Arte: Alex Soares
Uma ruidosa campanha vem sendo feita em torno dos chamados organismos geneticamente modificados (OGMs). De um lado, estão as ditas organizações não governamentais (ONGs), aliadas aos interesses imperialistas ianques e europeus, que pretendem que o Brasil proíba o cultivo e comercialização dos OGMs, alegando um potencial de desequilíbrio ecológico, além da possibilidade de desenvolver alterações biológicas e doenças, como o câncer, em seus consumidores, humanos e animais. O desejo de que o Brasil não explore a região do cerrado brasileiro, de grande potencial produtivo, se oculta sob a capa de proteção ao meio ambiente, porque assim a produção brasileira de soja, por exemplo, ultrapassaria a produção do USA, o maior exportador mundial dessa leguminosa.
Por outro lado, o plantio da soja, nos marcos da política agrícola semicolonial, nada acrescenta como solução para o problema alimentar das massas, se não o agrava.
Em oposição ao uso da terra para plantio destinado ao abastecimento interno e atender à questão alimentar, os monopólios internacionais de sementes, implementos e produtos químicos para agricultura, vêm aprofundando o processo de destruição das espécies nativas dos países do Terceiro Mundo, ao tempo em que as substituem por plantas produzidas em laboratório cuja distribuição, em última análise, assegura a dominação do imperialismo sobre a agricultura.
O histórico brasileiro
No caso do Brasil, os dois interesses (plantar ou não a soja) são superficialmente rejeitados, enquanto que, nos seus fundamentos, encontram sustentação no governo FMI-PT — como de resto tem sido o tratamento dispensado pelas administrações anteriores a todos os projetos imperialistas, intensificado a partir do golpe de abril de 64. Por um lado, é defendida a servidão ecológica, por outro, a monocultura para exportação.
A luta surda se desenvolve dentro do governo entre os ministérios diretamente envolvidos com a questão: do Meio Ambiente, cuja ministra Marina Silva é uma notória defensora das ONGs, e o da Agricultura, comandado por Roberto Rodrigues, íntimo dos setores exportadores agrícolas — leia-se, burguesia exportadora nativa. Servem ambos à mesma estratégia, cunhada de ambientalismo, prontamente assimilada pelo arsenal do pensamento global e que acoberta a ideologia imperialista.
Várias espécies vegetais e animais, exploradas comercialmente desde a Revolução Verde1, vêm sendo “melhoradas” — tanto em qualidade como em produtividade. Essas melhorias se dão na base da substituição das espécies nativas e cultivadas desde tempos imemoriais pelas populações dos países dominados. Essa troca das espécies autóctones, mais rústicas, resistentes às doenças conhecidas, provoca uma crescente dependência de defensivos químicos, produzidos também por monopólios internacionais, acarretando novas doenças e pragas, além do desaparecimento de muitas espécies propensas a alcançar maior produtividade — desde que substituídas as atrasadas relações sociais de produção, possibilitando a libertação e o desenvolvimento das forças produtivas no campo.
Não é segredo para ninguém que as espécies se adaptam, evoluem, num processo lento, mas que caracteriza já um melhoramento. A possível solução — que não está nos planos das transnacionais — seria o melhoramento das espécies nativas e a sua produtividade, diminuindo a dependência dos produtos tóxicos.
Ainda assim, o cultivo das sementes “milagrosas” pressupõe a existência de terras férteis, água abundante e adubos químicos, além dos já citados pesticidas, o que piora sobremaneira a distribuição de renda e a concentração de propriedades, uma vez que os camponeses contam, quase sempre, com as piores terras e não dispõem de dinheiro para aplicar em irrigação e insumos artificiais.
Os porcos de granja com maior produtividade são os de linhagem estrangeira e morrem facilmente sob clima quente, como o do Brasil; os frangos de granja sucumbem diante de uma inquietação súbita, ou seja, susto; as vacas holandesas e congêneres tornam-se improdutivas fora do confinamento, porque engordam à custa de medicamentos e hormônios. Milhares de espécies de batatas, antes encontradas na Bolívia e no Peru, estão reduzidas a algumas poucas variedades: na Índia, onde havia 330 mil tipos de arroz, estima-se que todo o espaço dedicado ao cultivo contenha hoje 50 variedades.
Desde 1996, a Monsanto intenta produzir sua variedade de soja transgênica no Brasil, sob fogo cerrado das ONGs. A rigor, sempre que outros grupos financeiros apresentem interesses contrários aos projetos que causarão alguma transformação no meio natural, as ONGs são chamadas a invocar o estudo de impacto ambiental EIA-Rima, realizado pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, a pretexto de defesa ambientalista, dos “direitos do consumidor”, etc.
A soja RR — Roundup Ready — possui um gen de uma bactéria capaz de metabolizar o herbicida Glifosato, princípio ativo do Roundup, produzido pela mesma Monsanto. Significa dizer que ao aplicar o herbicida na lavoura, o produtor não precisa ter o cuidado de evitar as plantas da soja RR, que não morrerão com o agrotóxico. Significa também que o monopólio da Monsanto se fortalecerá, uma vez que o produtor deverá comprar as sementes e venenos da mesma empresa.
Em 1998, com base em uma medida provisória (MP) assinada pelo então presidente Cardoso, que deixava a critério da CTNBio a realização do EIA-Rima, a comissão autorizou o cultivo e a comercialização da soja RR em território brasileiro sem a realização do estudo.
O Instituto de defesa do consumidor (IDEC), junto a outras ONGs, entrou com uma ação civil pública, que obteve decisão contrária à autorização dada à Monsanto.
Projetos não faltam
O governo se mexeu para derrubar a decisão judicial, mas enquanto o processo corre na justiça, muitos agricultores, principalmente do Rio Grande do Sul, contrabandearam as sementes da soja RR da Argentina, onde seu cultivo ocupa a maior parte das terras dedicadas à soja.
Em 5 de abril, Luis Inácio, seguindo o estilo “caneta mandada” do antecessor imediato, devolveu à CTNBio a competência de autorizar o cultivo de OGMs, dispensando os procedimentos do EIA-Rima. Além disso, autorizou a comercialização da atual safra, pouco importando tratar-se de soja comum ou transgênica.
Há 23 projetos de lei sobre as normas para o cultivo, a comercialização e a estocagem de produtos transgênicos. Apenas um autoriza sua produção e comercialização, exatamente o que mais vem sofrendo pressão. Alguns determinam a moratória (proibição temporária) ao plantio, à comercialização e ao consumo de transgênicos — até que estudos completos e independentes comprovem sua segurança.
Um dos projetos, do deputado Fernando Gabeira (PT-Rio), está arquivado desde 1997 na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, aguardando indicação do relator. O projeto de lei impõe a venda com a obrigatoriedade da informação no recipiente, embalagem ou rótulo, de que no processo produtivo do alimento ou de seus componentes foram utilizadas técnicas de engenharia genética.
“Enquanto o atual governo não tornar pública sua posição, não haverá tramitação dos projetos”, garante o relator da Comissão Especial dos Transgênicos da Câmara dos Deputados, Confúcio Moura (PMDB-RO), autor do projeto que estabelece normas para autorização de pesquisas e a liberação comercial.
O projeto mais antigo é exatamente o de Marina Silva (então senadora pelo PT-AC), que propunha moratória de cinco anos para o plantio e comercialização. Marina continua defendendo o princípio de precaução e considera essencial a realização de estudos de impacto ambiental antes da decisão sobre liberação ou não do plantio comercial de transgênicos. Quando da posse, a senadora negou que fosse tomar qualquer atitude encoberta quanto à questão, porém, assim que assumiu o cargo, tentou que a Advocacia Geral da União (AGU) retirasse a ação do governo para autorizar o cultivo dos transgênicos no Brasil. Com a negativa da AGU, a ministra ainda tentou que o julgamento fosse adiado.
Enquanto mantinha-se a decisão judicial de proibição ao cultivo e comercialização de transgênicos no país, o governo vinha sofrendo pressões para que o julgamento fosse apressado, dando ganho de causa à Monsanto, através de organizações e pessoas vinculadas ao agrobusiness. Integrantes da Campanha “Por um Brasil livre de transgênicos” também têm pressionado, mas para que o governo se retire da ação. A solução veio de maneira mais simples: na base da medida provisória.
Apesar da proibição pela Lei de Biossegurança Nacional, de 1995, sobram plantios ilegais, principalmente no Rio Grande do Sul. O Brasil teve uma receita de US$ 13 bilhões no ano passado. Por falta de fiscalização, sementes transgênicas de soja e milho entram ilegalmente pela Argentina. Esporadicamente, toma-se alguma providência, sempre contra pequenos camponeses, conforme aconteceu recentemente, com a prisão de oito produtores do Rio Grande do Sul, atendendo pedido do Ministério Público Federal.
Desde 1977, os próprios governantes brasileiros autorizaram mais de mil campos experimentais para lavouras transgênicas, que são ampliados ilegalmente. A Monsanto, por exemplo, aumentou de um para 25 hectares umas das áreas autorizadas no Paraná. O pior fez a Codetec, uma cooperativa paranaense que aumentou de um para 97 hectares. A maior parte das áreas autorizadas está nos estados do sul, centro-oeste e sudeste.
Composta de 18 membros do governo, a CTNBio tem um representante dos fabricantes, coincidentemente da Monsanto, e 17 técnicos. Por isso mesmo, aprovou o plantio comercial da soja transgênica baseada em laudos fornecidos pela multinacional. A outra denúncia é a de que não se poderá esperar nada do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, pois ele defendia a liberação dos transgênicos na época em que ocupou a presidência da Associação Brasileira de Agricultura.
1 Nas áreas de melhor irrigação natural dos países como a Índia, Paquistão, México, como em alguns outros, especialmente na década de 70, o imperialismo obteve um considerável aumento da produção de cereais — episódio cunhado de Revolução Verde. O segredo, macabro, do surgimento de variedades altamente produtivas de milho, trigo e arroz, residia na monopolização de cultivares pelos programas de desenvolvimento, comandada pelo capital financeiro internacional, notadamente pelos magnatas ianques em todo o mundo capitalista. A seleção das variedades tem como objetivo obter sementes que não se reproduzem. Necessitam da integração de vastas áreas de terras cultiváveis, além de sofisticada irrigação, mecanização e conhecimento técnico, aplicação constante de adubos, defensivos agrícolas, etc. Os reformistas defendem a Revolução Verde sob o precedente de que ela esteja “aliada a um desenvolvimento técnico e social capaz de suportar investimentos com juros baixos” — alegação anticientífica e oportunista por excelência.