A segunda-feira, 12 de junho, amanheceu ensolarada no Rio de Janeiro. Às 15h50, em um bairro da Zona Norte, formava-se uma enorme fila de pessoas em frente ao ônibus 665, linha que faz o trajeto de aproximadamente 30 quilômetros que separam os bairros da Tijuca e Pavuna. O motorista, um homem de olhos miúdos e atarracado, cobrava as passagens enquanto esperava a hora exata, determinada por um relógio acima de sua cabeça, para começar a viagem.
Marcos Resende e Luiz Alberto
Após superar a roleta, um dos passageiros precipitou-se logo para o lugar do trocador, profissão em extinção na cidade do Rio. Do alto da cadeira preta, com o celular em mãos, via o ônibus se encher com muita rapidez antes mesmo de sair do ponto. O barulho da catraca sendo girada era incessante. Quando a partida foi dada, por volta de 16h, restavam apenas três assentos vagos.
Marcos Resende está há cinco anos empregado como motorista na linha 665. Sua rotina de viagens começa às 12h e só vai terminar muito tempo depois, às 22h. Uma jornada de trabalho que, além de extensa – são dez horas em frente ao volante –, não tem suas horas extras devidamente pagas, conforme exige a lei. “É muito cansativo”, disse Marcos, que realiza pelo menos quatro viagens diárias de ida e volta entre Tijuca e Pavuna. Sobre a falta de trocador na linha, que atribui a ele uma dupla função, Marcos é enfático: “isso não tem mais volta”.
Pouco mais de 77% da frota da cidade do Rio circula, atualmente, sem trocador. Isso equivale a 334 dos 443 itinerários previstos. Segundo a Rio Ônibus, a árdua tarefa de dirigir e cobrar ao mesmo tempo só pode ser feita em linhas que tem 70% ou mais de passagens pagas com bilhete eletrônico. Desde 2012, 9 mil cobradores foram demitidos. O número de rodoviários caiu de 45 para 28 mil. Os dados são do Sindicato dos Motoristas e Cobradores da Cidade do Rio (Sintraturb).
Naquele dia, Marcos mal havia começado a viagem e já se deparou com um imprevisto na região do Maracanã. Um dos retornos da Avenida Radial Oeste, utilizado todos os dias para facilitar a transposição de faixas, estava interditado por homens da CET-Rio. O motorista foi obrigado a conduzir o 665 pelas ruas do bairro até encontrar um retorno que lhe colocasse de volta na avenida que circunda o estádio. Isso levou mais de 20 minutos.
O percurso inesperado foi marcado por comentários insatisfeitos de alguns passageiros. Alheio a tudo isso, Marcos seguia dirigindo rumo à Pavuna com o corpo ligeiramente inclinado em direção ao volante. No espaldar, uma toalha verde o protegia do contato direto com o banco sujo. Diante da tranquilidade e concentração com as quais conduzia o veículo, a advertência: “Fale ao motorista somente o indispensável”, situada no painel acima do para-brisa e ao lado de uma câmera de vigilância, parecia supérflua ali. O trabalhador é um homem de poucas palavras.
O ônibus passou por alguns outros bairros, entre os quais São Cristóvão, sede do jornal A Nova Democracia, antes de alcançar a Avenida Brasil e, mais adiante, o destino final. No percurso, uma cena se repetiu incontáveis vezes: “ô, piloto, abre aí”, pediam alguns passageiros impacientes. Acionar a “cigarra”, dispositivo sonoro que acusa que alguém precisa descer, não adiantava muito. Aquele 665, por estar em péssimas condições de uso, com assentos danificados e peças soltas em toda a sua extensão, fazia um barulho estrepitoso, dificultando, assim, que Marcos ouvisse o soar da campainha.
Durante toda a viagem, uma atenção fragmentada foi exigida do motorista: conduzir o ônibus em meio ao intenso trânsito da Avenida Brasil, cobrar passagens, ouvir os nem sempre antecipados e gentis pedidos de parada dos passageiros. Entre uma viagem e outra, o prazo para descansar é mínimo, alguns minutos apenas. Antes de voltar para a Tijuca, ele ficou somente quatro minutos no ponto da empresa situado na Pavuna.
Marcos denuncia o não pagamento de direitos trabalhistas. “Ninguém recebeu as férias e o décimo terceiro do ano passado foi parcelado em três vezes”. Luiz Alberto da Silva, que também trabalha na linha 665, disse que ainda não houve o acerto do salário dos fiscais referente a abril. Segundo ele, a empresa demitiu pelo menos 500 trabalhadores desde o início do ano.
Apesar da vida cada vez mais precarizada pela crise econômica, Marcos esbanjava felicidade e otimismo naquele dia que era o de o seu 45º aniversário.