Fotos: Arquivo pessoal
Em entrevista exclusiva a AND, o experiente ator Breno Moroni fala de seu trabalho no filme A conspiração do silêncio e da emoção de participar da representação da história de sua própria irmã, a guerrilheira do Araguaia Jana Moroni.
Breno Moroni, 49 anos, é uma espécie rara de ator. Ao longo de mais de 40 anos de carreira, tem se dedicado quase que exclusivamente ao trabalho no cinema e no teatro, na ânsia de obter uma satisfação total na profissão, o que, salvo a boa remuneração, não se consegue nas novelas da Rede Globo. Contudo, esse afastamento da TV o prejudicou bastante, já que a cultura imposta aos brasileiros, de acordo com suas próprias palavras, tem o costume de privilegiar o ator das telinhas.
“Nos outros países os atores de cinema são atores de cinema. Aqui, se traz os atores da TV para o cinema no intuito de vender ingressos”, coloca Breno, ao falar sobre sua mais recente investida no cinema nacional: o filme A conspiração do silêncio.
Apesar de interpretar um personagem de pouca expressão no longa-metragem – uma produção do cineasta brasiliense Ronaldo Duque sobre a Guerrilha do Araguaia, luta armada entre militantes revolucionários e tropas da ditadura militar levada a cabo no início dos anos 70 nas matas do sul do Pará e norte de Tocantins -, Moroni se destacou em meio às filmagens. Tendo uma história de vida que se confunde com a da trama, atuar no filme para ele se revelou como uma questão pessoal: “Não estava ali só como um mero ator, estava ali como um brasileiro”, declara convicto.
Ficção e dura realidade
O episódio que estabelece sua conexão com o enredo de conspiração começou em julho de 1971 quando, após se despedir da irmã, Jana Moroni, na porta dos fundos de um teatro, nunca mais a viu. Nascida em 10 de junho de 1948, no estado do Rio de Janeiro, Jana cursava a faculdade de Biologia na UFRJ e, segundo informações de conhecidos, estava ligada à União da Juventude Patriótica (UJP), organização de jovens ligada ao PCdoB (Partido Comunista do Brasil). Ali, trabalhava com outros companheiros como responsável pela imprensa clandestina do Partido.
Partia, aos 22 anos, para uma viagem sem volta rumo à região onde, a partir de 12 de abril de 1972 se travaram os combates entre guerrilheiros e militares no Araguaia, mudando-se para a localidade de Metade, sul do Pará. Naquelas imediações, Jana casou-se com o também guerrilheiro Nélson Dourado (codinome Nelito) e passou a atuar como combatente do destacamento A da guerrilha, desenvolvendo também atividades como professora.
Há informações – que foram obtidas com grande margem de incerteza pela mãe de Jana, D. Cyrene – de que, em janeiro de 1974, ela teria sido capturada por uma patrulha do Exército sob o comando do Sargento Bandeira: (…) “estava quase desnuda, cheia de escoriações, toda mordida de bichos, foi amarrada e levada, dentro de um saco, para Xambioá, e não se sabe que rumo tomou depois disso”, diz o relato. Segundo depoimentos colhidos ainda por D. Cyrene na região, a guerrilheira foi levada para uma localidade às margens da Transamazônica, chamada Bacaba, onde existia um núcleo de torturas das Forças Armadas e um cemitério clandestino.
Hoje, após anos de pesquisas e de idas e vindas ao Pará, Breno e sua mãe conseguiram obter poucos dados sobre o real paradeiro de Jana, que foi dada como desaparecida política em 1979.
“Jana era uma perseguida política, uma jovem idealista. Teve que abandonar a faculdade e se esconder, e acabou se escondendo naquela região. Viveu algum tempo por lá, mas em sua última carta, que data de fevereiro de 1972, não existem referências quanto ao local exato onde se achava. Quando fui para o Araguaia consegui saber lendas a respeito, mas nada é oficialmente comprovado”, conta Breno, que compilou um vasto material sobre o caso, que vai de fotos, depoimentos e documentos de suas viagens à região.
Trabalhando como ator desde os cinco anos de idade, Breno nunca se estabeleceu unicamente no Rio. Já percorreu mais de 15 países e diversas localidades Brasil afora. Mas foi em Brasília que ficou sabendo de uma produção sobre o Araguaia que estava em andamento. “Escrevi uma peça de teatro sobre a guerrilha, há alguns anos, chamada Onde estás?, que ficou em cartaz no Teatro Oficina de São Paulo durante meses. Sempre tive vontade de trabalhar em algo ligado a este acontecimento. Por sorte, o primeiro diretor de fotografia de conspiração do silêncio era meu conhecido e sabia sobre minha peça. Ele falou a respeito do projeto do Ronaldo e me colocou em contato com ele. Acabei indo para Belém fazer o filme”, explica o ator.
O papel dado a Breno, no entanto, não estaria condizente com a sua ira em relação ao regime e a história que assassinou sua irmã. Bira, seu personagem, é um militar torturador, assistente do algoz principal dos guerrilheiros, Gavião (uma referência clara ao ex-deputado e major reformado Sebastião Curió, um dos comandantes do Exército no Araguaia), tinha poucas falas e não deixou vir à tona o seu desejo de justiça e vingança. No entanto, Moroni, como que impelido por uma vontade maior, passou a encarnar uma espécie de faz-tudo no set de filmagem.
“Acho que colaborei muito enquanto estive por lá, pois fiz questão de ficar na locação, queria ajudar com o que estivesse ao meu alcance. Assim, acabei me envolvendo com o pessoal dos efeitos especiais, das armas, etc.”, coloca o ator.
A justiça dos oprimidos
Adotando o codinome na guerrilha de Cristina e sendo bastante conhecida de todos no local, a história de Jana Moroni, segundo o ator, teve um desfecho bastante trágico. A despeito de não existirem provas concretas, e de Jana ter sido uma das últimas sobreviventes da guerrilha, ela, grávida, teria sido assassinada pelo major Curió. Breno diz: “Eu via o filme como uma possibilidade de vingança, e fiquei decepcionado, pois meu personagem era muito pequeno. Não considero um trabalho de ator, mas fiquei satisfeito em estar presente em cena”, comenta.
Moroni acredita que o cinema nacional sofre atualmente em função de um pensamento frequente na época do gerenciamento militar: “Os militares costumavam beneficiar alguns cineastas, concedendo dinheiro para eles. Essa cultura foi herdada e se mantém até hoje. O cineasta brasileiro precisa de dinheiro, quer dinheiro, mas precisa que esse recurso venha do ingresso, e não de patrocínios tipo Coca-cola. Deve-se criar um mercado de trabalho, incentivar a exibição de filmes nacionais e abrir salas de cinema para que essas produções possam ser exibidas. Nós vivemos num país onde boa parte da população não tem casa, comida ou educação; é um erro, portanto, um privilégio, o governo dar dinheiro para cineasta quando deveria estar construindo casas populares ou matando a fome dos miseráveis. O que falta também é uma lei de mercado, pois é um absurdo o Ronaldo Duque fazer um filme sobre a guerrilha e pagar imposto, já que ele está fazendo um favor ao país”, afirma categórico.
Para Breno, que tem em seu currículo mais de 70 filmes, A conspiração do silêncio tem o grande mérito de ser a primeira produção a respeito do tema, embora haja ainda muito que falar sobre a guerrilha.
“A guerrilha foi muito maior, o Ronaldo filmou apenas um pedaço dela. A história da guerrilha é como a história do Vietnã, podem ser feitos milhares de filmes. O filme não conta, por exemplo, nada sobre os degolamentos, e não aborda coisas que aconteceram que a gente nem sabe ainda. A minha proposta é que o Ronaldo faça o segundo, o terceiro, o décimo filme sobre esse tema, porque esse tema é rico, e é história viva do Brasil”, finaliza Moroni, que atualmente se dedica no Rio à Companhia Teatro Absurdo, onde dirige atores que são deficientes auditivos.