Terceirização: mais chumbo

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Terceirização: mais chumbo

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A Câmara dos Deputados terminou de aprovar, em 22 de abril, o Projeto de Lei 4.330 de 2004, que libera a terceirização e a quarteirização de qualquer trabalho. Para isso virar lei, falta ainda a aprovação do Senado e a sanção pela senhora Rousseff.

Apresentado onze anos atrás pelo deputado goiano Sandro Mabel, dono da fábrica de biscoitos que leva seu sobrenome, o PL 4.330 foi desengavetado no começo de 2015 para que o restante da bancada patronal pudesse piorar o que já era ruim. A versão agora aprovada nega ao trabalhador terceirizado o enquadramento sindical dos contratados diretamente pela empresa e a possibilidade de cobrar dela o que ganhar na Justiça do Trabalho sem antes perder anos tentando executar a subcontratante. Esses eram os únicos benefícios contidos no projeto original.

O problema maior não está, porém, no texto da lei, mas em suas consequências. Um terceirizado é, teoricamente, um empregado com os mesmos direitos de qualquer outro, previstos na CLT. Na prática, as coisas não funcionam bem assim: levantamentos diversos feitos por entidades sindicais, centros de pesquisas, universidades e órgãos estatais atestam que a rotatividade no emprego, a incidência de acidentes e doenças e a desobediência às garantias legais dos trabalhadores inclusive sob formas extremas, como o trabalho escravo são muito maiores entre os terceirizados que entre os contratados diretamente.

A razão principal disso é que a terceirização desarticula os trabalhadores, já que realidades laborais distintas tendem a gerar reivindicações distintas e objetivos idem. Um local de trabalho em que alguns empregados têm a carteira assinada pela própria empresa e outros por terceiras é um ambiente dividido, e superar essa divisão sempre é difícil sobretudo considerando que, no Brasil, nem os contratados diretamente, nem, muito menos, os terceirizados costumam permanecer no emprego por tempo suficiente para isso.

Na lei, os direitos de terceirizados ou contratados diretos são iguais ou quase. Na prática, fazê­los valer se torna, para ambos, tão mais difícil quanto mais se facilita a terceirização. Mesmo a redação original do PL 4.330, que estendia aos terceirizados algumas garantias, era irremediavelmente maléfica por suprimir a barreira (nem sempre clara) que existe hoje, centrada na distinção entre atividade-fim e atividade-meio. Ao eliminar essa restrição, o projeto aprovado na Câmara abre as portas para que a terceirização substitua a admissão direta como forma predominante de contratação de trabalhadores no Brasil.

Estratégia patronal

A imprensa mercantil monopolista e os biombos do PT na internet têm coincidido em atribuir a súbita ressurreição do PL 4.330 a um confronto entre o PMDB, capitaneado pelo picareta Eduardo Cunha, e o governo. Essa explicação toma o acessório por principal, omitindo os motivos mais fortes e determinantes do que fizeram os deputados.

Ressentimentos e traições acumulados ao longo de 12 anos fazem com que a paz e a concórdia se tornem mais difíceis na base parlamentar do governo Dilma do que no desfeito lar da família Richtofen. Mas atribuir a essa contradição interna status de enfrentamento épico e a qualquer de seus polos superioridade ideológica ou moral sobre o outro é simplesmente uma impostura. PT e PMDB pressionam-­se e chantageiam-­se mutuamente por disputarem as posições mais vantajosas num mesmo campo, e não por estarem em campos opostos.

A precarização do trabalho não é uma peça aleatória de um jogo de baixa política parlamentar: é a resposta de um patronato majoritariamente reacionário diante de uma crise econômica brutal.

Incapazes de enfrentar o imperialismo e o latifúndio, os empresários congregados em organismos como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) submetem­se a eles e buscam compensar o prejuízo tirando dos trabalhadores o pouco que lhes resta, que é a comida e o emprego.

O compromisso com os interesses da tríade imperialismo/latifúndio/burguesia burocrática é maior que as divergências entre facções parlamentares e unifica não só PT e PMDB como também a oposição parlamentar de direita, PSDB à frente. O PL 4.330 é um programa de classe, não de partido, e se Cunha aproveitou a ocasião para criar algum embaraço à senhora Roussef e aos ineptos Aloizio Mercadante e Miguel Rosseto, esse é apenas um dado secundário.

O faz de conta do PT e da CUT

Se havia mesmo essa intenção, o presidente da Câmara não é tão esperto quanto ele mesmo e o PT gostam de propagar. Ao desenterrar o PL 4.330, Cunha desviou o foco dos cortes de direitos previdenciários promovidos no fim de 2014 pela senhora Roussef e sua equipe, ainda mais violentos do que o projeto terceirizador aprovado na câmara. Ao PT, que começava a ser merecidamente visto por um número crescente de trabalhadores como seu algoz, e à CUT, espremida entre a cruz e espada, Cunha deu uma oportunidade talvez a última de fingir que defendem os trabalhadores (o PCdoB teve entre seus parlamentares quem votasse a favor da terceirização generalizada e nem finge mais).

Se alguém ainda acredita na sinceridade da declarada oposição petista e cutista ao PL 4.330, convém lembrar que, em 2012, o governo da senhora Rousseff promoveu a aprovação da Lei 12.690, que libera a terceirização por meio de cooperativas de fornecimento de mão­de-obra, cujos trabalhadores não têm os direitos da CLT nem em teoria (ver AND 102). Qualquer mal que advenha da provável conversão em lei do que a Câmara aprovou agora será enormemente agravado por esse passo prévio.

O jogo duplo dos juízes

A principal referência jurídica sobre terceirização no Brasil é, hoje, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que a proíbe para atividades­-fim e libera para atividades­-meio, mencionando, especificamente, limpeza e segurança.

Quanto à última, há uma lei (a 7.102, de 1983) de terceirização feita para evitar que os vigilantes, que frequentemente têm jornada de 12 horas, fossem enquadrados como bancários, cujo limite é de 6. Quanto à limpeza, não há lei impondo nem autorizando a exceção aberta pelo TST.

Trata-­se, assim, de uma interpretação discriminatória contra os trabalhadores dessa área, que tira deles a única possibilidade de obter uma condição decente de trabalho. Como o enquadramento sindical do empregado se dá pela atividade principal do empregador, a faxineira do escritório de uma indústria metal­mecânica seria regida pelos acordos entre seus patrões e o sindicato dos metalúrgicos; a de um banco teria prerrogativas de bancária. Com a Súmula 331 do TST, é quase impossível encontrar um faxineiro que não seja terceirizado — o que implica privação de conquistas sindicais e perda do emprego a cada término de contrato entre o tomador dos serviços e a empresa intermediadora.

Desde 2011, o Sindicato dos Trabalhadores em Condomínios de Brasília vinha obtendo dos patrões o compromisso de contratar faxineiros e vigilantes diretamente, em vez de terceirizá­-los; afinal, em condomínios residenciais, essas são atividades-­fim, e a Súmula 331 permite a terceirização dessas atividades, mas, ao menos em tese, não a obriga.

Em 17 de abril deste ano, cinco dias antes que a Câmara concluísse a aprovação do PL 4.330, o TST, mudando posição que adotara em 2012 ao julgar caso idêntico oriundo de Campinas (SP) envolvendo as mesmas categorias, invalidou esse acordo, dando ganho de causa ao sindicato de empresas terceirizadoras do Distrito Federal e liberando uma terceirização de que os próprios patrões (condomínios residenciais) haviam aceito abrir mão.

Em 2013, 19 dos 27 ministros do TST enviaram ao congresso uma dura carta contra o PL 4.330 e a terceirização. Este mês, vários deles votaram contra os faxineiros e vigilantes dos condomínios de Brasília para liberá­-la.

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