Os rodoviários da Região Metropolitana de Belo Horizonte começam a acumular vitórias na luta contra as sete famílias que — sob a proteção dos governos e do monopólio dos meios de comunicação — controlam o transporte coletivo e cometem toda sorte de abusos.
As dificuldades são incalculáveis, mas apoiados pela Liga Operária e unidos em torno do combativo Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Belo Horizonte e Região (STTRBH) eles conseguiram fechar a convenção coletiva de trabalho (CCT), incluindo plano de saúde e 6% de aumento. Agora, intensificaram a elevação da conscientização política e persistem em busca do piso de cinco salários mínimos, tanto para motoristas quanto para os cobradores, além de combaterem a implantação do cartão eletrônico com o qual os patrões querem eliminar cobradores, fiscais e pessoal administrativo da sua folha de pagamento.
Todo início de ano os rodoviários são obrigados a travar uma batalha nas ruas e na Justiça contra os abusos dos patrões e em defesa da ampliação dos seus direitos: seguro de vida, jornada de trabalho, intervalos, e outros, através da CCT, para assegurar acordo firmado com os sindicatos patronais (Setrabh e Sintram).
O STTRBH representa os rodoviários que trabalham no comércio, no coletivo urbano, na conservação e asseio (transporte de lixo), no transporte intermunicipal, de valores, escolar, de carga e interestadual. Cada grupo promove assembléias para discutir as propostas patronais e traçar os caminhos que a luta irá tomar.
— Essas assembléias são fundamentais para elevar o nível de conscientização política da categoria e alavancar a luta por melhores condições de vida e trabalho — observa um trabalhador da empresa Gontijo, ao lado do presidente do STTRBH, Geraldo Mascarenhas, que completa:
— Há pouca participação dos rodoviários nas assembléias porque eles temem a repressão dentro da empresa e o desemprego, e isto constitui um dos pontos fracos da gloriosa Jornada de Lutas. A principal reivindicação para 2005 é a redução da desumana jornada de 8 horas de trabalho de motoristas e cobradores para 6, coisa que o Sindicato busca há pelo menos quatro anos. Além desta meta, há a luta contra o desemprego, o aumento do intervalo de repouso/alimentação, mais proteção à saúde dos rodoviários, fim da compensação das horas-extras e do micro-ônibus sem cobrador, implantação de acertadores em todas as garagens e mais segurança para os usuários.
O respaldo dos patrões
Geraldo Mascarenhas ressalta que essa luta não é fácil. Em Belo Horizonte, são 7 famílias a controlar todo o transporte público de passageiros, prestando serviço de péssima qualidade com veículos depredados que sempre circulam lotados e que de serviço público não tem nada, porque o preço das passagens é fixado bem acima daquilo que o povo pode pagar.
— O órgão responsável pela administração dessas empresas — explica o presidente do Sindicato — é a BH Trans, que se articula com o DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e o DENIT (Departamento de Infra-estrutura de Transportes), esses dois últimos responsáveis pelas empresas que possuem ônibus rodando fora do perímetro urbano. Subordinados à Prefeitura petista de Fernando Pimentel e à gerência reacionária de Aécio Neves (PSDB) no plano estadual, esses órgãos são totalmente submissos aos empresários do transporte. Exemplo disso é a lei 9.018, assinada no dia 7 de janeiro, que estipula o pagamento, com dinheiro público, de R$ 290 milhões para a Câmara de Compensação Tarifária, uma espécie de fundo das empresas de transportes de BH.
Lembrando que isso ocorreu depois de serem concedidos aumentos de 13 a 20% nas passagens dos transportes coletivos, Mascarenhas ressalta que os empresários sempre, com respaldo oficial, portanto, alegam estar operando no vermelho:
— São todos latifundiários, donos de haras e empresas de transporte em todo o país — observa. — Este é o caso de Neném Constantino, empresário do transporte em Minas Gerais e dono da Gol Transportes Aéreos, uma das empresas que mais lucra no ramo. Na verdade, os donos de empresas de transporte nunca investem em melhores condições de trabalho para os rodoviários e o bom transporte para a população. Tudo o que acontece é a transferência de recursos, leia-se lucro, aos mais diversos setores e regiões do país, até mesmo na criação de sindicatos pelegos, descompromissados com a luta do trabalhador.
Limpeza completa
Mascarenhas observa que, em Belo Horizonte, financiaram o MR-2, um grupo constituído por rodoviários expulsos do STTRBH por tentativa de venda dos direitos dos trabalhadores: — Esse grupo tentou de várias maneiras jogar os trabalhadores contra o Sindicato, mas foi extinto depois de descoberta a farsa. O conluio entre Prefeitura e empresas é tamanho que o prefeito Fernando Pimentel, no final do ano passado, chegou ao disparate de anunciar pelo jornal O Estado de Minas a adoção de subsídios para o setor do transporte coletivo. A Prefeitura já reduziu o ISS (Imposto Sobre Serviços) para eles de 5% para 2%, beneficiando o milionário monopólio do transporte. Em contraste, é draconiana na cobrança do ISS às pequenas empresas e autônomos. Organizados em torno do Sindicato, os trabalhadores lutam para conquistar seu espaço político. Geraldo Mascarenhas ressalta:
— Diante da conjuntura político-econômica enfrentada pelo Brasil, o sindicato tem grande importância para os trabalhadores rodoviários, principalmente porque o governo só faz política para os ricos, grandes empresários, banqueiros, e o Fundo Monetário Internacional FMI. Isto se reflete no dia a dia do trabalhador, que encontra no Sindicato um meio de se contrapor à política do governo.
O presidente do STTRBH ressalta que o contato com os trabalhadores é feito principalmente através dos delegados sindicais. Eles se encarregam de informar a todos o que é discutido entre a diretoria do Sindicato e nas assembléias da classe.
— O papel do delegado sindical — observa — é a conversa com trabalhador, cara a cara, para a elevação da consciência política do rodoviário. Isto tem acontecido consideravelmente, mas ainda não é o ideal. Usamos também o “Volante Rodoviário”, o boletim do Sindicato. Ele trata não só dos problemas específicos de cada empresa e traz convocações para as assembléias, mas sempre levanta assuntos importantes como as reformas do governo, os cortes de direitos impostos na saúde, as chamadas para participar de atos como o dia Internacional de Luta dos Trabalhadores – o 1º de Maio – etc. Esse veículo é uma das armas mais importantes do Sindicato na mobilização, organização e conscientização do rodoviário.
Informações não faltam
O sindicato dos rodoviários também conta com um programa na Rádio Favela, emissora popular e democrática, de caráter comunitário, instalada no aglomerado da Serra, em Belo Horizonte. A voz da Classe Operária entra no ar todos os sábados, entre as 8h e 10h da manhã, na freqüência FM 106.7, trazendo informação à toda a cidade.
Mascarenhas ressalta que, com estes instrumentos, o sindicato conseguiu mobilizar centenas de rodoviários em dezenas de empresas para participarem das greves, ou paralisações: — Os trabalhadores rodoviários espalham pela cidade informações sobre a luta por um transporte melhor. Paralisando vias de grande fluxo como as Avenidas Cristiano Machado e Avenida Amazonas e terminais de passageiros, os chamados BHBus, como a Estação Barreiro e Estação Diamante, os rodoviários fazem o famoso “linguição”, como são popularmente chamadas as longas filas de ônibus parados em protesto contra os abusos patronais e na luta por melhores condições.
Geraldo Mascarenhas explica que as empresas são convocadas para negociações na Delegacia ou no Tribunal Regional do Trabalho (DRT e TRT), mas o juiz e os representantes do Sindicato são desconsiderados:
— Os patrões nunca comparecem às reuniões. Mandam advogados para representá-los e levantarem propostas esdrúxulas como 0% de reajuste e aumento da jornada, ou oferecem reajuste somente para os motoristas e nada para os cobradores, numa clara intenção de jogar os trabalhadores uns contra os outros. Como sempre acontece em nosso país, tudo vai a favor dos exploradores buscando desviar e o foco das discussões.
O presidente do STT RBH observa que, em atitudes claramente favoráveis aos patrões, há juízes capazes de determinar, por exemplo, que no mínimo 50% da frota dos ônibus deve rodar para atender à população durante as paralisações, uma clara tentativa de impedir a luta e retirar o direito de greve.
— Os patrões, como era de se esperar, são tão influentes na Justiça — protesta —, que chegaram a entrar no TRT com o dissídio coletivo, processo judicial onde o juiz decide o que vai ser imposto aos patrões e empregados, às 19h25 da quarta-feira da Semana Santa, quando estava em recesso todo o poder judiciário. Já no dia seguinte, o Sindicato foi intimado para comparecer às 14h no mesmo tribunal, onde o juiz Sebastião Geraldo de Oliveira determinou a suspensão do movimento de greve até as 9h da manhã de terça-feira, 29 de abril, onde aconteceria outra reunião de conciliação. Foi quando o juiz Sebastião Geraldo propôs (!) aos rodoviários 0% de reajuste salarial; aumento do intervalo de repouso e ou alimentação para até 40 minutos; aumento da jornada de trabalho com a implantação do banco de horas; fim do passe livre para os trabalhadores afastados por mais de seis meses do serviço; fim do seguro de vida para os dependentes; redução do valor do abono de retorno de férias e fim da concessão do vale alimentação nas férias. Não bastasse a tentativa de impedir as greves, ainda apresentam uma proposta que retira direitos do rodoviário e impõe aumento na jornada de trabalho, jornada desumana onde cerca de 20% dos trabalhadores afastados pelo INSS sofrem problemas de coluna e stress agudo, causados todos pelas péssimas condições de trabalho e pelo trânsito caótico da cidade grande.
Até milícia intima
Mascarenhas ressalta que a polícia e o monopólio dos meios de comunicação também agem contra a luta dos rodoviários:
— A polícia monta verdadeiras operações de guerra nas garagens para obrigar os rodoviários a rodar. Faz comboios com viaturas e motocicletas e ainda escolta os patrões que tentam obrigar os trabalhadores a furar o movimento de greve com ameaças de demissão. Existe até mesmo um coronel, ex-comandante do policiamento da capital, que agora, empregado do patronal Sindicato das Empresas de Transporte de BH (Setrabh), recebe altíssimo salário para articular a repressão. Está na reserva, mas continua dando ordens à tropa e comandando os P2 (policiais infiltrados no movimento). Além disso, ele comanda uma milícia formada por mais de vinte elementos que circulam ostensivamente armados e têm à disposição, patrocinada pelos patrões, uma frota de carros. O líder sindical recorda que, em uma paralisação na Viação São Geraldo, no dia 22 de março deste ano, um P2 sob ordens do coronel apontou uma pistola calibre 380 para a cabeça de um diretor do sindicato para forçá-lo a suspender a greve na empresa pertencente ao vice-presidente do Setrabh. O Sindicato já fez várias denúncias, inclusive ao Ministério Público, mas até hoje nenhuma providência foi adotada contra a milícia patronal.
— O monopólio dos meios de comunicação só noticia as paralisações sob a ótica das empresas — diz Mascarenhas. — Informa apenas a quantidade de ônibus paralisados e de pessoas que ficaram sem transporte. Só publica opiniões contra os rodoviários, embora a população apóie a luta dos empregados. Quanto a nós, distribuímos sempre cartas à população, expondo os motivos da greve e o jogo do governo para lesar os trabalhadores.
O presidente do STTRBH exemplifica com o Cartão BHBus. A BH Trans, em acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, promove campanha de propaganda para uso obrigatório dos passageiros de um cartão eletrônico, desenvolvido pela Transfácil — um consórcio formado pelas empresas de transporte com a primazia de operar o sistema de bilhetagem e comercializar os créditos eletrônicos: — Acabará o vale transporte de papel, que já encarece e limita o direito do uso do transporte público. Com a bilhetagem eletrônica, a vantagem para o monopólio do transporte coletivo será ainda maior, principalmente porque os validadores permitirão a eliminação, em futuro próximo, de cobradores, despachantes e o pessoal administrativo. Serão milhares de pais e mães de família desempregados para aumentar ainda mais os lucros das 50 empresas que monopolizam o transporte coletivo de Belo Horizonte.