A TV e os jornais estão feito loucos! Carteiros, atendentes e operadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos entraram em greve no dia 1º de julho para exigir o cumprimento de um acordo assinado no fim do ano passado com a administração Luiz Inácio. O bombardeio da reação não tardou, e veio de todos os lados.
O jornalista Elio Gaspari é para os jornalões a menina dos olhos entre o leque de colunistas brasileiros. Sua escrita inconfundível, irreverente, esconde mesmo é um belo de um reacionário. Em artigo publicado no Globo e na Folha de S. Paulo em 2 de julho, ele usa o termo "sequestro" para descrever o que acontece com alguns serviços à população durante uma greve no setor público.
Uma pérola que parece mera gracinha de colunista metido a esperto. Mas na verdade o empregado reflete, com a esperada competência, o que desejam os patrões com todo o ardor: que os trabalhadores em greve sejam considerados criminosos como sequestradores quaisquer.
No mesmíssimo dia em que saiu o artigo de Elio Gaspari, a Folha de S. Paulo, dizia no editorial Estatização da greve:
"O Dieese, reputada instituição de estudos e estatísticas sindicais, fez um balanço das greves de 2007 que muito contribui para evidenciar as distorções desse recurso extremo na era Lula. Das 316 paralisações registradas, 161 (51%) ocorreram no setor público".
Ora, na ânsia para mostrar os dentes aos servidores públicos, o jornal paulista passa batido, por exemplo, pelo fato de que em 2007 a média de trabalhadores parados no setor privado superou a média dos grevistas no setor público pela primeira vez desde 2004. O que mostra não um abrandamento da luta dos servidores contra o sucateamento das suas condições de trabalho e dos serviços públicos prestados à população, mas sim a maior disposição dos trabalhadores brasileiros em geral para enfrentar o patronato opressor.
Criminalizar todos
Empenhada em incitar a criminalização das greves, a Folha nem pensa em mencionar as manobras desenvolvidas para chantagear e reprimir movimentos grevistas como se fossem empreendidos por marginais. Aplica-se desde força policial a punições diversas: desconto dos dias parados, multas e demissões. A Folha, como os outros jornalões, quer mais, muito mais do que estes esforços, já levados a cabo pelos patrões e pelo Estado.
No dia da reunião do comando de greve dos Correios com emissários do governo para discutir as reivindicações, a apresentadora do programa "Bom Dia Brasil", da Rede Globo, leu a sentença da emissora: "Mais uma greve do funcionalismo público que atrapalha a vida do cidadão comum. Enquanto o acordo não vem, mais uma dor de cabeça para quem paga as contas". O acordo não saiu naquela ocasião, porque o ministro das Comunicações, Hélio Costa, insistiu em fazer os trabalhadores de patetas. Mas a Globo não arrefeceu em sua cruzada contra eles.
É uma farsa. O monopólio dos meios de comunicação finge-se de fiel defensor de uma população que diz ser vítima do que chama de "irresponsabilidade" dos servidores públicos. Isto como se estas mesmas empresas não fossem as maiores defensoras do fim dos serviços essenciais, gratuitos e de qualidade prestados à população, pregando diariamente a privatização, a demissão dos funcionários e a interrupção da contratação de pessoal.
Portanto, nada mais conveniente do que apresentar como bandidos justamente aqueles que se mobilizam para a população continuar com direito aos serviços que o capital quer abocanhar.
Eles querem que a greve, um dia, seja considerada pelo Código Penal como um ato criminoso. Colocando na rua o bloco da criminalização dos trabalhadores em greve, transformando os funcionários públicos em criminosos em potencial ou de fato, o monopólio dos meios de comunicação cumpre à risca o seu papel de alardear dois dos preceitos mais caros à ordem burguesa atual: o corte dos investimentos do Estado nas políticas sociais e a punição dos que são inconvenientes a este e a outros mandamentos do poder econômico.
O trânsito, sempre o trânsito…
A receita para a criminalização daqueles que se mobilizam para protestar contra o que lhes prejudica e exigir melhores condições de trabalho já se entranhou nas rotinas da "imprensa grande".
É algo fácil de observar, dada a frequência com que são desqualificadas na tela da TV e nas páginas dos jornais as passeatas e manifestações das classes populares — salvo quando são passeatas e manifestações por repressão policial mais rigorosa e enrijecimento da lei para penalizar ainda mais os que se viram como podem, seja para tocar a vida, seja para vencer dificuldades e botar a boca no trombone.
Assim, quando os trabalhadores levam às ruas sua luta, o primeiro movimento dos meios de comunicação reacionários é promover a cobertura sem conhecer as pautas de reivindicação, repercutir as dificuldades enfrentadas pelos diversos setores profissionais ou mesmo verificar com alguma boa vontade se o que estão exigindo é interessante tanto para determinada categoria quanto para o bem comum.
Ao contrário. A regra das coberturas é o ataque frontal. Abundam motoristas parados no trânsito engarrafado, reclamando ao microfone que eles, a classe média, nada têm com isso, mas sempre pagam o pato.
Foi desta forma que a Rede Globo apresentou a mobilização dos caminhoneiros, em 30 de junho contra a nova lei que restringe o tráfego de caminhões durante o dia na cidade de São Paulo.
Estes profissionais estão impedidos de circular em determinados horários em uma área de 100 quilômetros quadrados que inclui o centro da capital paulista, porque a presença de veículos de grande porte com carga e descarga tumultua a circulação de outros veículos em horários críticos, incluindo os transportes públicos.
Carga e descarga no horário de maior movimento é problema de toda grande cidade, mas naquela segunda-feira os caminhoneiros fecharam pistas das marginais Pinheiros e Tietê chamando a atenção para o fato de estarem sendo penalizados por algo cujos motivos não se esgotam na presença dos seus "famigerados" caminhões nas avenidas paulistanas.
Naquele dia 30 de junho, a paralisação do trânsito nas duas principais vias expressas paulistanas deveria demonstrar que o trânsito caótico deve-se a décadas de descaso dos governantes para com um transporte público de qualidade, abrangente e rápido.
No lugar de investimentos públicos, o que se faz é o repasse de concessões à rapinagem do empresariado especializado em lucrar mais, enquanto o povo se locomove como sardinha em lata, em velocidade de tartaruga.
A culpa é de quem trabalha
Diante disto, os caminhoneiros se mobilizaram para exigir que os governantes coniventes com este sistema de transportes públicos — ou com a falta dele — encontrem outra forma de rem ediar o caos criado por obra e graça de sua subserviência aos interesses empresariais; uma forma que não seja a penalização simplória de uma categoria que já soma um milhão de trabalhadores, comprometendo o sustento de suas famílias.
Mas populares em luta por seus interesses não têm vez na tela da Globo. Depois de diversas reportagens desancando o protesto, com direito a dezenas de entrevistas-relâmpago com motoristas de cabeça quente presos no trânsito congestionado, a emissora resolveu pintar a categoria inteira como uma verdadeira ameaça ao bem estar do "cidadão comum" (consideram cidadãos comuns aqueles que não lutam por seus direitos).
Foi assim que o Jornal Nacional do dia 2 de julho exibiu com destaque o que chamou de "comércio descontrolado", entre os próprios caminhoneiros, do "rebite", um estimulante usado por caminhoneiros para se manterem acordados ao volante. Há quem creia que o carro-chefe da Globo abordou com seriedade um assunto de interesse público, de suma importância para a saúde dos caminhoneiros, cuja carga horária não é regulamentada.
Mas a pretensa boa vontade não resiste ao fato de ter-se levado ao ar esta reportagem associando caminhoneiros ao tráfico de drogas logo em seguida a outra, tratando da média de idade da frota de caminhões — 21 anos — que, para a Globo, representa "um risco para quem usa as estradas". Imagens da paralisação completaram o massacre da categoria.
Assim, em dois dias, os caminhoneiros brasileiros foram expostos ao opróbrio público como baderneiros, traficantes e condutores de máquinas assassinas que vagam pelas estradas do Brasil.
Haja boa vontade.
Criminalizar tudo e todos
Na sua sanha de criminalizar a pobreza o Estado brasileiro persegue toda e qualquer liderança como se fossem bandidos. A Justiça Federal em Marabá (PA) condenou três lideranças do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e do MTM (Movimento dos Trabalhadores e Garimpeiros na Mineração) a pagarem 5,2 milhões por bloquearem a Estrada de Ferro Carajás, da Vale do Rio Doce, no sudeste do Pará, para lembrar os 12 anos do massacre de Eldorado do Carajás, quando 19 camponeses foram mortos por policiais militares
No Rio Grande do Sul oito integrantes foram ridiculamente acusados de crimes como "depredação e explosão por inconformismo político" e "propaganda da luta entre as classes sociais" na fazenda Coqueiros em Coqueiros do Sul (RS).
Antes disso, também no RS, integrantes do Ministério Público ingressaram com pedido de decretação da ilegalidade do movimento e a sua dissolução, alegando que o movimento deixara de ser social para ser político, como se fosse possível ser uma coisa e não outra.
Um ‘mundo livre’ atrás das grades?
Diz-se, entre os mais afoitos, que o oba-oba punitivo pregou uma peça na classe média: A lógica da tolerância zero teria chegado aos bairros abastados!
O que vem sendo chamado de "lei seca" é a nova Lei 11.705, que introduz no Código de Trânsito solução penal severa para o drama dos acidentes de trânsito relacionados à embriaguez. Multa de quase mil reais para motorista bêbado, e suspensão da carteira por um ano. Mas a coisa aperta mesmo para quem, encachaçado, se envolver em acidente de trânsito com vítima: processo por homicídio doloso, aquele com intenção de matar, mesmo se tiver bebido apenas dois goles do uísque, do vinho ou da cerveja alheia.
Assim, algo teria fugido ao controle dos defensores da chibata ampla, geral, porém restrita. O lema da "tolerância zero", gritado pela primeira vez no USA como mote para a opressão nos bairros populares em nome da guerra "contra as drogas", ganhou a simpatia da classe média nacional para apontar o dedo, acusar, execrar e, por fim, defender quem meta em cana camelôs, flanelinhas, mendigos, funkeiros, baloeiros etc — sejam eles jogados em penitenciárias, confinados em abrigos, ou esquecidos no porão de alguma delegacia.
Pois esta sanha punitiva estaria dando mostras de estar indo além do que gostaria quem se empenha em fazer do aparato policial e judicial uma máquina integrada de encarcerar os que desgraçadamente se valem das estratégias de sobrevivência que lhes restam como alternativa. As rédeas estariam escapulindo das mãos de quem faz da TV e dos jornais órgãos de disseminação do preconceito contra as classes populares, transformando, como num efeito especial, as massas trabalhadoras em massas criminosas em potencial.
Ou seja, a "tolerância zero" estaria batendo à porta de quem mora nas zonas nobres das grandes cidades brasileiras, ainda que nada indique que a moda irá pegar. A bem da verdade, tudo leva a crer que a chamada "lei seca" servirá mesmo para encher o bolso de policiais corruptos e para enquadrar o pessoal do subúrbio, e não para causar problemas mais sérios a quem tem cacife para fazer e acontecer.
Em um dos primeiros dias de vigência da nova lei, o repórter da Globo informou que na madrugada, no Rio, ocorreram cinco acidentes de carro, completando: "Um deles próximo a um baile funk". Provas, ou indícios, de que uma coisa tinha a ver com a outra?
Nada. Nem uma testemunha sequer. Talvez tenha sido apenas o inconsciente de um profissional que, vestindo a camisa patronal, tentando fazer com que a lógica da "tolerância zero" fique mesmo por ali, no subúrbio ou no morrão, penalizando no fim das contas os trabalhadores e os filhos das classes populares, e não os inimigos do povo.
Mas é bem possível que a classe média esteja com a pulga atrás da orelha, pensando duas vezes se vale a pena endossar de bom grado o que lhes chega soprado pela grande burguesia.
E não é só por aqui que se usa e abusa do poder de criar novos criminosos segundo a conveniência da hora. No Leste Europeu, a criminalização dos partidos e agremiações comunistas está a todo vapor. No Reino Unido, o governo do ex-primeiro-ministro Tony Blair criminalizou quem se atrever a apoiar a resistência antiimperialista nos países do Oriente Médio.
A solução penal para remediar tudo o que emerge da devastação promovida pelo capital tende a estender seu alcance ao infinito. O uso que se faz dos rigores de uma lei cada vez mais dura para tapar os buracos das contradições produzidas pelo capitalismo é a prova definitiva de que, a despeito da falácia oficial, nós estamos longe, muito longe de viver em um mundo livre e democrático.