Solano Trindade foi militante comunista, poeta, pintor, teatrólogo. Foi contra a injustiça social e racial e amante das artes. Sua história se confunde com a vocação artística da cidade de Embu das Artes. Sua filha, Raquel Trindade, continuadora de seus trabalhos nos conta sua trajetória, que se mistura com a sua própria. E vice-versa.
Nascido no Recife, em 1908 Solano aprendeu desde cedo com o pai, o sapateiro Manuel Abílio a dançar o Pastoril e Bumba-meu-boi. Com a mãe, Emerenciana, quituteira, iniciou-se na literatura de cordel e na poesia romântica. No entanto, diferente de seus pais, Solano foi revolucionário para sua época.
Ainda morando no Nordeste, participou de movimentos negro-culturais, como I e II Congressos Afro-Brasileiro ocorridos em 1934 e em 1937, organizados e propostos por Gilberto Freire, e em 1936 cria a Frente Negra Pernambucana com José Vicente Limas, o Barros Mulato e mais alguns companheiros da época. A Frente visava a luta anti-racista e a busca das raízes culturais africanas.
Depois de publicar alguns poemas, inicia sua peregrinação. Viaja para Minas Gerais e depois para o Rio Grande do Sul onde cria um Grupo de Arte Popular.
Mas Solano deixou mesmo a família no nordeste para tentar a vida o Rio de Janeiro. É Raquel, sua filha, que nos conta:
— Depois que ele se foi, mamãe achou que ele estava demorando demais, e nós viemos de navio atrás dele. Ela só sabia que ele se reunia no Vermelhinho [bar e café], que ficava em frente à Associação Brasileira de Imprensa, ela foi lá e o Grande Otelo falou: "ele vem todo dia aqui, à tarde". Ele nos recebeu como se ele mesmo tivesse nos mandado buscar. Os amigos fizeram uma ‘vaquinha’ e ele alugou uma casa de cômodo na Rua do Livramento, no Rio de Janeiro, na Gamboa.
A militância política
O Vermelhinho era um local onde se reuniam jovens artistas, poetas, intelectuais e jornalistas de esquerda. Ali era amigo de pessoas como o Barão de Itararé e Santa Rosa, Aníbal Machado, a escritora Eneida … Raquel lembra que discutiam sobre a Segunda Guerra, sobre a União Soviética, sobre Stálin, sobre Trotski.
Na década de 40, Solano Trindade ingressou no Partido Comunista. Pouco depois ele e a família mudam-se para a cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Pertencia à célula Tiradentes, que funcionava em sua própria casa, onde se reuniam camponeses, intelectuais e operários. Sobre esse período da sua militância quem se lembra é Raquel:
— Ele tinha tarefas que o partido passava. Muita coisa a gente não podia saber. Tinha as festas do aniversário de Prestes. Tinha os comícios, teve a época do "O petróleo é nosso", eu até fui ajudar a colher assinatura, teve uma época depois contra a bomba atômica. Muita coisa eu não sabia, mas eu era mocinha e ainda não estava ligada.
Elenco do Teatro Popular S. T.
Solano foi preso duas vezes, uma em Niterói e outra durante a perseguição comunista do governo Dutra, quando morava em Duque de Caxias. Raquel conta que a polícia chegou, e seu irmão, Liberto, estava adoentado, com sarampo. Os policiais viraram o colchão com o menino e tudo para ver se tinha armas, Disseram que tinha uma denúncia.
— Levaram ele preso. Primeiro nós pensávamos que era por causa do poema (Tem gente com fome), mas agora com um levantamento no Dops que eu descobri que foi denúncia, de uma pessoa que convivia no vermelhinho — conta Raquel. Mãe e filha percorreram todas as prisões para achar o pai na preocupação com as torturas. Acharam e ele não foi torturado.
Solano saiu do partido porque acreditava que o problema dos negros não era apenas econômico, era racial também. Acreditava que o povo pobre precisava também ter mais acesso à cultura e às artes para ter igualdade "Não faremos lutas de raças, porém ensinaremos aos irmãos negros que não há raça superior nem inferior e o que faz distinguir um dos outros é o desenvolvimento cultural. São anseios legítimos a que ninguém de boa fé poderá recusar cooperação" , disse Solano.
Solano morreu socialista, mas fora do partido.
Solano das artes
Também militante das artes, Solano, além de pintar e escrever seus poemas, lutou muito para que a arte popular e folclórica fosse amplamente divulgada e difundida.
Pouco depois de chegar ao Rio de Janeiro, em 45, cria juntamente com a mulher e Haroldo Costa o Teatro Folclórico Brasileiro. Nessa época, Solano já tem seus quadros vendidos internacionalmente, em exposição coletiva e um de seus livros publicados, o n Poemas d’uma vida simplesn . Do Teatro Folclórico saiu o grupo "Brasiliana", com a entrada do diretor polonês Askanasi, um grupo de dança que se tornou famoso por numerosas apresentações no exterior. Porém, com o diretor o grupo perde sua autenticidade, as tradições folclóricas são estilizadas e Solano decide sair do grupo e formar seu movimento mais importante e mais bem sucedida o Teatro Popular Brasileiro.
Apesar de não apresentar peças teatrais, chamava-se teatro porque "abrangia artes plásticas, literatura e dança e porque o que o povo faz é um teatro, é um teatro popular, por isso Teatro Popular Brasileiro", explica Raquel. Criado por Solano, Margarida Trindade e o sociólogo Édson Carneiro, o TPB, fazia leituras de danças como maracatu, lundu, bumba-meu-boi. Era formado por empregadas domésticas, operários, estudantes, professores. Ensaiavam na Rua da Constituição, no Rio, quando foi formado em 1950, mas logo se mudaram para Duque de Caxias.
Com o TPB, Solano foi ao leste Europeu em 1955. Passaram por Polônia e Tchecoslováquia em 21 cidades diferentes. Participou do Concurso Internacional de Danças Populares e apresentou-se para uma platéia de 5 mil espectadores.
Embu das artes
De volta ao Brasil em uma apresentação em São Paulo conheceu o escultor Assis que já vivia em Embu e que o convidou a ir para a cidade. Solano se apaixonou por Embu e levou todo o elenco para lá.
— Nós fazíamos festa de três dias, dançando pela rua, pintando, o que começou a atrair turista do mundo inteiro. E hoje o Embu é Embu das artes graças ao meu pai — Afirma Raquel.
Desde Duque de Caxias ele queria fazer uma cidade voltada para as artes e foi conseguir em Embu. A feira de artesanato veio depois. Os artistas de Embu haviam começado, junto com Solano, um movimento na praça da República, no ano de 1966 em São Paulo.
— Íamos de manhã expor e de tarde voltávamos para Embu — Relembra Raquel — Por isso, o Assis ficou preocupado que o movimento de lá atrapalhasse a vinda de turistas em Embu. Esse foi o início da feira de artesanato em Embu. Íamos de manhã para a República e voltávamos trazendo os rippies da década de 60 com seus artesanatos, aí estourou em 68, 69. O grupo de papai dançava pela rua, pintávamos…
O Teatro Popular Brasileiro continuava com suas apresentações em faculdades, na rua, em quase todos os teatros de São Paulo da época e muitos do país. Sempre com muito público, segundo Raquel Trindade. Quando Solano falece, em 74, em 1975 Raquel Trindade cria o Teatro Popular Solano Trindade para dar continuidade ao seu trabalho. Continuou a trajetória do conhecimento repassando de pai para filho as tradições culturais e folclóricas que hoje já se encontram até com netos de Raquel Trindade.
Para Raquel, a maior contribuição social de seu pai foi ajudar a preservar a cultura popular e todo o trabalho dele para a auto-estima do negro, para que fique mais firme, mais forte.
— Mas também não é fechado só para o negro, é para todas as etnias. Tinha uma frase dele que usamos até hoje: "Pesquisar na fonte de origem, devolver em forma de arte" — completa Raquel
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