O laureado cineasta argentino Fernando ‘Pino’ Solanas lança seu mais recente trabalho, o documentário Terra sublevada, ouro impuro: uma resenha dos acontecimentos ligados à mineração nos últimos vinte anos no seu país.
Cronologicamente começa com o então gerente semicolonial da Argentina, Carlos Menem, propagandeando a aprovação das novas leis para a mineração (as exigidas na cartilha do Banco Mundial e adotadas em mais de 70 países) e conclamando a vinda das corporações para a exploração. A seguir, a chegada das mineradoras com suas promessas de emprego farto, desenvolvimento, "responsabilidade social", "respeito à ética, ao meio ambiente"…
Logo no começo das atividades fica evidente a amarga realidade: os poucos empregos criados pelas mineradoras nas cidades próximas são para pessoal da limpeza e outras tarefas mal remuneradas; o método da exploração tem um enorme poder destrutivo e usa grandes quantidades de arsênico, cianureto e mercúrio para a separação dos metais, elementos extremamente venenosos que poluem a terra, os rios e se infiltram nas águas subterrâneas. Os milhões de toneladas de material sulfuroso rejeitado se convertem rapidamente, pela ação do clima, em ácido sulfúrico que ao evaporar volta como chuva ácida.
As populações próximas às minas, tradicionalmente camponesas, começam a ver seus animais adoecerem e morrerem, é impossível continuar com a agricultura, tudo vai sendo envenenado. Muitos, resignados, abandonam as terras que sustentaram suas famílias por gerações. A imprensa e os políticos pregam: "elas são o progresso, o futuro para a região, logo os benefícios alcançarão a todos". Seguranças privados e polícia se ocupam de controlar os descontentes.
As populações que não conseguem se organizar agonizam. As que lutam e resistem colhem vitórias. Esta é a razão do documentário. Uma aula de cidadania, sobretudo para aqueles que consideram como seu exercício prioritário o ato de comparecer às urnas em dia de eleição.
Solanas, depois de entrevistar em Buenos Aires o secretário de minas da Argentina e ouvir a sua defesa das centenas de empreendimentos, parte para o noroeste do país. Visita as províncias de Catamarca, San Juan, La Rioja, Tucumán e Salta, onde se encontram a maioria dos grandes projetos. Chega até a empresa Minera Alumbrera: aeroporto particular, cercas de arame farpado, apropriação de estradas vicinais, viaturas de segurança que repelem qualquer aproximação. Tem-se a clara noção de que se trata de uma ocupação estrangeira, não uma base militar, mas uma base de saqueio. E tudo isso encravado em uma região empobrecida. Escolas fechadas, povoados fantasmas. Todos os dias 88 milhões de metros cúbicos de água são sugados pela mineradora. Onde outrora florescia a agricultura apenas sobram uns poucos dependentes da esmola dos políticos.
Qual é o lucro que essa mineração deixa para o país hospedeiro? Segundo o Secretario de minas, 3% do valor extraído. Mas como funciona isso? o mineral é embarcado em navios e ao chegar ao seu porto de destino a empresa faz uma declaração dos tipos de metais e suas quantidades. Nenhuma autoridade argentina fiscaliza. Sobre os 3% do valor declarado são descontados todos os insumos. Inúmeros incentivos, isenções, reintegração de impostos ajudam as mineradoras. Ao final é o país quem acaba pagando.
O poder do dinheiro
O lucro da mineradora chega a ser três vezes superior ao orçamento da província em que está instalada. Quantias que possibilitam bancar campanhas publicitárias, compra de reportagens com jornalistas de renome e até adquirir todos os meios de comunicação de uma região.
Compram sentenças judiciais e campanhas políticas.
Contribuem com milhões para as universidades públicas. Mas não é filantropia. É um dinheiro corruptor. Acontece que é das universidades que saem os laudos de impacto ambiental.
Lições de resistência
Muitos dados e historias narrados neste documentário são desconhecidos pela maioria dos argentinos devido ao bloqueio que os meios de comunicação têm montado em torno do tema. As mobilizações massivas de habitantes atingidos, bloqueios seletivos de estradas, pressões sobre os tribunais, exposição de fotos com os efeitos tóxicos dos rejeitos, a tradição de luta do povo argentino, etc.
Estreado no fim de 2009 não limitou as suas exibições aos cinemas. Os realizadores o tem levado, gratuitamente, às praças públicas das pequenas cidades, com um forte efeito multiplicador de conscientização. Ainda este ano, Pino Solanas promete lançar uma segunda parte: Terra sublevada ouro negro com a mesma ótica, mas focada no tema do petróleo.
Pascua-Lama, o saqueio a 4 mil metros de altura
Em 1997 Carlos Menem e seu homólogo chileno Eduardo Frei assinaram o Tratado de Integração e Complementação Mineira pelo qual, pode-se dizer, os dois países deixaram de ser vizinhos, porque os mais de 5 mil km que tinham de fronteira, por uma faixa de 100 km de largura, passaram a ser uma região autônoma, sob o domínio das mineradoras. A afortunada empresa premiada é a canadense Barrick Gold Corporation na qual Bush pai é sócio e tem uma extensa ficha criminal. É acusada de corromper governos, promover conflitos armados na África com ajuda de mercenários e agentes da CIA, ademais de tráfico de armas e drogas. Agora, na Cordilheira dos Andes, está implementando o maior projeto de exploração de ouro do mundo, o Pascua-Lama. As reservas calculadas são de 18 milhões de onças de ouro além de enormes quantidades de prata e cobre.
Os sucessores de Menem e Frei têm moldado as legislações em ambos os países, sacrificando a soberania, para garantir a Barrick o lucro máximo e a impunidade. Neste sentido, a servil mandatária argentina Cristina Kirchner removeu recentemente o último obstáculo que poderia inviabilizar os planos da Barrick: liberou a destruição das geleiras andinas ao vetar uma lei que as protegia. Mais uma vez os incentivos fiscais, reembolsos, isenções (até os combustíveis que precisarem lhes serão fornecidos livres de impostos) e inúmeras facilidades tornam difícil calcular se deixarão algum lucro ou se o Chile e a Argentina acabarão pagando para serem saqueados.
Sublevação cidadã em Andalgalá
Em Andalgalá, interior de Catamarca, projetam a implantação de um projeto três vezes maior do que a Alumbrera. Desde dezembro o povo vem resistindo à entrada das máquinas que vem a estudar o subsolo a procura de ouro. Se for do interesse das mineradoras a população será despejada.
Na noite de 15 de fevereiro ultimo as forças do governo semearam terror. Desligaram a luz da cidade e a continuação, polícias provinciais e federais atacaram a população com balas de borracha, pauladas e bombas de gás. Tudo para abrir caminho às máquinas da mineradora. O povo desarmado resistiu valentemente até o amanhecer. Dezenas ficaram feridos. Mais de trinta presos. A população incendiou o prédio da prefeitura, atacou o fórum e escritórios da empresa minera. Mas valeu a luta: as máquinas não passaram e o juiz que tinha autorizado a operação suspendeu o empreendimento.
O prefeito disse que os que resistiram (cerca de cinco mil cidadãos) eram "delinquentes drogados e alcoolizados".