Ultrajes ianques nas águas da Guanabara

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Ultrajes ianques nas águas da Guanabara

Em 1894, funcionava a segunda estratégia do nascente imperialismo ianque* — o Grande Porrete — com a qual Floriano Peixoto foi ajudado a reprimir a Revolta da Armada. No dia 12 de janeiro, chega à Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, uma esquadra do USA disposta a defender os interesses imperialistas ameaçados pela guerra civil travada por opositores ao governo do marechal Floriano Peixoto. Liderados pelo contra-almirante Benham, os ianques tomam posição de combate contra os navios rebeldes, comandados pelo almirante Saldanha, que se opõe à passagem de três cargueiros do USA. O cruzador Detroit dispara dois tiros contra o Trajano. Um curto combate acontece. A revolta, contudo, já vinha se enfraquecendo e os navios brasileiros não resistem por muito tempo. O "Marechal de Ferro" permanecia no poder e a intervenção ianque era aplaudida pelos setores mais reacionários do país.

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Jovens rebelados do Rio de Janeiro montam barricadas

O episódio da Revolta da Armada, exemplo de mais uma ingerência do imperialismo ianque na América Latina e, em particular, no Brasil, faz parte do conturbado período de estabelecimento do governo republicano em nosso país. Nesse processo, frações das classes dominantes vinham brigando pelo controle do poder desde os fins do Império. O movimento que derrubou a monarquia representava os interesses da elite agrária, especialmente os cafeicultores paulistas. Setores do Exército, onde predominava o pensamento positivista1, serviram de braço armado ao movimento republicano. Em toda a dinâmica, o povo foi devidamente mantido à distância.

Deodoro da Fonseca, até então um monarquista convicto, comanda o governo provisório, criado após o golpe de 15 de novembro de 1889. Nesse período, o país passa por um processo de "modernização institucional", que pode ser melhor compreendido como parte do complexo de mudanças exigidas pela implantação do modo de produção capitalista — àquela altura em sua fase imperialista. Uma nova Constituição é promulgada em fevereiro de 1891, instituindo, entre outros pontos, o federalismo, o presidencialismo e o regime eleitoral da democracia burguesa — repleto de fraudes e excluindo o voto de analfabetos, mulheres e soldados.

Deodoro é eleito pelo Congresso. O vice, que era escolhido separadamente, fica sendo o marechal Floriano Peixoto, que apoiara o candidato das oligarquias, Prudente de Moraes, num claro indício de que os militares não formavam um grupo coeso. A crise política se agrava, tendo como resposta o autoritarismo e o centralismo do presidente. A oposição exercida pela oligarquia latifundiária faz Deodoro fechar o Congresso Nacional. Sem apoio popular e sofrendo oposição da Marinha, Deodoro renuncia em 23 de novembro de 1891.

Floriano Peixoto assume, mas as tensões persistem. Várias manifestações contrárias ocorrem e a legitimidade do governo é posta em xeque por elementos das próprias Forças Armadas. No Sul, eclode a Revolta Federalista. Em setembro de 1893 é a vez da Revolta da Armada2, iniciada pelo almirante Custódio de Melo. A forte repressão de Floriano faz com que os revoltosos se refugiem na ilha de Desterro, capital de Santa Catarina. Em outubro de 1893, as forças rebeldes se unem aos os federalistas do Rio Grande do Sul e no início do ano seguinte dominam Curitiba. Contudo, tanto marinheiros quanto federalistas sucumbem à ação violenta do governo. A ilha ganha o nome de Florianópolis, uma homenagem de Floriano a ele próprio.

As garras do imperialismo

Tematizando a presença ianque ao longo da história do Brasil3, Moniz Bandeira afirma que, no período de consolidação da República, a americanização significava, para os donos do poder, a industrialização, o fim da herança colonial e o progresso da "democracia". Moniz conta que se pretendeu "até mesmo expropriar as companhias estrangeiras e expulsar do país o capital europeu". Mas esse "nacionalismo" era acompanhado, paradoxalmente, por tendências americanófilas. A nova Constituição, por exemplo, era uma cópia da estadunidense, assim como a instituição do federalismo e do novo nome do país — Estados Unidos do Brasil. "E adotou-se, na primeira hora, a bandeira estrelada, com listras auri-verdes, proposta por Lopes Trovão. A diferença consistia nas cores" (p.134).

Em janeiro de 1891, foi assinado um acordo comercial entre o USA e o Brasil, justo num momento de grave crise política. Tal acordo se mostrou bastante desfavorável ao Brasil, que deveria abrir o mercado às manufaturas ianques. O principal objetivo, todavia, foi suprimido: a colocação do açúcar brasileiro no mercado do USA. Nas entrelinhas, o Tratado mal escondia a voracidade do imperialismo ianque, disputando espaço com as potências européias, conforme escreve Bandeira: "Os Estados Unidos, desde o início da década de 1880, desejavam criar uma comunidade comercial com os demais países do Continente e este constituía o principal objetivo da Conferência Pan-Americana". (p.136)

A intervenção ianque

A fim de combater os rebeldes da Armada, o governo de Floriano compra dois navios junto aos Estados Unidos: o Charleston , ancorado no Rio, e o Newark , que rumava para aquele porto. No entanto, o comandante do Newark , contra-Almirante Stanton, ficou do lado de Custódio de Melo. Havia também navios da França, Inglaterra, Itália e Portugal aportados na Baía de Guanabara. Segundo Moniz Bandeira, eles concordaram que só interviriam na guerra civil se a esquadra rebelde bombardeasse a cidade. Por isso, propuseram ao governo a estratégia de não provocar o início das hostilidades.

Diante da guerra civil, o governo ianque não adotava uma posição uniforme. O Secretário de Estado, Walter Gresham, prometeu apoio moral a Floriano, dando garantias contra os rebeldes. Bandeira salienta: " [Gresham] Aconselhou, mesmo, a intervenção dos Estados Unidos, para antecipar-se à da Europa, mas o Presidente Cleveland a considerou inoportuna. Os Estados Unidos só dariam esse passo, quando uma atitude da Europa o justificasse, como violação da Doutrina Monroe" (p.142).

Para privar Floriano das rendas alfandegárias, o almirante Saldanha (que substituía Custódio no comando rebelde) proíbe o desembarque de mercadorias no porto do Rio. "Aí, nesse momento, o Governo de Washington determinou que o Contra-Almirante A.E.K. Benham, então na ilha de Trinidad, partisse para o Brasil, com ordens expressas de romper o bloqueio (…)" (p.143). Os ianques não estavam dispostos a perder as posições conquistadas a partir do Tratado de Comércio de 1891, o primeiro depois de meio século de recusas pelo Império. A política do "Grande Porrete" ("Big Stick") é mais uma vez aplicada na América Latina, notadamente na capital do Brasil.

A intervenção militar tinha início e Moniz Bandeira assim resume o episódio: "O Contra-Almirante Benham chegou a bordo do San Francisco, em 12 de janeiro de 1894, e assegurou aos navios americanos proteção para descarregar nos trapiches. 'Meu dever é proteger os americanos e o comércio americano e isto eu tenciono fazer da maneira mais ampla' — disse. E cumpriu. Colocou a esquadra americana em posição de combate e ameaçou bombardear os navios do Almirante Saldanha, quando estes se opuseram à passagem de três cargueiros dos Estados Unidos. O cruzador americano Detroit chegou a disparar dois tiros — um de peça e outro de mosquetaria — sobre o Trajano. […] A revolta, porém, estava no fim. Liquidada." (p.143)

A participação ianque, porém, não se limitou ao breve combate na Baía de Guanabara. Para formar o que veio a ser conhecida como "Esquadra de Papelão", Floriano contou com o financiamento da firma Flint & Co para comprar navios que seriam transformados em torpedeiros. Mercenários também foram recrutados no USA. Além disso, a polícia secreta ianque vigiava os agentes do almirante Saldanha. Debelada a revolta, as classes contra-revolucionárias e subservientes trataram de comemorar, conforme narra o autor: "Os círculos do governo, jornais como O Paiz e O tempo, desejaram, aplaudiram e agradeceram a intervenção. No Senado, apresentou-se um projeto, mandando cunhar duas medalhas (…): uma, com a efígie do Presidente Cleveland, para o Marechal Floriano Peixoto; outra, com a do Marechal Floriano Peixoto, para o Presidente Cleveland" (p.145).


(1) O positivismo foi uma ideologia que se tornou predominante no final do século XIX. Tipicamente reacionários, os positivistas atribuem papel de destaque às elites — compreendidas como o grupo mais esclarecido e capacitado para controlar o Estado. Nessa lógica, o povo deveria apenas trabalhar, sem reivindicar, sem se organizar e sem protestar, pois "só o trabalho em ordem é que pode determinar o Progresso". (Fonte: www.historianet.com.br)
(2) Promovida por unidades da Marinha em oposição ao governo Floriano, começou em setembro de 1893 no Rio de Janeiro, propagando-se para a região sul e prolongando-se até março do ano seguinte. Floriano deveria assumir interinamente após a renúncia de Deodoro, porque, conforme a Constituição, seriam convocadas novas eleições em no máximo dois anos. Próximo ao fim do prazo, ele passou a ser acusado de tentar se manter ilegalmente no poder. O movimento refletia o descontentamento da Marinha com o pequeno espaço político que ocupava em relação ao Exército. A revolta seria derrotada em março de 1894. (Fonte: www.projetomemoria.art.br)
(3) BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil. (Dois séculos de história). 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. Nesse livro, o autor analisa a influência dos ianques no Brasil desde os tempos da Colônia, passando pelo Império e início da República, chegando à Era de Vargas e à deposição de João Goulart pelo golpe contra-revolucionário de 1964.
Estratégias de dominação do imperialismo ianque:

1822 – Primeira Estratégia:

Doutrina Monroe (1822 a 1898), com a qual os USA autodelegava o poder de polícia em todo o Continente americano.

1898 – Segunda Estratégia:

Big Stick, o grande cassetete(de 1898 a 1933).

1933 – Terceira Estratégia:
"Política de Boa Vizinhança" (1933 a 1945). Os "norte-americanos" ao invés de yankees; o "americanismo"; dominação cultural, assistência técnica; implantação de empresas etc.

1945 – Quarta Estratégia:
Guerra Fria, Ponto IV, Aliança para o Progresso, administração semi colonial, continuidade do browderismo, do desenvolvimentismo, surgimento das Três Pacíficas e dos Dois Todos do social-imperialismo russo. (1945 a 1975). De 1945 a 1961, funcionou a Doutrina Truman (centro da Guerra Fria). Bases militares avançadas em todos os continentes.

1975 – Quinta Estratégia:

Ver "desanuviamento internacional" (fim da Guerra Fria – 1945 a 1975 – e início de alianças abertas entre os USA e a URSS (em franca restauração capitalista) "Globalização", "Nova Ordem", "Direitos Humanos", "Ecologia", "Ambientalismo", "Guerra nas Estrelas"

2001 – Sexta Estratégia:
Fim das fronteiras na América Latina (Alca) — Guerra total do império ianque contra os povos de todo o mundo.
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