Teatro para os trabalhadores

Teatro para os trabalhadores

Inventor do seu próprio espaço de atuação, um teatro móvel que já circulou por toda a periferia de São Paulo, o Engenho Teatral apresenta, desde 1979, espetáculos críticos, politizados, épicos, que dialogam com o público. Acampado atualmente na zona leste da cidade, conta a história do Brasil, por um ponto de vista diferente do ensinado nas escolas. São os Outros 500 da história, tendo como personagem principal o trabalhador.

— Surgimos com o nome de Apoena, em uma época em que havia um certo sentimento, que se consolidava, de trabalho em grupo. Um momento histórico em que acontecia uma luta por liberdades democráticas contra a ditadura. E nesses 30 anos de trabalho, ‘muita água rolou embaixo dessa ponte’ — explica Luiz Carlos Moreira.

— Começamos com o Mãos sujas de terra , baseado em um conto do Josué Guimarães, que por por sinal é uma história verídica, tratando da questão da expulsão do homem do campo. Depois, entre outras, em 1982, fizemos A ferro e fogo , falando do que acontecia naquele momento no Brasil: o movimento operário, as greves do ABC, o surgimento do PT e da CUT — conta.

— Das experiências mais recentes, a mais radical, e mais avançada, foi Em pedaços , uma coletânea das cenas que desenvolvemos em um trabalho que fazemos chamado ‘teatro de bolso’ — diz orgulhoso.

E foram muitos espetáculos até chegar em Outros 500 , espetáculo atual, que já começa dizendo que o Brasil não foi descoberto em 1500. Foi invadido.

— Outros 500 trata dos 500 anos de vida da história do Brasil, mas, não a história oficial e nem aquela factual que aprendemos na escola. Queríamos ver como o trabalhador, o escravo, o assalariado, o desempregado, com as suas diferenças a cada momento e a cada local histórico, carregou no lombo a história desse país — declara Moreira.

— O trabalhador não é o sujeito dessa história. Na verdade, ele sofre essa história, que não é a do trabalhador, e sim a do capital. O trabalhador é um lado dessa moeda, e apenas reage a isso, enquanto que o capital dá as cartas — acrescenta.

O Engenho não queria colocar senhores no palco, e sim o trabalhador. E depois de muitos processos teatrais, o grupo foi construindo uma estética onde o personagem e a fábula desapareceram.

— Para fazer esse espetáculo tivemos que nos despir de uma série de recursos cênicos e dramatúrgicos que fazem parte da nossa formação e da nossa tradição. Graças a essa liberdade, dessa experiência, é que pudemos nos voltar para realizá-lo. Foram dois anos de pesquisa, que resultou em um espetáculo de duas horas, com muita música e que ‘chuta o pau da barraca’ — fala com prazer.

Desde 1993 o grupo trabalha com o Engenho Teatral, que consiste em um teatro móvel, com 200 lugares, e todas as instalações de um teatro tradicional.

— Temos salas de espera, banheiro, camarim, oficina, e até cozinha, porque passamos o dia inteiro trabalhando lá dentro, levamos marmita, colocamos na geladeira. É como um teatro comum, a diferença é que ele é móvel: podemos desmontar e levar para outro lugar — explica.

— Construímos o Engenho Teatral para termos condições técnicas de respeito ao nosso trabalho e ao público da periferia, que não frequenta teatro. Com essa idéia, ‘Pegamos o boné’ e sumimos do circuito tradicional de teatro, nos auto-exilamos. Neste momento sequer mandamos nosso material para roteiro de jornal em São Paulo. Fomos em busca da periferia, do trabalhador, que não tem acesso a essa arte — diz Moreira, que faz sua divulgação no próprio local onde está fixado.

Combatendo o capital

— Nossa ida para a periferia, com espetáculos sempre gratuitos para um público que não tem acesso a produção teatral, não é no sentido filantrópico. Vamos é para um combate, e a partir de uma convivência e uma troca, elaborar continuamente uma resposta estética para as questões que essa vivência nos apresenta — fala Moreira.

— Buscamos um vínculo com o que existe de organização popular. É óbvio que ficamos reféns do momento histórico que vivemos, e ‘assistimos de carteirinha’, ao desmanche e ao desmonte do que havia de resquício de organização popular construído a partir da luta contra a ditadura. Costumo dizer que liderança popular ou virou cabo eleitoral ou é gerente de ONG — acrescenta.

— É com essa realidade que nos defrontamos e confrontamos. E é com esse público também que nos confrontamos, porque existem formas, estéticas, visão de mundo, valores, que são os valores hegemônicos do capital, e isso está disseminado na cabeça do trabalhador. E nos contrapomos a isso, também nos contrapomos àquilo que em tese a pessoa quer, que é a indústria cultural e o seu lixo — define.

Segundo Moreira, o grupo não procura uma poética que defina o que seria um teatro popular, e sim estar sempre em um processo contínuo de combate com o valor dominante, através do imaginário e do campo estético.

— Nosso papel é disputar no campo simbólico, da produção de sentimento, da sensação de ser e estar no mundo, produzindo símbolos de referências, de valores que se contraponham aos símbolos e valores do capital — fala.

Moreira diz que todas as discussões e decisões do Engenho são coletivas, contando o grupo com 8 componentes fixos.

— Temos também mais dois companheiros que participam de um projeto que fazemos, o Cenas de Rua’. É um professor de percussão e uma professora de corpo e dança. A maneira como trabalhamos nada tem a ver com a forma mercantil. É uma vida dura, sendo comum pessoas que realizam trabalhos no nosso estilo, ter outras atividades para sobreviver. Nós no Engenho trabalhamos 5 dias por semana, à tarde e à noite — diz orgulhoso.

Depois de circular por toda periferia da cidade, há 5 anos o Engenho Teatral está acampado dentro do centro esportivo Clube Escola Tatuapé, junto a estação Carrão do metrô, próximo da Avenida Radial Leste.

— A idéia inicial era passar e ir embora logo, mas vimos que isso era impossível, por causa da estrutura gigantesca que temos. São 14 arcos de ferro, presos por um anel central também de ferro, que pesam em torno de 15 toneladas. Por cima desta estrutura tem uma cobertura de lona, uma por fora e outra por dentro. Cada vez que mudamos, precisamos de 10 caminhões, 2 carretas e um mês de trabalho pesado para montar — relata.

— Por isso, começamos a trabalhar 1 ou 2 anos em cada local. Porém, no momento estamos planejando nos fixar onde estamos, porque já rodamos bastante. Além disso, agora já existem outros grupos pela periferia, que também realizam um trabalho sério. Inclusive, estamos fazendo parcerias com alguns, como: a Brava Companhia — avisa Moreira entusiasmado.

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