O Brasil sempre teve como marca negativa a desigualdade social. Contudo, nos últimos meses a demonstração de insatisfação popular vem aumentando e não há um dia que não haja algum tipo de revolta ou protesto das massas. Com a aproximação de grandes eventos no Brasil, percebemos o governo preocupado com o assunto, mas não em resolver o problema em sua origem e sim em aumentar a repressão, com a nova legislação sobre o terrorismo. Este debate está sendo efetuado de forma simplória e tendenciosa. Um pouco de erudição sobre o tema pode ajudar na compreensão do que está realmente acontecendo.
No livro “Piratas e Imperadores”, o linguista Noam Chomsky faz um relato interessante sobre a definição do conceito de terrorismo. Um pirata, ao ser capturado por Alexandre, o Grande, é perguntado sobre como ousa molestar o mar. O mesmo o responde questionando como Alexandre, o Grande, ousa desafiar o mundo inteiro, pois ao fazer isso com um navio o pirata é chamado de ladrão, mas ao fazer com uma marinha enorme, Alexandre é chamado de Imperador.
A legitimidade é a diferença entre o Pirata e o Imperador. O pirata é um excluído, que ao agir contra os regimes vigentes é denominado como tal. Percebe-se que a capacidade de atribuir a classificação ao próximo de pirata ou não é um fortíssimo instrumento de poder.
Há dois modos de abordar o conceito: um primeiro seria o lexicológico, ou seja, no sentido literal do termo, buscando uma definição, séria e imparcial, do que constitui o terrorismo. Busca fatos que moldam sua essência. O segundo seria o propagandista, que define o terrorismo como uma arma a ser explorada em benefício de algum sistema de poder. Nesta segunda forma, o terrorismo é responsabilidade de um inimigo apontado oficialmente. Assim, as ações de violência seriam qualificadas como terroristas apenas quando atribuídas ao inimigo, seja de forma plausível ou não.
De acordo com Chomsky, o sentido lexicológico seria, ‘‘o uso de ameaça ou o emprego de violência com o propósito de intimidar ou coagir (geralmente, por motivos políticos, religiosos ou correlatos), quer o terrorismo seja do imperador, quer seja dos ladrões”. Esta definição incluiria os Estados e principalmente os EUA no rol dos principais grupos terroristas do mundo. Contudo, como se percebe, a definição amplamente adotada por governos e por seus agentes é a propagandista. O mais assustador é o fato que os meios de comunicação e dos estudiosos do terrorismo das potências democráticas ocidentais, também utilizem sempre o sentido propagandista do termo.
Sob a argumentação de que os conceitos são manipulados pelos Estados e pelos grandes meios de comunicação, qual é o uso do conceito de terrorismo no qual queremos acreditar no Brasil? No que é sempre divulgado pelas grandes redes de imprensa, controladas por menos de dez famílias, que insistem em chamar os legítimos levantes populares contra as políticas estatais falidas de vandalismo ou terrorismo? Ou no sentido lexicológico, que pode perceber que o verdadeiro terror é do Estado, que não propicia educação de qualidade e que permite a morte de inúmeros cidadãos nos hospitais públicos sucateados.
*Formado em História e Relações Internacionais Contato: [email protected]