Tarará, etcétera e tal…

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Tarará, etcétera e tal…

Maior grupo teatral de Mossoró, no Rio Grande do Norte, o Pessoal do Tarará nasceu há nove anos com o objetivo de fazer teatro popular voltado para a experimentação, ousadia e reflexão. Além de mostrar a arte potiguar para o resto do país, a trupe tem como maior desafio levar teatro, tanto de rua como de sala, aos mais distantes locais, atingindo todo tipo de gente, e principalmente àqueles que não podem ir até uma grande casa de espetáculos. 

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— Nascemos como um grupo teatral de universidade, dentro da UERN (Universidade Estadual do Rio Grande do Norte), e lá vivemos por algum tempo, mas por encontrar muitas dificuldades para fazer a arte que queríamos, com liberdade e independência, resolvemos seguir sozinhos. Ganhamos um horário em uma rádio daqui, e começamos a dramatizar os textos que estudávamos, nos moldes das antigas radionovelas — conta Dionízio do Apodi, diretor e um dos atores.

— A melhor parte disso é que a cidade toda não falava outra coisa. No ano seguinte, quando montamos o nosso primeiro espetáculo, Mossoró inteiro já nos conhecia. Então demos prosseguimento nessa história bacana junto ao público, e hoje, modéstia à parte, nos sentimos sendo orgulho para a cidade — continua.

A escolha do nome Pessoal do Tarará, segundo Dionízio, foi por pura falta de opção, contudo se encaixou ao perfil do grupo.

— No início não nos preocupávamos em ter um nome, mas quando partimos para nos organizar juridicamente, nos deparamos com essa necessidade. E sempre no final de algum ensaio alguém perguntava: “e o nome do grupo, qual vai ser?”. Outro sempre respondia que era “tarará e tarará…”, porque aqui no Nordeste usamos esse termo como reticências. Terminou que ninguém trouxe nome algum e por isso ficou Tarará mesmo — expõe.

— Porém, certa vez uma jornalista que nos entrevistou disse que o significado do nosso nome no dicionário é ‘barulho, ou o som da trombeta’. E pode ser isso mesmo: O Pessoal do barulho. O que faz o nome é o trabalho que o grupo tem — deixa claro.

Dionízio diz que o grupo trabalha duro cerca de dez horas por dia para manter um repertório com vários espetáculos.

— Passamos mais tempo na estrada viajando do que em Mossoró, e nessas condições mais apresentamos do que ensaiamos. Mas temos uma rotina de treinamentos muito intensa para buscarmos a perfeição. Suamos bastante para podermos chegar bonitos ao público. Um amigo disse: “vocês comem o pão que o diabo amassou para servir caviar para o público”. Eu já digo que comemos sozinhos o pão que o diabo amassou para podermos comer caviar com o público — declara, acrescentando que o grupo já viajou por várias partes do país e ganhou muitos prêmios.

http://jornalzo.com.br/and/wp-content/uploads/https://anovademocracia.com.br/80/13c.jpg— Nosso primeiro espetáculo, Sanduíche de gente, 2003, partiu de temas regionais. A dramaturgia foi feita por um poeta e dramaturgo amigo nosso, falando da onda de programas assistenciais do governo. Fizemos esse espetáculo em cima de um pequeno palco mambembe, sobre rodas, puxado por uma bicicleta, transporte muito popular em Mossoró. Com este espetáculo chegamos nos quatro cantos da cidade. Não ficou uma favela, escola e praça sem nos receber, alcançando sorrisos e lágrimas de muita gente — conta.

— No segundo, O inspetor Geraldo, 2005, uma adaptação de O inspetor geral, de Gogol, mantivemos o mambembe, mas de forma diferente. Como tivemos muitos problemas com a estrutura do espetáculo anterior, porque era muito peso para ser puxado por uma bicicleta, resolvemos que cada ator teria sua própria bicicleta, com um bagageiro adaptado onde era posta uma mala, contendo seus objetos de cena. Nos locais das apresentações, as malas se transformavam no próprio palco, se modificavam durante o espetáculo — continua.

O espetáculo seguinte foi feito para o palco italiano, segundo Dionízio, por julgarem ser a hora de levar o grande público, que conquistaram nas ruas de Mossoró, para dentro do teatro oficial.

— Por conta disso o Teatro Municipal de Mossoró passou a ter gente de chinelo havaianas assistindo os seus espetáculos. Depois outras peças vieram, e cada trabalho teve e tem a sua importância.

Parceria com o povo

Há mais de três anos o grupo mantém uma sede na periferia da cidade, a Baixinha.

— Ficamos a cem metros da praça da comunidade, daí realizamos a maior parte de nossas ações na própria praça: aulas de canto, de percussão, capoeira, teatro, tudo acontece lá. A sede ficou como mais um lugar para guardarmos nosso material e ensaiar. E posso dizer que nos apresentamos livremente nas praças daqui de Mossoró graças ao povo. Isso porque em 2004 formos convidados a nos retirar de uma praça, pela prefeitura, que não queria que nenhum grupo de teatro se apresentasse lá. Então saímos — relata.

— Mas tínhamos um projeto de nos apresentar nessa praça toda sexta-feira, fim de tarde, e na próxima semana quando chegamos, a polícia havia sido chamada para nos retirar. Dessa vez não saímos. Subimos à praça, começamos o espetáculo, indo até o final. Porém, no dia seguinte estava nas capas de todos os jornais da cidade uma grande nota da prefeitura de Mossoró nos colocando como não entendedores do zelo do poder público pela praça, querendo por a população contra nós — continua.

— Para o poder isso é fácil, porque basta comprar as capas de todos os jornais da cidade e dizer o que não é, numa atitude que lembra muito os tempos do regime militar. Mas passamos a semana inteira convidando a população de Mossoró para a tomada da praça pela arte, na sexta-feira seguinte, no mesmo horário em que o grupo costumava se apresentar. O resultado é que o público aderiu, fizemos o espetáculo, e foi um dos momentos mais emocionantes da nossa trajetória. Depois desse fato nunca mais o poder público se meteu conosco — finaliza Dionízio.

O grupo conta atualmente com oito integrantes, e ainda se recupera da perda de uma de suas principais atrizes, Ludmila Albuquerque, que faleceu em fevereiro. No momento, o Tarará está remontando todo o seu repertório e preparando um novo espetáculo. 

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