Ação da polícia no Jacarezinho, Zona Norte, revela que a política de extermínio do governo Sérgio Cabral continua em vigor.
Arte: Latuff
Ao final de cada dia do ano passado, a polícia do Rio de Janeiro matou 3 pessoas. Isso segundo os dados oficiais, divulgados pelo Instituto de Segurança Pública, órgão vinculado ao governo estadual e que só contabiliza os números das delegacias informatizadas. No total, foram 1.260 pessoas mortas por policiais em serviço. Se considerarmos que nem todas as delegacias possuem o sistema integrado e que nem todas as mortes causadas pela polícia entram nessa conta, estaremos diante de um quadro ainda mais devastador.
Como consequência dessa polícia baseada na idéia do confronto, incentivada publicamente pelo governador Sérgio Cabral, o resultado é a morte de um número cada vez maior de policiais e a exposição da população a riscos que poderiam ser evitados.
Um dos exemplos recentes dessa faceta violenta da política de segurança fluminense — glorificada pelo filme Tropa de Elite — foi a invasão policial na Favela do Jacarezinho na quinta-feira, dia 10 de janeiro. Localizado na Zona Norte, cabe ressaltar que se trata de um dos espaços populares mais miseráveis da cidade, onde fileiras de crianças e adolescentes passam os dias cheirando, fumando e injetando todo o lixo que o tráfico internacional produz — já que as drogas de maior qualidade são destinadas a artistas e outros bem nascidos.
Na invasão do dia 10, sete pessoas foram mortas segundo a polícia. Uma delas era Wesley Damião da Silva Saturnino Barreto, uma criança de apenas 3 anos de idade. A ação policial começou por volta das 8h, com mais de 60 policiais do Bope, do 3° e do 22° Batalhão de Polícia Militar, e foi dirigida pessoalmente pelo comandante Marcos Alexandre Santos de Almeida (3° BPM). As razões para a operação apresentadas pela polícia à imprensa variaram muito: no início era "combate ao tráfico", depois "busca de veículos roubados" e "cumprimento de mandados judiciais". No dia seguinte, sexta-feira 11 de janeiro, quando a notícia da morte do pequeno Wesley já estava nos jornais, foi finalmente apresentada a versão de que a operação destinava-se a retirar barreiras montadas pelo tráfico em diversas ruas do Jacarezinho.
De acordo com a Rede Contra a Violência, que esteve no Jacarezinho e ouviu relatos dos moradores, a polícia torturou e executou pessoas:
— A verdade é que os policiais, durante todo o dia, desfizeram barreiras, revistaram pessoas e apreenderam motos (muitas foram depois requisitadas de volta por seus donos legais, moradores da comunidade), mas também arrombaram casas (muitos policiais estavam com grandes alicates e molhos de chaves para abrir portas), ameaçaram e ofenderam as pessoas, feriram muitas (a maioria não quis denunciar por medo), espancaram outras, e executaram jovens, segundo moradores com requintes de tortura. Segundo uma testemunha, um dos executados ainda de dia, chamado Zacarias, foi obrigado pelos policiais a beber duas garrafas de cloro (material de limpeza) antes de ser executado, próximo à Rua Dom Jaime. Ninguém negou que quatro dos jovens mortos fossem envolvidos com o tráfico local, mas todos disseram que em nenhum caso os que morreram estavam trocando tiros. Uma das vítimas, Flávio Augusto de Oliveira Serrano, 16 anos, não era traficante, foi retirado de dentro de sua casa e executado. Os traficantes atiraram sim contra os policiais, mas principalmente à noite, depois da emboscada que resultou na morte de dois rapazes e do pequeno Wesley. Foi nessa resposta dos traficantes que o soldado Sá do Bope foi ferido (foi o único policial ferido em toda a dita operação, que durou um dia inteiro).
No dia 18 de agosto do ano passado, o AND esteve no Jacarezinho para ouvir relatos de moradores a respeito do assassinato de Lincoln da Silva Rezende, de 18 anos. Além dele foram mortos Fábio Souza Lima (19) e Elisângela Ramos da Silva (28). Na ocasião, registramos em nossa 37ª edição o seguinte relato a respeito do depoimento da mãe de Lincoln, Maria Luiza da Silva Rezende:
"O depoimento da mãe de Lincoln, morto em 15 de agosto no Jacarezinho, teve de ser interrompido quatro vezes. De vez em quando ela começava a chorar. Aquela mulher, pelo menos naquele dia, carregava toda a dor do mundo. Seu olhar oscilava entre a ausência absoluta de expressão e o brutal arrepio de quem perdeu o filho que tanto amava. "Ele estava em casa, comigo. Eu ia sair de manhã, às 11h30. Ele falou 'pode ir, mãe'. Eu falei pra ele ficar em casa e perguntei se precisava fazer almoço, ele respondeu 'não, mãe, não precisa fazer almoço agora não. Quando a senhora voltar, a senhora faz a comida. Qualquer coisa eu vou na padaria e compro pão'. Eu disse 'tá bom, meu filho'. Aí ele me abraçou, me beijou, abençoei ele e saí para trabalhar. Quando eu cheguei, às duas horas, ali na Mário Rangel, aí vieram minhas duas sobrinhas correndo. Aí coloquei a mão nelas e falei 'o que foi, filha'. Elas: 'benção, tia'. O que foi, aconteceu alguma coisa. E elas com os olhos cheios de lágrimas. 'Tia, mataram o nosso Lincoln, tia. Lá em frente à padaria'", disse Maria Luiza da Silva Rezende, soluçando e chorando muito."
Detalhe importante: ao digitar o nome completo da mãe de Lincoln entre aspas nos buscadores da internet, a única referência encontrada aponta para a reportagem do AND, o que evidencia o descaso do monopólio da imprensa com o sofrimento do povo.
A Rede Contra a Violência responsabiliza o alto comando da Polícia Militar pelos crimes de tortura e execução sumária cometidos no Jacarezinho:
— A ação policial no Jacarezinho na quinta-feira 10/01 tem indícios mais que suficientes de execução sumária, violação de domicílio, tortura e desprezo por pessoas não envolvidas na linha de tiro. A responsabilidade pelas violações e crimes cometidos cabe não só aos policiais envolvidos diretamente nos incidentes, mas também aos oficiais que comandaram a ação, inclusive o comandante do 3º BPM.