A música sempre fez parte da vida dessa mineira de Itabirito, mas, por muitos anos, Mimita Malheiros teve que conter seu desejo de cantar por conta da proibição dos pais e marido. Já na dita “terceira idade”, viúva pela segunda vez, Mimita teve o ‘atrevimento’, como define, de se lançar nas noites de Belo Horizonte, apresentando-se profissionalmente e dando canjas. Sempre bem humorada, brincalhona, com mais de 80 anos de idade, se prepara para gravar seu terceiro disco.
— Meu nome é Maria do Carmo Malheiros Ribeiro, Mimita é um apelido que surgiu quando ainda era bem pequena. Os vizinhos me viam brincando e ficavam chamando ‘Carminha, Carmita’, e isso virou Mimita. Mamãe não gostava, mas não teve jeito porque colou (risos). E, Desde esse tempo, tinha o sonho de ser cantora — conta.
— Minha preferência era pelo romantismo, assim, Ângela Maria, que estava começando naquela época, Emilinha Borba, Elizinha Batista, entre outras, me inspiravam. Mas minha mãe não queria, apesar de apreciar minha voz. Até deixava que eu e meus irmãos estudássemos piano, mas virar cantores e ir para o Rio de Janeiro, isso de jeito nenhum.
Então ficava barrada — explica.
Mas Mimita não tinha vocação para o piano, e as aulas não foram para frente. Inquieta e apaixonada pelo canto, acabava participando do grupo de teatro da sua escola, cantando nas apresentações. Era a maneira que encontrava de realizar seu desejo de cantar.
— Já adulta, um dos meus irmãos tocava em uma orquestra lá da minha cidade, e me levava para cantar como crooner. Era a orquestra do União Sport Clube, regida pelo maestro Dungas. Vendo que as pessoas gostavam e cantavam junto, ficava ainda mais incentivada. Aos vinte anos, me casei e meu primeiro marido tocava gaita e gostava de me ver cantando entre amigos. Mas não tinha como me apresentar profissionalmente naquele momento, porque trabalhava durante o dia como secretária e tinha filhas pequenas. E acabou acontecendo uma fatalidade: sofremos um acidente aéreo, do qual consegui sobreviver, mas ele faleceu. Então vim para Belo Horizonte com as meninas buscar um trabalho melhor, para poder sustentá-las sozinha — continua.
— Na capital, costuma ter mais oportunidades artísticas, assim, passado um tempo, fui procurando pessoas que tinham ligações com músicos, mas acabei me casando novamente. Ele era um homem maravilhoso, mas não queria que eu cantasse, e novamente fiquei barrada (risos). Foram 26 anos assim, até que ele sofreu um infarto fulminante e veio a falecer. Depois de um período que fiquei muito deprimida e até doente, resolvi deixar tudo de lado e, com o apoio da família e amigos, finalmente realizar meu sonho de ser cantora — expõe.
Um conterrâneo seu, Thelmo Lins, que é cantor, compositor, poeta, ator, jornalista e produtor cultural, foi quem preparou a entrada de Mimita no mundo das apresentações e eventos.
— Ele me disse: “Mimita, nós vamos fazer um show seu”. E eu não tive como dizer não, porque ele não aceitou (risos). Fizemos o espetáculo, em um teatro em Belo Horizonte, em 1999, e fiquei surpresa, porque a casa estava superlotada. Depois disso, comecei a ter convites para cantar aqui e ali, em shows e nas noites. E assim fui seguindo, com coragem — fala com alegria.
Além da idade
— Agora já estou com mais de oitenta anos, apesar de não aparentar (risos), tendo começado mesmo só aos setenta, mas minha carreira é bem movimentada. Há poucos dias, apresentei meu show Mimita Malheiros — Enluarada no teatro do Conservatório de Música da UFMG, dentro do projeto Pizindin — Choro no Palco, repleto de gente de todas as idades, e me trataram maravilhosamente bem. Me acompanhou um grupo de choro com músicos maravilhosos — elogia.
— Esse espetáculo é em homenagem à Elisete Cardoso, só músicas que ela gravou. No repertório estão obras de Paulinho da Viola, Vinícius de Moraes, Baden Powell, Pixinguinha, Jacob do Bandolim e muitos outros. Gosto de vários gêneros musicais, antigos e de agora, porém tenho cantado mais sambas e canções. Canto um pouquinho também em francês, espanhol e italiano, dependendo do que me pedirem, mas minha preferência é pela nossa música brasileira — deixa claro.
Mimita estudou na escola de canto da Babaya, de Belo Horizonte, e lá participou do projeto Trampolim, realizado pela escola, um evento musical com caráter profissional, que tem como a objetivo possibilitar ao aluno dar os primeiros passos em sua carreira. O Trampolim realiza um show bem produzido em teatro.
Além do Projeto Pizindin, ela apresentou esse show no Teatro da Cidade e no Teatro da Maçonaria. Recentemente, cantou com o grupo de samba e choro Cachaça com Arnica, a música Pra machucar meu coração, do Ari Barroso, e, em 2004, participou da Vesperata de Diamantina, a convite do maestro. Mimita também gravou discos: Cá entre nós (2006) e Mimita Malheiros canta Boleros (2009).
— Esse último, só de boleros, gravei a pedidos de uma amiga que tem escola de dança. Agora estou preparando um novo disco, desta vez a pedidos da minha neta. Ela se chama Luíza e queria que eu gravasse Luíza do Tom Jobim para ela. Então, junto com essa música, coloquei outras que gosto. Vamos ver se consigo mais esse. Além disso, o show Enluarada, apresentado no projeto Pizindin, foi todo gravado e a ideia é fazer um DVD dele — conta Mimita, acrescentando que tem três filhas, uma neta e um bisneto.
Ela continua se apresentando em bares, churrascarias e restaurantes, ganhando o carinho do público por onde quer que passe.
— Sempre gostei e gosto muito de cantar nas noites, tanto que às vezes, depois de um show, vamos para um restaurante, dizem que tenho que dar uma canja, e não nego, mesmo muitas vezes exausta. Acho que eu nasci noturna mesmo (risos). É esquecer a idade e aproveitar o momento — Finaliza Mimita.