Treinar na praça: A incrível resposta dos atletas brasileiros

Treinar na praça: A incrível resposta dos atletas brasileiros

Foto: Arquivo pessoal
Barnabé foi várias vezes campeão mundial de Pentatlo

Em plena Praça Paris, no centro do Rio, um grupo de maratonistas se prepara para competições — diariamente, das 17 às 21 horas. O grupo, enquanto espera por patrocinadores, é orientado duas vezes por semana, gratuitamente, pelo ex-atleta e militar reformado, sargento fuzileiro da Marinha, Barnabé Santos de Souza. Juntam-se veteranos e iniciantes do atletismo surgidos de várias partes da cidade que se especializam em corridas. O objetivo é realizar exercícios físicos adequados e se habilitarem para as competições.

Tudo começou em 1988, quando Barnabé, hoje com 66 anos, se aposentando do atletismo e da Marinha, descobriu que não queria parar de praticar esporte. Entendeu que poderia levar todo o seu conhecimento aos que cultivavam o desejo de competir em maratonas, mas não podiam pagar um preparador físico. Começou a reunir na Praça Paris — que escolheu por considerar um local ideal — um pequeno grupo de amigos para treinar. Logo começaram a aparecer atletas, os que passaram pelo local ou que ouviram falar da experiência. Se quem procura acha, Barnabé treina um grupo que soma, hoje, aproximadamente 150 pessoas, todas se dedicando seriamente para ingressar em competições nos mais diversos recantos do país. “Faço um acompanhamento técnico dos maratonistas”, explica.

Baiano da cidade de Mata de São João, Barnabé começou sua carreira na equipe de atletismo do Corpo de Fuzileiros Navais e do Clube de Regadas Vasco da Gama, na década de 50. Competiu pela primeira vez naquela que se tornou a mais famosa maratona, a Corrida de São Silvestre em 1959 e, logo depois, sagrou-se campeão de atletismo com o Troféu Brasil. Em 1960 disputou e conquistou o campeonato mundial de Pentatlo Militar, na Suécia, por equipe e individual, nas provas de natação com obstáculo e corrida em pista de 500 metros com obstáculo.

O Pentatlo Militar é uma competição composta por cinco modalidades: tiro ao alvo; corrida em pista de 500m com 20 obstáculos; arremesso de granadas em alvos; natação com obstáculo e corrida de oito quilômetros. E foi nessa categoria que Barnabé sagrou-se campeão em 16 mundiais — na Suécia, França, Itália, Noruega, Holanda, Argentina e Dinamarca -, pela primeira vez em 1965. Foi campeão sul-americano de atletismo individual, e pentacampeão sul-americano de pentatlo e também bateu seus próprios recordes mundiais em natação utilitária em 1961, 63, 65, 66 e 68.

Formando atletas

Foto: Aristeu Barbosa

Barnabé prepara atletas gratuitamente em uma praça do Rio de Janeiro

Formado em Educação Física, chegou a ser campeão carioca de atletismo durante seis anos consecutivos, competindo pelo Vasco da Gama e pelo Botafogo.

“Quando me aposentei, passei a acreditar que a minha missão era ajudar os atletas a seguir os seus caminhos. Aqui na praça não tem ninguém com dinheiro, muito menos com patrocínio. A maioria trabalha durante o dia, em diversas profissões, e quem não tem emprego não vive do esporte, está desempregado mesmo”, conta.

Segundo ele, seus alunos têm idades variadas, vêm de toda a parte do Rio e cidades próximas, como Niterói, Cabo Frio, etc. “O mais novo tem 14 anos. É um garoto que está se preparando para o futebol. Joga no São Cristóvão. Veio treinar aqui porque estava sendo considerado um pouco lento em seu time, mas hoje já melhorou. O mais velho tem 78 anos e, apesar da idade, treina seriamente”, diz.

Quando me aposentei, passei a acreditar que a minha missão era ajudar os atletas a seguir seus caminhos
Barnabé

“Eles participam das principais maratonas realizadas no Brasil e, por serem muito esforçados, alguns deles saem, em algumas corridas, entre os corredores de elite que têm patrocínio. Sempre faço treinamentos específicos visando determinadas maratonas já marcadas. Por falta de divulgação desse esporte, muita gente não acredita, mas temos competições o ano inteiro”, conta com orgulho.

A falta de patrocínio

Os maratonistas brasileiros da Praça Paris não percorrem trilhas irregulares, mas a falta de patrocínio torna o caminho ainda mais difícil. Talvez sintam mesmo sufoco de Pheidippides, o personagem grego que inspirou a primeira maratona, sem o final dramático, felizmente. O certo é que trabalham durante o dia inteiro, treinam à tardinha e viajam para as competições por conta própria. Adailson, mais conhecido como Dadá Maravilha, 44 anos, é um caso desses. Durante todo o dia, de segunda a segunda, trabalha como camelô, vendendo refrigerantes e biscoitos nos trens da Central do Brasil, no Rio. À tardinha? Vai para a praça treinar. “Não participo de todas as maratonas, porque para algumas não tenho dinheiro da inscrição, já que, em primeiro lugar, está a minha família e tenho cinco filhos para sustentar”, declara.

Dadá já participou de várias provas: a de São Silvestre, Maratona de Blumenau e Eco 92. “É um esporte muito bonito, que pratico por amor, mas é para poucos. Além da falta de patrocínio os organizadores só consideram os cincos primeiros colocados e, para nós, gente do povo, muitas vezes não dão um mero brinde, sequer um chaveiro, camiseta ou boné. Parece que eles só querem saber mesmo é de receber o dinheiro da inscrição”, denuncia.

O alto custo das inscrições é, para os atletas da Praça Paris, motivo de reclamação já que a esses valores, na faixa de 100 reais, alia-se a falta de dinheiro para as passagens, hospedagem, etc., o que inviabiliza a participação de competições fora do Rio de Janeiro.

Não participo de todas as maratonas, porque para algumas não tenho dinheiro da inscrição
Adailson “Dadá Maravilha”

Álvaro do Nascimento Medeiros, 43 anos, por exemplo, especializado em ultramaratonas — provas com duração de 24 horas — só não participará da próxima Ultramaratona do Rio, na Barra da Tijuca, este mês, porque não tem dinheiro para a inscrição. Desempregado há três anos, treina com dificuldades na Praça Paris onde foi um dos primeiros a se juntar ao grupo de Barnabé. “Se tivesse o valor do ingresso compraria uma bolsa de alimentos. Tento um patrocínio, alguém que pague pelo menos a minha inscrição, mas não estou conseguindo”, explica.

Para Álvaro falta também o material necessário para participar dos treinos e das competições, como tênis e roupas adequadas. Ele consegue os tênis através de doações de amigos e também quando encontra algum abandonado na rua. É solteiro e mora sozinho em Irajá, subúrbio do Rio. Por não ter o dinheiro para se locomover de casa para a praça e vice-versa, Álvaro pega carona todos os dias. “Com o dinheiro que usaria na condução, posso comprar uma frutinha e me alimentar”, diz.

Por amor ao esporte

A maioria dos corredores que compõe todo o contingente de uma corrida não consegue vencê-la e, muitas vezes, têm pouquíssimas chances de vir um dia a disputar uma Olimpíada, por exemplo. Mas continuam correndo, movidos pelo amor que dedicam ao esporte, a esperança que nutrem de vencer uma grande disputa e o desejo de superar os seus limites.

Álvaro chegou em 3º lugar na Corrida dos Engenheiros, de seis quilômetros, realizada no Rio, há alguns anos. Além disso, tem participado de todas as corridas na qual, de alguma maneira, consegue se inscrever. “Já fui atleta profissional no passado, correndo pelo Fluminense, mas hoje estou em difícil situação financeira por causa desse Brasil em que estamos vivendo”, desabafa.

Paulo Roberto Rodrigues, 60 anos, casado, quatro filhos e cinco netos, no momento está se preparando para a Jungle Marathon 2003, em Manaus (AM), de 15 a 25 de setembro. É uma prova bem longa, sete dias de competição, e os corredores somarão pontos ao longo da prova. “Vou por minha conta. Pegarei um ônibus até Belém (PA), aproximadamente 53 horas de viagem, depois tomarei uma barca e viajarei por mais 4 horas até Manaus.”

Paulo treina na praça há cinco anos e durante o dia trabalha no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 7 às 15:30, como técnico de pesquisas, e irá aproveitar as suas férias para viajar. “Participo de muitas competições. Geralmente, quando são realizadas no Rio não afetam em nada o meu trabalho e quando são fora consigo conciliar com as minhas férias porque divido os trinta dias a que tenho direito, de acordo com as competições”, relata.

Os meus tênis eu ganho de amigos ou encontro na rua, quando alguém joga fora
Álvaro do Nascimento Medeiros

Ele já participou da Ultramaratona de São Paulo, Campinas, Salvador, e foi campeão da prova Corpore de São Paulo, em maio deste ano, na categoria 60 anos de idade. Paulo sai de casa por volta das 3 horas da madrugada — mora em Cabo Frio, distante de, aproximadamente, 2:30hs de ônibus, do Rio -vai para o trabalho e, findo o expediente, não retorna a casa para descansar, vai direto para a Praça Paris. “Nos fins de semana treino nas dunas e na praia de Cabo Frio”, acrescenta.

Pedro Antonio Madaleno não faz por menos. Aos 44 anos, solteiro e vizinho da praça, trabalha como padeiro em uma confeitaria do centro. “Treino aqui há treze anos. Sempre tento me inscrever no máximo possível de competições e obter bons resultados. Por exemplo, fiquei em 4º lugar na corrida da Quinta da Boa Vista, em 11º na Maratona de Trilheira, em Ribeirão Pires, SP e em 14º na Meia Maratona de Paraty, 21 quilômetros. Normalmente eu tenho sorte e não pago as inscrições, porque recorro a alguns amigos, comerciantes. Em troca, corro com a camisa da loja. Mas sei que isso não acontece com a maioria”, diz.

Além de atletas que correm individualmente, nasceu na praça uma equipe composta por 60 pessoas. É a Copacabana Runners, que tem participado de corridas de 5/10 quilômetros, e meia maratona, de 42,195 km. “Eles estão dando certo. Recebem muitos troféus de equipe mais numerosa e também obtêm bons resultados. Vamos continuar trabalhando e esperando patrocinadores para os nossos atletas”, diz Barnabé.

Barnabé atende qualquer pessoa que aparece por lá. “Tenho prazer quando alguém se conscientiza de que fazer exercícios físicos, caminhar e correr tende a trazer benefícios à saúde. Venho observando nesses anos de dedicação ao atletismo que as pessoas, na maioria das vezes, quando praticam algum tipo de esporte seriamente, com regularidade, têm uma maior disposição para o trabalho e para a vida em geral”, lembrando que para se fazer exercício físicos, em alguns casos, como idosos e pessoas que tenham doenças do tipo diabetes, hipertensão, e outras, não pode faltar a orientação médica.

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