previdência em 11% ou em 20%. Optando por 11% não haverá direito de aposentadoria por tempo de contribuição, apenas por idade. Na prática, o “autônomo” — que mal consegue sobreviver dignamente com os rendimentos do trabalho que realiza e na maioria das vezes nem “contribui” com a Previdência Social — e os segurados facultativos, que são os próprios empresários, serão praticamente obrigados a contribuir com 11% devido ao cenário de crise econômica atual.

Fiscalização orientadora

Outra lesão aos trabalhadores é estabelecida pelo art. 55º, que estipula a “fiscalização orientadora”, no que se refere aos aspectos trabalhista, metrológico (de pesos e medi das), sanitário, ambiental e de segurança. A fiscalização perde seu caráter repressivo, tendo como princípio apenas orientar os patrões a seguir as normas.

Isto dá ao patronato o direito de não cumprir, pelo menos uma vez, os direitos dos trabalhadores e consumidores. Não é também o caso de defender uma fiscalização agressiva, como ocorre hoje devido à corrupção de alguns fiscais que objetivam extorquir aos pequenos proprietários, mas defender uma fiscalização que garanta condições de trabalho adequadas e produtos consumíveis.

O parágrafo 1º deste artigo estabelece, ainda, que em caso de irregularidade, somente após uma segunda visita é que o fiscal poderá lavrar o auto de infração. Na primeira vez não haverá sequer notificação. Este tipo de procedimento fragiliza a fiscalização fitossanitária que examina a qualidade e a validade de alimentos, colocando em risco a saúde e a vida da população. Enfraquece também a fiscalização metrológica, que garante que o consumidor não seja enganado em relação a pesos e medidas de alimentos, por exemplo.

De acordo com esta lei, se um fiscal flagrar alguma irregularidade com relação à situação trabalhista não poderá autuá-la. Para o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) e para o Unafisco, este tipo de fiscalização na área de segurança e medicina do trabalho pode provocar maior número de acidentes graves e fatais e estimula o descumprimento de todas as normas protetoras do trabalhador.

A proibição de que os fiscais multem, mas apenas orientem, é um incentivo à ilegalidade, pois os infratores ficarão tranqüilos, sabendo que, na hipótese de surgir fiscalização (coisa rara, face o número irrisório de fiscais, muitas das vezes corruptos) terão apenas que corrigir as irregularidades, sem receber qualquer punição. Todavia o § 4º afasta essa leniência no caso de tributos, isso porque o imperialismo exige recursos para pagamento dos juros da “dívida”.


*Colaborou Alexandre Amaral, advogado trabalhista em Vitória, ES.
1. Receita Federal, Estudo tributário 15, Carga tributária no Brasil, 2005.
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