Um rasgo de esperança

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Um rasgo de esperança

Grafite obteve repercussão internacional através da internet

As jornadas de protestos desencadeadas em junho do ano passado remexeram profundamente com os corações e mentes de milhões de brasileiros. Temos publicado ininterruptamente desde então nas páginas de AND como esse novo momento da luta de classes que já se iniciou tem se desenvolvido.

Particularmente o meio artístico, que desempenhou importante papel na resistência e luta contra o regime militar e vinha há décadas sendo sufocado por um mando de mediocridade, da arte pela arte, também foi impactado pelos protestos populares. Como resposta a todo debate e inquietação, alguns representantes desse setor manifestaram-se, ainda que individualmente, mas de forma significativa.

Ney Matogrosso

Em 6 de maio, o cantor Ney Matogrosso já havia feito duras críticas a Copa da Fifa no programa “Grande Entrevista”, transmitido pela emissora portuguesa RTP.

 — Como é que está o Brasil? Nós, do lado de cá do Atlântico, temos visto nos últimos meses muitas manifestações, sobretudo esta que foi anunciada para o campeonato do mundo de futebol, e também dos jogos olímpicos, e temos a sensação que há um certo desconforto em relação a isso, até que ponto isto corresponde a verdade? — perguntou o entrevistador, a quem o cantor respondeu apresentando a sua forma de ver os protestos e a situação do Brasil nos dias atuais.

“Um certo não, um enorme desconforto” — respondeu o cantor.

“A educação é vergonhosa. Nós somos o país que mais paga imposto no mundo, para onde vai o dinheiro destes impostos? Nós não temos nada, este dinheiro não reverte em nada, o transporte público é horroroso, então, como é que o povo pode estar satisfeito com isso?

Para construírem os estádios, eles estão tirando moradores de áreas enormes. Eles tiram as casas deles, dizem que vão dar um apartamento um dia, então fica aquela quantidade de gente esparramada pela cidade dormindo pelo meio da rua. Não estou falando de classe média não, eu estou falando de gente pobre exigindo direitos e reclamando.

Agora o Rio de Janeiro, todo dia tem um assassinato, todo dia tem uma pessoa pobre morta, à bala, que aí fica assim: ‘Ah, foi tiro entre bandido e polícia’, aí você vai lá ver e não foi tiro de bandido, sabe? O Amarildo sumiu, não sei se vocês souberam, uma pessoa que a polícia pegou e levou para uma UPP, e desapareceu. Meses depois, e disseram que não sabiam dele, meses depois… eles mataram ele, levaram dentro de um camburão, levaram não sei pra onde e deram um sumiço no corpo dele.

O que a gente está vendo é um regime autoritário, não digo a presidência da república, mas o regime. A coisa policial é autoritária, é fascista” — conclui Ney Matogrosso.

O Rappa

Durante shows da banda O Rappa realizados no mês de maio nos eventos Triângulo Music, realizado em Uberlândia — MG, e o 13º João Rock, em Ribeirão Preto — SP, considerado o maior festival do gênero no interior paulista, o vocalista Marcelo Falcão também fez intervenções de protesto durante as apresentações para “desabafar”.

Em Ribeirão Preto, o vocalista falou ao público que respondeu com vaias e os mesmos gritos que ecoaram nos estádios de futebol durante os jogos da Copa contra a gerente do velho Estado, Dilma Rousseff, o que o vocalista respondeu com:

“Eu jamais falaria isso, mas vocês veem que o desabafo não é meu, é de vocês, é nosso, é de todo mundo…”

Juca Kfouri

Em 9 de junho, três dias antes do primeiro jogo da Copa da Fifa, o jornalista esportivo Juca Kfouri participou do programa Roda Viva, transmitido pela TV Cultura. Ele falou sobre futebol e sobre a história das Copas, mas a maior parte da sua sabatina no programa tratou de questões políticas que envolvem o megaevento e dos protestos populares que ocorrem desde a Copa das Confederações em junho de 2013.

Sobre a definição do Brasil como sede para o megaevento Kfouri não isentou nenhum dos governos de turno:

“Foi uma caravana ridícula, o governador do PT na Bahia, o governador do PSB em Pernambuco, para Zurique, em uma Copa que não estava em discussão. Foram 12 ou 13 governadores na comitiva do Ricardo Teixeira, para terem seu estádio na Copa do Mundo. Até a então senadora Marina Silva queria a Copa em Rio Branco. Essa responsabilidade está dividida.”

Kfouri lembrou o fato de ser José Maria Marin “que vai abrir uma Copa do Mundo ao lado da presidente da república, cujo marido foi torturado por um delegado de polícia chamado Sérgio Felury, e que ele (Marin) elogiou publicamente em um discurso da Assembleia Legislativa daqui em 1976”.

 “Por que o Brasil precisou fazer a rigor 12 estádios?”, questionou Juca Kfouri acrescentando que “é um absurdo fazer um estádio para 70 mil pessoas em Brasília, é um absurdo fazer um estádio em SP quando se tem o Morumbi. Não é o estádio ideal, vão dizer. O Brasil tem que fazer idealmente hospitais, escolas, transportes, educação”.

“Esses megaeventos só são bons para a Fifa, para as empreiteiras e a CBF” — concluiu em um momento do programa.

Raimundo Fagner

O cantor Raimundo Fagner disse não ao convite para tocar na “Fan Fest” da Fifa e dos monopólios em Fortaleza, Ceará.

“Fui convidado para fazer as ‘Fan Fests’ e desde o começo recusei. Até porque não gosto de cantar em Copa. E a produção, da Fifa com a TV Globo, acha que o artista está se sentindo muito bem em estar ali, tem até que pagar para estar ali. Achei meio ridículo” — declarou o cantor.

“É uma tremenda roubada. O que é Fan Fest? Não sei o que é isso. Quem é Fan Fest da Fifa?” — afirmou Fagner ao Uol Esportes em 9 de junho.

Gabriel, O Pensador

O cantor Gabriel Contino, mais conhecido como ‘Gabriel, O pensador’, também manifestou críticas a Copa da Fifa em sua participação no programa “Madruga SporTV”, em 19 de junho.

“Eu estava bem avesso à programação da Copa. Fui chamado para algumas coisas e não quis ir. Publicidade nem pensar, musiquinha de Copa… Porque eu estava com receio de me sentir cúmplice do lado ruim da Copa. Do absurdo que foi o gasto de dinheiro a mais do que precisava, a isenção de impostos que o governo deu” — disse o músico.

“Toda galera que foi para a rua enfrentando a polícia, a covardia, a repressão absurda, tentando mudar o país acabou canalizando essa energia também numa coisa anti-Copa. E para esses que foram contra a Copa, que queriam que a Copa não acontecesse, eu queria dizer que vocês me representam, na indignação, na coragem, na vontade de mudar o país que é muito mais importante que a Copa, que qualquer título, de qualquer esporte.

Eu amo esporte. Mas eu estou me sentindo cada vez mais indignado ao ver como o Brasil tem recursos para colocar a polícia, o exército, a marinha, os voluntários que se prontificam para ajudar a Copa a acontecer. Tudo funciona, apesar dos atrasos — que foram propositais para as obras ficarem mais caras — porque na hora da emergência aumentam o preço. Mas como que todo esse circo é montado e as coisas acontecem e como é que uma grávida não consegue parir no hospital? Um cara não consegue ser atendido como aconteceu essa semana, que não foi atendido no Hospital do Coração? Como que a segurança não consegue proteger nem o rico nem o pobre, matam o inocente? 

Espero que a Copa possa divertir as pessoas, todos têm o direito de assistir aos jogos. Mas que a Copa sirva para nos deixar mais indignados ainda, por esse lado, de ver como a gente tem um país rico, cheio de recursos… e cada vez mais a gente estava aceitando absurdos, falta de respeito, justiça, educação, saúde, emprego, tudo.

A gente teve essa Copa como catalizador, que começou com um protesto da passagem de ônibus, e de repente a Copa veio para botar lenha na fogueira. Eu acho que essa pode ser a melhor coisa que aconteceu” — concluiu o cantor.

Manu Chao

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Imagem divulgada pelo cantor Manu Chao

O músico francês Manu Chao também se manifestou, postando em seu perfil no Facebook a imagem de uma pessoa vestida com uma camisa do Brasil estampada com uma palavra de ordem contra a Fifa.

Artistas plásticos, cartunistas e grafiteiros realizaram vasta produção contra a Fifa nesse período e tiveram seus trabalhos replicados milhares de vezes na internet ganhando repercussão internacional. A imagem de um trabalho do grafiteiro Paulo Ito que mostra uma criança chorando de fome tendo diante de si um prato com uma bola de futebol circulou mundialmente. Essas manifestações somam-se às mensagens nos muros sob a forma de pichações, aos cartazes e intervenções artísticas nascidas nos protestos em todo o país.

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