Surpresa na MPB: Ruy Faria e Carlinhos Vergueiro cantando em dupla

Surpresa na MPB: Ruy Faria e Carlinhos Vergueiro cantando em dupla

E veio setembro. Com ele, as mais agradáveis surpresas para o apreciador da música popular brasileira — da melhor, se permitem — Ruy Faria e Carlinhos Vergueiro aparecem juntos.
Com suas carreiras respeitadas e consolidadas no meio musical brasileiro e internacional — Ruy integra o conjunto MPB-4 desde 1965 e Carlinhos faz carreira solo há quase trinta anos —, ambos preparam sua estréia, ainda este mês, em show e CD. E tome música popular brasileira e um variadíssimo repertório

Ruy Faria, Carlinhos Vergueiro e Chico Buarque, parceiros no futebol de quase todas as semanas. Ruy, dia desses, falou de sua paixão por duplas e o seu desejo de formar uma. Foi o comentário certo no local ideal, porque Carlinhos, que pensava o mesmo, conhece muito sobre o assunto. Assim, entenderam que deveriam desenvolver melhor a idéia, por que não?

Não faltou o apadrinhamento de Chico e de sua irmã Cristina Buarque, que passaram a pesquisar as duplas brasileiras de todos os tempos. “Com a pesquisa da Cristina descobrimos que existe uma falsa impressão quanto às duplas: a de pensar que só existiram e existem as sertanejas. Na verdade, sempre houve dupla brasileira cantando todo tipo de música”, diz Ruy.

Segundo Carlinhos Vergueiro, as duplas fixas e outras que se formavam somente para uma temporada eram bem comuns nas décadas de 30 e 40. Hoje, praticamente não se fala mais nisso. “Descobrimos que muitos cantores importantes chegaram a atuar em dupla ao longo de suas carreiras, paralelo ao trabalho solo que executavam, como Noel Rosa, Wilson Batista e Geraldo Pereira, por exemplo. Cantavam música brasileira, samba. Também temos que lembrar de outras como: Cascatinha e Inhana, Francisco Alves e Mário Reis, Pena Branca e Xavantinho, Célia e Celma, Duo Ciriema, entre outras”, conta.

É bom deixar claro que esse trabalho de Ruy Faria e Carlinhos Vergueiro será paralelo aos já desenvolvidos individualmente por eles. “O Carlinhos tem uma carreira solo sedimentada e vai continuar cumprindo sua agenda. Da mesma forma, continuarei cumprindo a minha junto ao MPB-4”, explica Ruy, lembrando não ser esta a primeira vez que faz um trabalho paralelo. Em 1984, ele gravou o LP solo Amigo é para essas coisas.

Ruy Faria & MPB-4

Cantor, compositor, produtor musical, advogado formado pela Faculdade de Direito de Niterói (Universidade Federal Fluminense), Ruy Faria iniciou sua carreira como crooner de conjuntos de baile de Santo Antônio de Pádua, RJ, próxima à cidade de Cambuci, onde nasceu. Mais tarde, em Niterói, participou de dois trios vocais. Oficialmente, a sua carreira começou em 1965, quando ao lado de Magro, Miltinho e Aquiles, passou a integrar o MPB-4, no qual atua até hoje.

Além de música, os shows do MBP-4, durante todas as décadas de 60 e 70, foram espetáculos teatrais, com um roteiro bem humorado e bastante politizado, em que, quase sempre, faziam algum tipo de protesto contra o regime vigente, a época sombria de nossa história recente. O grupo associou-se a compositores, intelectuais e a movimentos como o Opinião, comprometidos com a resistência.

Conhecido por cantar a boa música, o MPB-4 tem registrado obras de grandes autores da música brasileira: Tom Jobim, Edu Lobo, João Bosco, Gonzaguinha, Vinícius de Moraes, Francis Hime, Dorival Caymmi, Chico Buarque, Paulo César Pinheiro, Elton Medeiros, Milton Nascimento, Aldir Blanc, Cartola, Nelson Cavaquinho, Ary Barroso, Ismael Silva, Ataulfo Alves, Paulinho da Viola, Zé Kéti, Sidney Miller, e gente da pesada da geração anterior a deles, Pixinguinha, Villa-Lobos, e outros.

Perseguidos pela ditadura em 1975, tiveram vetado o espetáculo MPB-4 na República do Peru no Teatro Fonte da Saudade, RJ. O roteiro, escrito pelos integrantes do grupo, em parceria com Chico Buarque e Antonio Pedro, não agradou à censura da época. Proibido após cinco apresentações, do show — em forma de recital— ficou apenas o repertório musical. Também no Teatro Fonte da Saudade, viram o show República de Ugunga ser vetado pela censura da época. Outro espetáculo cortado foi o MBP-4 no País das Maravilhas.

Atuando com a formação original desde o início de sua trajetória artística, o conjunto foi premiado em 1996 na edição brasileira do Guinness — o livro dos recordes — como o grupo vocal que atua por mais tempo com a mesma formação. Também premiado por três vezes, em 1987/89 e 96, com o Prêmio Sharp, na categoria de melhor conjunto.

O brasileiro Carlinhos

Não fica atrás o paulista Carlinhos Vergueiro. Já se apresentou na Itália, França e Cuba e tem mais de 150 músicas gravadas. Na infância estudou piano e teoria musical, e aos 16 anos começou a compor acompanhado do violão.

Carlinhos, já cantor e compositor profissional em 1973, gravou dois compactos. Vale lembrar, neste tempo Carlinhos trabalhava durante o dia na Bolsa de Valores de São Paulo. Em 1974 lançou Brecha, seu primeiro LP, e passou a viver exclusivamente de música. No ano seguinte, passou a ter maior notabilidade ao vencer o Festival Abertura, da Rede Globo, com a música Como um ladrão, de sua autoria. Desde então, lançou outros discos, fez turnês e atuou como produtor, tendo suas composições gravadas por muitos intérpretes.

Entre os seus orgulhos está o de ter trabalhado com Cartola e Nelson Cavaquinho e a parceria com Adoniran Barbosa. Além disso, Carlinhos produziu os discos As Flores em vida, de Nelson Cavaquinho, 1985, Ópera do malandro, de Chico Buarque, em 1985, e Candeia, em 1986. Compôs em parceria com Sueli Costa, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Toquinho, Paulo César Pinheiro, João Nogueira, Paulinho da Viola…

Com elegância e bom humor, Carlinhos apresenta uma trajetória tipicamente brasileira, sempre valorizando suas raízes, um dos mais respeitados compositores e intérpretes populares. Das suas composições destacam-se Por que será, em parceria com Vinícius de Moraes e Toquinho, Torresmo à milanesa, com Adoniran Barbosa, Camisa molhada com Toquinho e Como um ladrão.

A dupla

A estréia nacional da dupla está marcada para o dia 17 de setembro, no Sesc de São Paulo, repetindo mais uma apresentação no mesmo local, seguindo para São Caetano e Araraquara, dias 19 e 20 de setembro, respectivamente. O nome do show é Só para chatear, título de um samba do compositor Príncipe Pretinho, que faz parte do show, juntamente com Seja breve, um samba de Noel Rosa que fala das pessoas inconvenientes, segundo Ruy, uma homenagem do autor aos chatos. Tem também Se você jurar, de Ismael Silva, Adeus, de Ismael Silva e Noel Rosa, O canto da ema, um baião de Jackson do Pandeiro e João do Vale, Meu primeiro amor, famoso na voz de Cascatinha e Inhana, entre outros. “Temos uma surpresa, que não vou contar e também a primeira composição que fizemos em dupla: o samba Amor de cinema“, fala Ruy.

A dupla trabalhou com composições produzidas há muitos anos, trazendo-as para a atualidade, mantendo alguns arranjos originais e modificando outros. Para fazer esse trabalho, contou com o auxílio da banda que a acompanhará, formada por João (contrabaixo e voz) e Chico Faria (Bandolim e voz), ambos filhos de Ruy, André Estrela (violão e voz) sobrinho de Carlinhos e Ângelo Victor, o Pretinho (percussão e vocal), genro de Ruy. Enfim, uma família numa banda. “O Pretinho é casado com minha filha Irene, e acaba de me dar um neto. É o meu segundo neto — a primeira é Alice, filha de João — e se chama Tom”, apresenta Ruy com orgulho, lembrando, bem humorado: o apelido de Tom é Antônio Carlos.

O show terá também uma participação de Chico Faria, extra-banda, apresentando uma música do seu primeiro CD, lançado há um mês: Chico Faria canta Chico Buarque. Ele tem 26 anos e é filho de Ruy com Cynara, do Quarteto em Cy.

“Incentivado pela carreira dos pais, começou ainda muito cedo a participar de vários coros infantis da televisão e dublagens musicais em desenhos animados nos estúdios Herbert Richers, além de fazer aulas de teclado e bandolim. Mais tarde, foi integrante da Banda Anesthesia, participando de várias apresentações em Festivais, vencendo alguns — Festvalda de 96, Festcel em 97, Mistura Jovem em 99 — e casas de shows, entre elas o Circo Voador, Mistura Fina e Fun Club. Entre outros, ele participou como convidado especial de shows do Quarteto em Cy, na Sala Cecília Meireles, em 1994 e em 2001 no CD Hora da Criança. Também participou do CD Gil e Caetano em Cy, cantando a música Desde que o samba é samba“, diz Ruy.

Chico integra a banda do cantor e compositor Dudu Nobre desde agosto de 2000, fazendo backing vocal, tocando guitarra e bandolim. Já se apresentou em quase todo o Brasil, em casas de shows como ATL Hall e Canecão, no Rio de Janeiro, e Tom Brasil em São Paulo. Participou também dos CDs Moleque Dudu e Chegue mais, do artista, enquanto, em 2002, montava sua própria banda — a que acompanhará a dupla Ruy Faria e Carlinhos Vergueiro.

Falar do trabalho não é o mesmo que assisti-lo, ainda que descrito cuidadosamente pelos próprios autores. Mas, apesar de não estar formalmente acabado, ao espetáculo dessa dupla não faltarão efeitos teatrais e o mais inteligente humor — com franqueza, não se consegue ficar muito tempo perto destes dois sem dar boas risadas.

“Temos falas, mas ainda não podemos dizer que é um show teatral. Acredito que com o tempo isso vai acontecer naturalmente, já que partilhamos do mesmo comportamento na hora de nos apresentarmos, que é o de não nos inibirmos no palco. Já podemos dizer que, pelo clima dos ensaios, estamos confiantes. Vai ser muito bom”, conclui Ruy.

Carlinhos concorda. Mesmo que não se reproduzam inteiramente as brincadeiras e a total descontração dos ensaios, os shows serão ótimos, porque o espetáculo se sustenta pela parte musical. “As letras, a música, tudo está muito bem. O repertório é maravilhoso, e, enfim, se assegura a boa música”, finaliza.

Só pra chatear
Príncipe Pretinho

Só pra chatear, Só pra chatear….
Eu mandei fazer um terno
com a gola amarela
mandei bordar na lapela
o nome que não era o dela.
Comprei um par de sapatos cravo
mas sei que ela só gosta de marrom
só pra chatear… só pra chatear…
cada pé de sapato tem um tom.
Comprei um bangalô pra chatear lá na favela
mas vou morar na Lapa perto dela,
só pra chatear.

Seja breve
Noel Rosa

Seja breve, seja breve
não sei porque você se atreve a prolongar sua conversa mole
seja breve, não amole
senão acabo perdendo o controle e vou cobrar o tempo que você me deve
outra vez
seja breve…
quando vejo que você vai longe eu comemoro a sua ausência com champanhe
Deus o acompanhe, vá com Deus.

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