Enquanto mais de 2 mil camponeses nativos do Norte de Minas estão acampados e são perseguidos pelo IEF, polícia militar, polícia florestal e justiça…
Enquanto mais de mil irrigantes são sabotados no Mocambinho…
Enquanto em quase toda a região de Januária, Itacarambi, Matias Cardoso e Jaíba foi decretada APA1 ou Parque Estadual o governo do estado planeja entregar área irrigada de 2 mil hectares para a Coteminas (Companhia de Tecidos Norte de Minas) e 2 mil hectares para a Sada (Sada Forjas Ltda.), no Projeto Jaíba. Conta com a cumplicidade da Assembléia Legislativa.
A reportagem publicada no jornal "Estado de Minas", do dia 15/11/03, não deixa dúvidas quanto às intenções do governo. Governo, empresários, IEF, todos vão entrar no dinheiro do JBIC (Japan Bank International Corporation), enquanto para os verdadeiros donos da terra, os camponeses nativos, descendentes de negros e índios, perseguidos pela polícia sob o falso argumento de destruir a natureza, está reservada a miséria, para aceitar a baixíssima remuneração da mão de obra que justificaria estas empresas se instalarem na região.
Se tomarmos os atuais critérios de distribuição de lotes no Projeto Jaíba, que não são justos, onde cada pequeno camponês recebe lote de 5 hectares, nestes 4 mil hectares poderiam ser assentadas 800 famílias camponesas. Ao invés de atender aos reclames dos pequenos camponeses irrigantes, investir recursos em infra-estrutura, como relógios noturnos e equipamentos de irrigação mais convenientes à região, baratear os altíssimos custos de produção no Projeto, garantir a comercialização da produção, baratear o crédito, construir escolas e postos de saúde, o Estado mais uma vez pune as vítimas e recompensa os algozes.
A responsabilidade pelo fracasso do Projeto Jaíba deve ser imputada a quem durante todos esses anos esteve no poder: o próprio Estado através da Ruralminas e Codevasf2. Quem transformou o Norte de Minas em deserto não foram os pequenos camponeses, foram os grandes projetos da Sudene. Tudo que está sendo urdido agora, como modernidade, já foi feito pelos militares e, fracassou rotundamente.
No Projeto Jaíba o controle dos recursos sempre foi absoluto por uma máfia que controlava tudo e todos. Os equipamentos de irrigação foram comprados de empresas japonesas, sua manutenção é cara. Os Bancos do Nordeste e do Brasil fomentaram a monocultura da banana, que arruinou os pequenos camponeses. A assistência técnica estava a cargo de uma empresa, a Plena (Plena Consultoria de Engenharia Agrícola Ltda.) , controlada pelo Administrador do Distrito, indicado pela Codevasf.
Além de utilizar os camponeses para receber recursos dos bancos estrangeiros (até certo tempo atrás, os administradores recebiam recursos por famílias assentadas), os mafiosos ainda descontavam porcentagem do financiamento que estes tinham direito, tudo em conluio com os bancos, que boicotavam todos os projetos independentes.
Quem indicava os fornecedores de muda, muitas vezes estragadas e doentes, eram os gerentes do distrito que recebiam altos salários, bem como indicavam os fornecedores de venenos e adubos. Quanto ao escoamento da produção, os camponeses, sem transporte, sempre ficaram a mercê dos atravessadores – sendo o principal o próprio distrito, comprando barato dos camponeses, após classificar a produção como "de segunda", e vendendo caro no Ceasa (Centrais de Abastecimento).
Achacados por todos os lados, os irrigantes do Projeto tinham despesa mensal entre R$ 400,00 e R$ 500,00 só com pagamento de água e luz. Sem contar as distâncias que eram obrigados a percorrer para ir ao médico, à escola, vender ou fazer compras. Filhos de irrigantes que trabalhavam de dia e estudavam de noite, muitas vezes saíam de casa por volta de 4 horas da tarde e retornavam à 1 hora da madrugada do dia seguinte, após o único ônibus passar em várias linhas.
Tudo isso sem contar a destruição ambiental para construir e implantar o Projeto.
Essa é a verdadeira violência no campo: os ricos, via Estado, tomando as terras dos pobres.
Se todo o dinheiro gasto no Projeto Jaíba fosse utilizado para melhorar as condições de vida na região, potencializar a cultura de sequeiro, certamente o povo veria a cor do dinheiro e viveria melhor, como aconteceu no último ano, quando, fazendo carvão na sobra do banquete dos latifundiários e governo, os camponeses movimentaram uma economia em torno de R$ 2,4 milhões.
Mas, o que tem prevalecido é a famosa e secular "Indústria da Seca", cujo cemitério de empresas e desemprego em Montes Claros, após a farra da isenção de impostos, é um exemplo gritante. Bem como as "Empresas Rurais", abandonadas no norte de Minas.
O dinheiro e os investimentos que ostenta o governador hoje, mais uma vez serão o deserto de amanhã!
Que os deputados, se tiverem decência e algum poder, não o permitam. Que o governo federal, se quiser fazer reforma agrária em Minas, enfrente o problema. Que o Ministério Público e a Vara Agrária apurem todas essas irregularidades.
A responsabilidade é de todos.
1 APA: Área de Proteção Ambiental.
2 Codevasf: Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – autarquia criada em 1974, vinculada ao extinto Ministério do Interior, e atualmente gerenciada pelo Ministério da Integração Nacional. Atua nos estados de Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Sergipe, Maranhão, Piauí e parte do Distrito Federal.