O I Congresso da Liga dos Camponeses Pobres do Centro-Oeste (LCP-CO), nos dias 13 e 14 de dezembro, em Patrocínio, Minas Gerais, culmina um período de grandes lutas contra o oportunismo, o latifúndio, a repressão e o imperialismo. O movimento vem se organizando há aproximadamente três anos, a princípio, como Comissões Camponesas de Luta (CCL).
A região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, bastante industrializada, se destaca na produção agrícola pela produção de café, leite, cana-de-açúcar e soja, esta com alto índice de mecanização. A alta concentração da propriedade da terra também é uma característica marcante da região que, nas safras das culturas, acolhe grande contingente de migrantes e camponeses (bóias-frias) das cidades vizinhas.
Não são poucas as denúncias de trabalho escravo e semi-escravo nas fazendas da região. Teodoro Pereira, cearense de 32 anos, presente ao Congresso, disse que já foi vítima desse tipo de exploração, assim que chegou do Ceará atraído pela oferta de trabalho nas fazendas de café. Segundo ele, após ter trabalhado cerca de três meses em uma fazenda, em precárias condições de moradia e alimentação, ainda saiu sem um tostão do que lhe era devido pelo seu trabalho. Teodoro diz que as denúncias chovem, mas que, pela força política dos latifundiários, nada foi apurado e ninguém condenado.
Cálculos da LCP-CO revelam a existência de mais de 4 mil famílias camponesas que aguardam as terras prometidas pelo governo FMI-PT e, a cada dia, mais famílias engrossam as fileiras dos que perderam as ilusões.
Há muito esperado
O Congresso foi precedido por um seminário das CCL e pelo encontro que resultou na fundação da LCP-CO, além de várias atividades desenvolvidas no período, como a expropriação de latifúndios, manifestações contra a invasão do Iraque pelas tropas imperialistas e as comemorações do 1º de Maio de 2003.
Com 300 camponeses, o Congresso, que foi realizado na sede da União Operária de Patrocínio (UOP), revelou à cidade a força da organização camponesa e o seu grande crescimento decorrente da linha independente e combativa.
As ruas centrais de Patrocínio receberam os camponeses anunciando o I Congresso, denunciando as perseguições aos camponeses e aos apoiadores do movimento, as prisões políticas de José Rainha, Diolinda e de demais lideranças. Mas o ânimo dos camponeses, a grande força que passaram a representar e o anunciar do seu programa agrário, se constituíram na expressão permanente e maior da marcha pelas ruas de Patrocínio. Foram distribuídos panfletos durante o percurso e a população, incluindo os comerciantes, saiu às ruas, admirada, para assistir a organizada manifestação. Era visível a simpatia da população pelos destemidos trabalhadores da terra, por suas músicas e palavras de ordem (“Conquistar a terra, destruir o latifúndio“, “Pão, terra e justiça“) que arrancaram palmas.
De volta à sede da UOP, após o almoço, aconteceu a plenária de abertura, onde trezentas vozes entoaram, de cor e em uníssono, o hino que há 133 anos embala as lutas dos oprimidos no mundo: A Internacional.
Aos coordenadores da LCP-CO se juntaram representantes das várias organizações convidadas, como a LCP de Rondônia, LCP do Norte de Minas, organizações classistas de Belo Horizonte, Movimento Estudantil Popular e Revolucionário (MEPR), Escolas Populares, Movimento Feminino Popular (MFP), cujos pronunciamentos colocaram em evidência a realização do Congresso como um salto na construção da revolução agrária no Brasil. Nas intervenções que se sucederam, as organizações classistas enfatizaram a “necessidade da aliança operário-camponesa para libertar o Brasil do latifúndio, do imperialismo, e construir uma verdadeira democracia.”
Em seguida, realizaram-se os informes das áreas expropriadas pela LCP, nos quais enormes avanços foram constatados na luta contra o latifúndio, o apoio dos setores populares nas cidades, como a necessidade de maior empenho na construção do Movimento Feminino Popular, maior atenção aos grupos de famílias e às pessoas que se destacam e se mostram dispostas a avançar na luta.
Após o jantar, crianças das diversas áreas conquistadas formaram corais entoando canções como as Conquistar a terra e O risco, a preferida dos pequenos. Em seguida, com o comando da sanfona de um camponês, todos caíram no forró e outras músicas populares, que só pararam na hora de dormir.
Durante a madrugada, o calor da manhã cedeu lugar a um desses frios das serras de Minas Gerais, o que impôs uma antecipação da alvorada com um providencial cafezinho.
Era domingo. O sol e o primeiro lanche do dia aqueceram o ambiente e, às oito, já a animação geral reivindicava a abertura de pauta com a discussão sobre a questão internacional e a situação nacional. Há quem diga que o povo não se interesse pelos problemas mais gerais, que não se importa com as questões internacionais. Gente assim se assustaria com as intervenções dos camponeses, todo o seu repúdio às agressões imperialistas do USA e à subserviência de Luiz Inácio, além de calorosas demonstrações de solidariedade aos povos afegão e iraquiano, aos perseguidos políticos e a todos os camponeses que ingressam na luta pela terra.
A urgência em adotar medidas que visam impulsionar o MFP nas áreas camponesas fez com que as mulheres realizassem uma reunião durante o almoço. O fato revela um pouco da ativa presença feminina na LCP-CO, onde a metade da coordenação do movimento é composta por mulheres, proporcionalidade que jamais foi obrigatória, ao contrário do que acontece nas entidades dirigidas pelos oportunistas ao criarem uma falsa harmonia nas suas direções. O critério adotado para compor a coordenação é o da capacidade de direção e organização comprovada no cotidiano das áreas comandadas pela LCP, o que significa contar com a plena concordância das massas.
Camponeses com a palavra
Nos intervalos do Congresso, AND conversou com vários camponeses. Teodoro, por exemplo, relatou que, quando participou da tomada da fazenda Salitre, em 8 de novembro, havia contatado a Liga há apenas 15 dias, mas pressentia que se deparava com a linha correta do movimento camponês: “Esta história de ficar acampado em beira de estrada não presta; o negócio é fazer como a Liga, que entra na terra e organiza a produção coletiva até que cada um esteja no seu lote. No acampamento todo mundo se ajuda e a coordenação não faz nada sozinha, mas organiza. Além do mais, um acampamento ajuda o outro. Os companheiros que já estão em suas terras ajudam com o que podem, até com alimentos.” E arrematou: “Essa nossa luta é muito antiga e nós nunca conseguimos a vitória. Agora, é a nossa vez; se a gente não lutar é que as coisas vão piorar mesmo.”
Na verdade, a Liga tem planos de produção coletiva mesmo para quando os camponeses já estejam em suas terras. À tarde, um bom período da plenária foi dedicado a este tema e muito debatido.
Joaquim Flor Neto enfatizou que o moral dos camponeses dentro dos acampamentos é muito alto: “Todos entram na terra com confiança na vitória, na produção, no convívio com os demais companheiros. Nas assembléias todos concordam em não deixar entrar drogas, álcool, nem permitir a prostituição; isso não é tolerado.”
À reportagem, um dos coordenadores lembrou e agradeceu o apoio prestado por vários comerciantes da região durante as liberações das terras, antes propriedades dos latifundiários, e na própria realização do Congresso, ressaltando que cada vez mais cresce o apoio nas regiões em que a Liga atua.
Fácil explicar: quando os camponeses expulsam os latifundiários, é sensível o progresso, tanto mais que se inicia a produção e as mercadorias começam a circular mais livremente e em maior quantidade. Há mais compradores, diferente do sistema latifundiário cujos negócios são realizados principalmente com os grandes comerciantes, além disso, de fora, reduzindo o consumo nas cidades próximas. As ruas, antes quase vazias, tornam-se repletas de trabalhadores, as trocas são mais justas.
Naquela tarde, o calor começou a incomodar, mas ninguém pensa em “arredar o pé” da plenária. Sentindo uma leve puxada em sua camisa, o repórter de AND vê um menino, de não mais de cinco anos de idade. Traz um copo descartável na mão e uma garrafa de refrigerante com água na outra. Mantendo um sorriso franco, ele foi servindo um a um, e ainda uma segunda vez. A abnegação do pequenote milhares de vezes há de se repetir sob o chão camponês, que crescerá como ele, como a população de trabalhadores livres das amarras semifeudais.
Surge um problema. Há várias questões propostas para a discussão e a participação animada e intensa da plenária indica que o tempo planejado vai se revelando exíguo e as questões menos prementes.
O MFP apresentou um balanço de suas atividades, um informe enriquecido pelas trocas de impressões durante o almoço. Como destaque, o comprovado avanço na compreensão das mulheres “de que a luta das mulheres não se dá separada da luta dos homens, e que é preciso estar cada vez mais presentes e ativas na luta pela terra”, disse a oradora. Seguiram-se as falas sobre a Escola Popular e dos estudantes do Movimento Estudantil Popular e Revolucionário, empenhando sua palavra de “servir ao povo de todo coração”.
Pelas 17 horas as discussões se convertem em decisões de unanimidade, sem omissões. Lidas de forma pausada pela mesa, ecoa por todo o salão da sede da União Operária:
1 Unir todo o movimento camponês para extinguir o latifúndio.
2 Deflagrar uma grande campanha contra as perseguições às lideranças e ao movimento camponês.
3 Desenvolver uma intensa luta pela produção, em todas as áreas.
4 Lutar por cumprir as decisões adotadas no seminário das CCL e no encontro de fundação da Liga dos Camponeses Pobres do Centro Oeste mineiro.
5 Intensificar a mobilização para concluir a entrega de lotes nas áreas expropriadas pela Liga dos Camponeses Pobres.
E porque era dezembro, o dia 26 foi comemorado por ocasião da data do aniversário de nascimento, em 1893, do Presidente Mao Tsetung. Numa breve intervenção, um coordenador da Liga dos Camponeses Pobres destacou os grandes feitos do Presidente Mao “ao mobilizar e guiar milhões de camponeses e operários chineses na luta contra o latifúndio, a burguesia e o imperialismo, derrotando-os e construindo a República Popular da China; a tenacidade com que levou às últimas consequências a luta contra o revisionismo e o oportunismo, e com que conduziu a Grande Revolução Cultural Proletária abrindo caminho para o triunfo da revolução mundial sobre o imperialismo.”
Um pouco antes de encerrar os trabalhos, uma nova solenidade teve lugar no Congresso. O juramento dos camponeses à sua causa foi proferido, recordando a fidelidade aos princípios de sua organização e luta — classista e independente —, no qual incluem a consciência de que são as massas que fazem a história, de que é justo rebelar-se contra a repressão e a exploração e de que em sua bandeira e honra está gravada de forma indelével a defesa do povo trabalhador.
Mais uma vitória dos camponeses
No campo da luta contra o imperialismo, AND publicou recentemente matéria sobre a pretensão da Fosfertil — empresa de mineração de capital estrangeiro — de explorar nióbio e outros minerais nobres em terras pertencentes a camponeses pobres em Tapira, cidade próxima ao Triângulo Mineiro.
A princípio, a empresa fingiu estar disposta a uma negociação, que, todavia, interrompeu, ao perceber a firme decisão dos camponeses de sair de suas terras para outras, quando em iguais condições, além de exigirem uma indenização pelas benfeitorias que fizeram em suas propriedades.
Aparentemente a empresa se desinteressou pelo projeto, mas os camponeses suspeitam, e têm motivos para isso, que a Fosfertil esteja sorrateiramente desenvolvendo planos sinistros para expulsar os camponeses da área que lhes pertence, e em pleno território brasileiro.