Cena de Hygiene
Coletivo nascido a partir de pesquisas acadêmicas na USP, o Grupo XIX de Teatro cria espetáculos críticos que narram problemas sociais e políticos existentes há séculos, apresentando-os em meio a edifício antigos e galpões, aproveitando o entorno de sua sede na primeira vila operária do país. Abertos a interação com o público, o grupo coleta dados de pesquisas no momento das apresentações, quando descobre junto com o povo as mudanças que ocorreram ou não na sociedade.
— O Luiz Fernando Marques, nosso diretor, e três atrizes da primeira formação do grupo participaram de um curso no Centro de Artes Cênicas da USP, e ali surgiu o embrião do Hysteria, o primeiro espetáculo. Já encerrado, continuaram a pesquisa e montaram a peça, estreando em 2001 no Festival de Curitiba – conta o ator Ronaldo Serruya.
— Depois ficou por dois anos em cartaz aqui em São Paulo, mas até então não se entendia como grupo. Em 2003, o pessoal foi convidado para fazer o projeto ‘Formação de público’, onde se ficava um ano em cartaz com uma peça, sendo visto gratuitamente por alunos das escolas, durante a semana, e pelo público em geral aos sábados e domingos. Esse projeto deu condições financeiras para o grupo crescer – continua.
— Foi nesse período que o coletivo se entendeu e decidiu que queria continuar a pesquisa em um segundo trabalho, já se nomeando Grupo XIX de Teatro. A escolha do nome foi porque as pessoas já nos conheciam assim, pelo fato do Hysteria trabalhar com o século XIX. O povo falava: ‘é aquele pessoal do século XIX’, e acabou ficando – explica.
Atualmente o grupo conta com cinco atores e o diretor, além de artistas convidados quando se faz necessário.
— Desde a formação algumas pessoas saíram e outras entraram, mas a partir de 2004, quando eu e mais dois atores entramos, a formação se manteve.
Nosso segundo espetáculo, já com a formação atual, foi contemplado pela Lei do Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo, que é uma grande conquista dos artistas daqui – fala Ronaldo.
— Na mesma época conseguimos a nossa sede na Vila Maria Zélia, bairro do Belém, zona leste. A vila é feita de prédios públicos e moradias. Alguns galpões antigos estavam fechados, e conseguimos ocupar um dos galpões da Vila, que se encontrava abandonado e cheio de entulhos – continua.
A Vila Maria Zélia é a primeira vila operário do Brasil. Foi construída entre 1911 e 1916, e inaugurada em 1917 para abrigar operários da Cia Nacional de Tecidos de Juta. Segundo Ronaldo, atualmente é habitada pelos descendentes desses.
— Fazemos nosso trabalho, criações, dentro da vila, mas interagimos com o público em geral, e não só moradores daqui. Tanto para assistir espetáculo, quanto participar de oficinas e qualquer evento que realizamos. O processo de textos e adaptações é todo coletivo, e os espetáculos com bilheteria são a preços populares. Garantimos nossa sobrevivência através de prêmios e patrocínios que conseguimos – diz Ronaldo.
Pesquisas e interatividade com o público
— Temos 4 espetáculos: Hysteria, Hygiene e Arrufos, formando uma trilogia histórica que tem a pesquisa histórica, interatividade e o espaço não convencional, e Marcha Para Zenturo. Hysteria é uma pesquisa sobre a condição da mulher no século XIX, a partir de registro do Pedro II, Hospital Psiquiátrico do Rio de Janeiro, onde eram internadas como histéricas. Sabemos que isso acontecia mesmo sem ser histéricas, só por não combinarem com o padrão de comportamento feminino da época – expõe Ronaldo.
Cena de Hysteria
— Hygiene é sobre os cortiços. Fala da questão ‘bota abaixo’ e urbanização da cidade. Já Arrufos é uma pesquisa sobre as relações afetivas no Brasil do século XVIII, XIX e atualmente. A interatividade está presente nos três espetáculos. Falamos de passado, mas chamamos o público, que no caso representa o tempo presente. Assim, fazemos esses tempos dialogarem. Com isso, notamos o quanto as coisas mudaram ou não – conta.
— Em Marcha Para Zenturo, em parceria com a companhia mineira Espanca, resolvemos nos libertar do histórico: a peça se passa em uma virada de ano no futuro. Mas o permanece a ideia de fazer com que o público dialogue conosco – fala.
Paralelo à criação e apresentação dessas peças, o grupo tem o projeto Armazém XIX.
— É uma oficina que culmina em espetáculo. Dentro da nossa sede administramos núcleos de pesquisa de longa duração, de março a dezembro, onde artistas da cidade participam. Cada um de nós, atores da companhia, orienta um desses grupos de pesquisa, e cada núcleo tem um tema próprio. Isso geralmente culmina com um espetáculos ou performance, apresentado em dezembro – relata Ronaldo.
— A Vila inteira participa disso, o espaço fica dedicado a essa mostra de coletivos, e eles são abertos ao público de forma gratuita. Esse projeto já tem seis anos de existência e estamos querendo ampliá-lo, torná-lo uma espécie de escola livre de teatro. Inclusive alguns coletivos já se formaram a partir dele, e estão atuando pela cidade com suas próprias peças – finaliza.
Para contatar o grupo: (011) 2081-4647