Símbolos da verdadeira música sertaneja, cantando por todo o país e para várias gerações em mais de cinquenta anos de carreira, Tonico e Tinoco mantiveram-se fiéis a autêntica música caipira, nunca fazendo concessões ou se ‘modernizando’ para ganhar mais dinheiro. Com vozes fortes que mexem no sentimento do povo, a dupla representa a essência do homem do campo, em canções que retratam o seu cotidiano, lendas, causos, o trabalho duro, os bailes da roça e amores, tudo com um arrastado sotaque caipira.
A carreira musical dos irmãos João Salvador Perez, o Tonico, e José Perez, o Tinoco, nascidos no meio rural no interior de São Paulo, iniciou-se na década de quarenta na Rádio Difusora Paulista, sendo seu primeiro disco gravado em 1944, com Em vez de agradecer, um cateretê de Capitão Furtado, Jayme Martins e Aymoré.
— Somos filhos de um espanhol que veio na imigração e de uma mãe índia, o que deu uma raça boa para cantar. Dois meninos que nasceram no meio do mato virgem, em uma aldeia de índio, e foram criados sem ‘folhinha’, não sabendo o que era segunda ou terça-feira, mas gostavam de cantar, viraram violeiros por esse mundo afora, sem fazer nenhum projeto, tudo muito natural — fala Tinoco.
Com o falecimento de Tonico em 1994, Tinoco deu prosseguimento ao seu trabalho, fazendo dupla com o amigo Zé Paulo, e depois com o filho Tinoquinho, gravando discos com ambos. Mas desde 2001 segue cantando sozinho, tornando-se o ‘Tinoco do Brasil’.
— O amor do povo é o mesmo, posso dizer que até aumentou, e que as crianças e os jovens aderiram as nossas músicas pelas mensagens que têm. Eles só faltam me carregar nos braços, e choram, e dizem que escutavam as músicas no colo do pai, da mãe, dos avós. O nosso público é de um a cem anos de idade (risos), é todo tipo de gente, e beijam, abraçam, tiram fotos e compram os discos — declara com alegria.
Os irmãos começaram a cantar ainda na década de trinta, em casa, na roça, onde quer que estivessem.
— Começamos a fazer modinhas no meio do mato, falando de jacaré, onça, macaco, enfim, fazíamos versinhos para todos os bichos que víamos. Depois mudamos para uma fazenda de café, e passamos a frequentar uma escolinha rural, aprendendo a ler e escrever e já dando aulas de noite na colônia. E passamos a cantar mais ainda, nos juntando com mais amigos — lembra Tonico.
— Juntávamos viola, violão, cavaquinho, sanfona e já fazíamos apresentações, cantando todo sábado e domingo, e não sabíamos nem o que era cobrar, queríamos só cantar, era o nosso prazer —continua.
— Tivemos uma criação bem rigorosa, de ‘bença pai’, ‘bença mãe’ até eles morrerem, depois ‘pulamos’ aqui para São Paulo, na década de quarenta. Em quarenta e dois apareceu um festival na rádio Difusora e nós ganhamos. Mas não tínhamos nem rádio para escutar o resultado, sendo um vizinho que gritou: ‘vocês ganharam, vocês ganharam’, o prêmio era três meses de experiência na rádio —diz.
Na época os irmãos ainda eram conhecidos como João e José Perez.
— No primeiro programa na rádio, o Capitão Furtado, que era sobrinho do Cornélio Pires, e um dos primeiros a descobrir duplas, falou: ‘Por que você não chama Tonico?’ Apontando com o dedo meio no nariz, ‘e você Tinoco?’ Eu falei: já estamos chamando, gostei do nome, então daí pra cá foi Tonico e Tinoco — conta.
— E já começamos a trabalhar, mas não tínhamos bagagem para ficar em uma rádio, porque éramos muito matutos, não sabíamos nem o que vinha a ser compositor. Fazíamos nossas modas de qualquer maneira, do que víamos aqui em São Paulo, as avenidas, os prédios, as pessoas, tudo a nossa volta. E fomos indo — continua.
E esses dois cantadores foram lutando pela sobrevivência na cidade grande, sem nunca perder o seu jeitão caipira.
— Conhecemos o trem e começamos a viajar nele de um lado para o outro, e eu tive a idéia de cantar nas estações, porque o programa era só aos domingos e precisávamos de dinheiro — explica.
— Nas segundas-feiras pegávamos o trem e onde ele parava, eu chegava pras pessoas e dizia: ‘Vocês conhecem Tonico e Tinoco’? Eles diziam: ‘Não. Já ouvi, gosto muito, mas não conheço’, Eu dizia: ‘É nós mesmo’. ‘Ele é Tonico, eu sou o Tinoco, vamos cantar umas quatro/cinco modas pra vocês’ então tinha aquela festa na estação, e eu corria o meu chapéu para pegar dinheiro para sobreviver —continua.
Ganhando fama sem perder a simplicidade
E quando chegou a hora de gravarem discos, pela sua ingenuidade, deram trabalho para a importante gravadora Continental, da época.
— A primeira gravação foi o Capitão Furtado quem preparou e deu tudo certo, mas quando fomos gravar a segunda, não avisaram para nós que tínhamos que nos afastar um pouco do microfone ou segurar a voz quando déssemos um agudo, então nós cantamos que nem lá na roça e estourou o microfone — lembra bem humorado.
— Foi um desastre, fomos expulsos da gravadora, com palavrão, saímos empurrados, bateram a porta e falaram: ‘Não põe mais os pés aqui, vocês pararam a gravadora Continental’. Então tivemos que estudar, no Teatro Municipal, como é que se gravava, e só retornamos para gravar depois de uns cinco meses — diz.
— A partir daí gravamos mais de 1.500 modas, e não paramos mais. Foram décadas de Tonico e Tinoco, que o Brasil inteiro ama, e com essa comunicação que existe hoje, o mundo inteiro também. Tanto que recebo muitos telefonemas de vários países — declara.
Tonico e Tinoco passaram a viajar fazendo três/quatro shows todos os dias, e a se envolverem também com o circo-teatro, mostrando seus números musicais e peças sertanejas. A dupla, que também participou de filmes, foi bem sucedida na história da arte brasileira autêntica no rádio, televisão, teatro e circo, sempre conquistando a simpatia e os aplausos do povo de toda parte.
— Eu queria conhecer o Rio de Janeiro, mas tinham me dito que os cariocas não gostavam de caipira. Então tinha uma festa junina no Rio, e nós mesmos nos contratamos e gostamos deles e eles de nós. Nunca tinham visto uma viola, e disseram: ‘Vocês vão bater o arame aonde?’ falei ‘na festa de são João de vocês’ — fala Tinoco.
— Começamos a trabalhar nas casas do Rio, e estivemos no Maracanãzinho participando de um festival, que não ganhamos porque era carta marcada, mas foi um sucesso, sendo aplaudidos de pé — diz.
Fazendo carreira solo, Tinoco já gravou dois cds e um DVD, de forma independente, vendendo após as suas apresentações, e o seu projeto aos 88 anos de idade é continuar trabalhando muito.
— Sempre estivemos trabalhando por amor, sem a ambição de só ganhar e ganhar, porque consideramos que a vida não é só isso. Porém Tonico e Tinoco foi uma das duplas que mais ganhou dinheiro na arte no Brasil, por causa do amor do povo. E o que nós fizemos foi viver com o que dava e usar o resto para ajudar quem precisava — declara Tinoco.
Em 2008 a família passou por uma situação difícil, emocional e financeira, com um câncer de pâncreas de sua esposa, companheira de mais de cinquenta anos.
— O tratamento é caríssimo e o plano de saúde não cobre, coisa lamentável em nosso país. Então, depois de correr hospitais e farmácia em busca de ajuda, pois cada aplicação do remédio custa cinco mil reais, resolvemos colocar um carro que temos em uma rifa. Depois disso, conseguimos a medicação, mas já tínhamos mais de duzentos números vendidos, e o sorteio acontecerá em maio —avisa José Carlos, filho e empresário de Tinoco.
— Trabalhar muito nós trabalhamos, mas quando nos encontramos diante de uma situação dessas, não tem dinheiro que dá, ‘acaba com o bolso de qualquer brasileiro’, e temos que apelar para algum jeito — continua.
Sempre otimista e recuperado da preocupação com o tratamento da esposa, que está bem, esse matuto que enfrentou uma dura pobreza na infância, e a ausência de seu companheiro Tonico, nunca deixa de falar no final de seus shows para a sua grande platéia: ‘Que beleza!’.