Teatro que chega de ônibus

Teatro que chega de ônibus

O Grupo teatral paulistano As graças é formado por quatro mulheres corajosas e empenhadas em levar arte a lugares mais distantes e pobres de São Paulo, incluindo aldeias indígenas. A bordo de um ônibus com aparência pra lá de teatral, encenam, tocam e cantam diante de uma platéia de interessados em conhecer teatro. Circulando também por outras capitais brasileiras, a trupe faz o que chama de ‘verdadeiro teatro sobre rodas’.

O grupo nasceu na Escola de Arte Dramática de São Paulo, em 1995, com o espetáculo As três irmãs , de Adélia Prado. O texto fez parte de um estágio de formatura e a partir desse trabalho, Juliana Gontijo, Daniela Schitini e Eliana Bolanho, logo depois também Vera Abbud, prosseguiram trabalhando ininterruptamente, com onze espetáculos já encenados.

— O nome As graças surgiu no nosso primeiro trabalho, que fala muito de um estado de graça do ator; da arte; da poesia. E também por causa de uma procura constante que tem o ator por um estado de graça — explica Juliana Gontijo.

— Trabalhamos com poesia, literatura brasileira e a música. Todas cantamos e tocamos nos espetáculos: acordeon, viola, tambores e pandeiro. Encenamos autores nacionais: Clarice Lispector, Manoel Bandeira e José Paulo Paes, e alguns estrangeiros. E para cada espetáculo convidamos um diretor, atores e atrizes. E todos participam da criação do texto ou adaptação, quando já existe — diz.

Para As Graças, todo teatro bem feito serve de crítica social.

— Acredito que a questão social de um trabalho artístico se insere principalmente em sua qualidade. Se tem importância artística, também tem política e social, porque é transformador de uma realidade injusta que vivemos. Dependendo, é claro, do que estamos falando, isso fica mais forte ou não — defende.

Disposta a levar essa transformação para o povo, As Graças, conseguiram comprar e adaptar um ônibus para que servisse de teatro itinerante.

— Chamamos esse projeto de Circular teatro . Ele acontece em um ônibus, 1960, bem teatral inclusive (risos), que era de um conhecido nosso, e estava parado há mais de três anos em um sítio. Conseguimos comprar, reformar e adaptar ao nosso gosto, transformando-o em teatro sobre rodas. Nele temos todos os aparatos que se precisa para montar um espetáculo, incluindo: som, microfones, luz.

— É montado um palco em cima e na frente do ônibus, e ali nos apresentamos. Dessa forma percorremos as cinco regiões de São Paulo, incluindo o centro, e chegamos em lugares onde as pessoas nunca tinham ouvido falar em teatro, por exemplo, na aldeia indígena do Jaguaré, e em outra aldeia na Ilha de Bororé. Para chegar na ilha, atravessamos nosso ônibus em uma balsa — conta emocionada.

Onde conseguem estacionar seu ônibus e encontrar um espaço mínimo para montar um palco, As Graças apresentam seus espetáculos.

— Precisamos dos trâmites legais, inclusive liberação de sub-prefeituras, etc, mas o que primeiro nos interessa é ir até a comunidade saber se há interesse em nos receber e se existe uma lugar para estacionarmos. Já nos apresentamos em praças, parques, ruas, favelas, e até presídio feminino. É realmente um teatro sobre rodascomenta com alegria.

Além da cidade de São Paulo, o ônibus já passou por Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, sempre com espetáculos gratuitos.

Circo sem lona

Juliana diz que em muito o trabalho das Graças lembra o circo, que chega em uma cidade do interior despertando a curiosidade do povo, trazendo diversão e cultura.

— Basta estacionarmos e começarmos a montagem desse espaço, que logo vão aproximando pessoas querendo saber o que acontecerá ali, e só isso já é um evento em si, por atrair as pessoas. Também a própria divulgação está em si mesmo, na sua estruturafala.

— Nessa condição começamos o espetáculo, e no final recebemos o público para uma conversa, aproveitando para matar a curiosidade dos muitos que querem saber como é feito um espetáculo, sua estrutura. E como em um circo, acontece essa aproximação entre artistas e povo, desfazendo um o mito de que teatro é ‘aquela coisa distante’ que só vai quem tem dinheiroconstata.

Na verdade é o teatro indo até a casa das pessoas, procurando o povo onde ele está, tornando-se de fato popular, e vamos rodando por aí afora acrescenta.

O grupo começou com o Circular teatro, apresentando as peças tradicionais de seu repertório, adaptados do palco tradicional para o novo espaço. Mas já há algum tempo passou a criar espetáculos para o ônibus.

Temos, por exemplo, Nas rodas do coração , inspirado em sambas do Adoniran Barbosa. Através deles, Regina Galdino escreveu um texto para nós. É um musical que se utiliza da linguagem do circo teatro, onde somos ‘as mulheres do Adoniran’ e cantamos várias de suas músicas — fala .

Nossa última peça: Como saber? , com direção do Leris Colombaioni, um palhaço italiano que sempre trabalhou em pequenos circos, também é feita para o ônibus. Leris veio para o Brasil trabalhar conosco, criando um espetáculo apropriado para o ambiente acrescenta.

Juliana diz que normalmente os espetáculos tem interação com o público.

O palco tradicional italiano divide claramente o espaço da cena e o da platéia, iluminando somente o primeiro. Assim o ator fica meio ‘protegido’ de possíveis interações. Mas a rua é bem democrática nesse sentido: a iluminação é igual para todos e as pessoas estão muito próximas, vendo o ator de igual para igual. Sendo assim, muitas vezes se sentem no direito de atuar também explica.

As pessoas demonstram suas emoções, dão opiniões, e não dá para o ator fingir que não está vendo ou ouvindo, acontecendo essa interação naturalmente. Mas também fazemos espetáculos com interação programada. Em Tem francesa no morro , uma revista musical, procuramos saber junto à comunidade, se ali tem alguém que canta, dança, declame uma poesia, etc, e convidamos o tal a participar de um quadro do espetáculo acrescenta.

Além de servir de palco para espetáculos, o ônibus também nos serve de sede sobre rodas, mas não desistimos do sonho de conseguir sede fixa para melhor realizarmos nosso trabalho conclui Juliana Gontijo, acrescentando que As Graças também mantém o seu trabalho de teatro convencional.

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