Nesta oportunidade, Rui nogueira tece breves comentários sobre algumas personagens da carta, de autoria da dupla Antônio Palocci e Henrique Meirelles, respectivamente, ministro da Fazenda e presidente do Banco Central, a qual transcrevemos na íntegra. À maneira dos empregados de confiança de uma empresa colonial, a dupla se comunica com a direção, na metrópole, prestando contas das estripulias, suas e de seus parceiros. Na realidade, algo pior acontece, porque a empresa colonial é o Brasil. Aqui eles residem mas falam como estrangeiros, ainda que no idioma nativo. Em resumo, os dois cumprem o papel de supervisores locais de seu governo estrangeiro, a quem endereçam a carta datada de 28 de agosto do corrente ano: o famigerado Fundo Monetário Internacional (FMI).
Caro Sr. Köhler:
- Desde a última revisão do programa, o Brasil continuou a fazer importantes avanços em diversas áreas. Indicadores da evolução da inflação e de suas expectativas estão convergindo para as metas do governo, permitindo relaxar a política monetária. Em conseqüência do esforço do governo, a economia claramente superou as dificuldades iniciais e esperamos a retomada do crescimento em bases sólidas. O setor externo continua a ter um bom desempenho, com crescente diversificação de mercados e produtos, apesar de um ambiente internacional volátil.
- A agenda de reformas estruturais do governo avança com vigor no Congresso. A reforma da previdência foi votada em primeiro turno no dia 6 de agosto, tendo havido avanços nas discussões da reforma tributária. Também se verificou progresso na votação da Lei de Falências, estando previsto para breve a votação do projeto de lei pela Câmara dos Deputados. A política fiscal está de acordo com o estabelecido e a proporção da dívida vencendo em 12 meses continua a cair, assim como o custo da dívida interna. A redução da vulnerabilidade da economia também permitiu o Banco Central diminuir a exposição cambial da dívida pública referenciada em moeda estrangeira (swaps).
- No dia 25 de junho, o Conselho Monetário Nacional estabeleceu a meta de inflação para 2004 em 5,5% (mantendo a meta operacional adotada pelo Banco Central em janeiro) e estabeleceu a meta para 2005 em 4,5%. Apesar de ambas as metas comportarem uma banda de ±2,5 por cento, a política monetária estará visando firmemente o valor central dessas bandas. A confirmação da meta de 2004 reforça o papel da política monetária em prover um ambiente de estabilidade que facilite as decisões econômicas, ao mesmo tempo em que evita um custo excessivo em termos de produto que uma desinflação mais rápida traria.
- A legislação para os fundos de previdência complementar do setor público foi incorporada na própria reforma da previdência. Prevemos que a reforma estará concluída no final do ano, quando encaminharemos a legislação para a criação dos referidos fundos dos servidores civis, como estipulado no parâmetro estrutural acordado no começo deste ano. Acreditamos, portanto, que esse parâmetro não é mais necessário.
- Apesar de sua importância, a venda dos bancos federalizados avançou mais lentamente do que o previsto, em função, principalmente, de questões legais. Contudo, temos expectativa de um avanço significativo deste tema até o final do ano, com a conclusão de nova rodada de avaliações para a determinação do preço mínimo de venda e por isso propomos atualizar o parâmetro para o fim de setembro.
- Como de hábito, continuaremos a manter uma relação próxima de diálogo com o Fundo e, se necessário, estaremos prontos a tomar eventuais medidas adicionais para alcançar os objetivos do programa.
Cordialmente
Antônio Palocci Filho
Ministro da Fazenda do Brasil
Henrique de Campos Meirelles
Presidente do Banco Central do Brasil
(www.fazenda.gov.br/portugues/fmi/cartafmi_030820.asp)
Trapaceiro ou colonial
Não fosse retirada do próprio portal do Ministério da Fazenda, na internet, não mereceria crédito esta carta, a começar pelo inacreditável grau de submissão que ela revela. É categórico que, em vez da defesa dos interesses do país, é a dos interesses do FMI que assume maior importância nesses governos pós-64, num crescente de desfaçatez e impunidade. A estabilidade financeira prometida, o comportamento das votações, a legislação embutida na própria reforma, etc., etc., por si só, fariam de qualquer comentário uma espécie de análise de anedota, ou seja, algo inteiramente dispensável — razão pela qual preferimos não interferir na apreciação do leitor em grande parte da narrativa, pela sua própria natureza hilariante.
Portanto, vamos nos reportar apenas a alguns trechos:
“A legislação para os fundos de previdência complementar do setor público foi incorporada na própria reforma da Previdência.”
Previdência complementar x privada
A previdência complementar é um negócio maravilhoso, extremamente lucrativo. Iniciase o sistema, e durante décadas haverá o recolhimento de contribuição. Nesta tarefa, as despesas são mínimas e avoluma-se uma enorme montanha de dinheiro.
Apenas para efeito de raciocínio: se, de todos os contribuintes, 1 milhão deles, pagassem 100 reais por mês, as companhias de seguro (estrangeiras) receberiam 100 milhões ao final de 30 dias, 1,2 bilhão por ano. Quanto arrecadariam essas companhias estrangeiras com o passar de algumas décadas? Qual a garantia de que, antes disso, ao se intensificar o número de aposentados para receber o benefício, as empresas ainda existirão e não serão transformadas?
A Previdência, sendo estatal, não pode falir nem ser alterada. Somente o governo pode dar absoluta garantia da aposentadoria do funcionário público, porque tem o direito secular de senhoriagem — o de emitir, produzir o seu próprio dinheiro.
Além disso, a empresa de seguros estrangeira recebe as contribuições e na condição de entidade financeira, tem que remunerar os seus acionistas no exterior. Por certo, haverá quotas para serem enviadas e também o farão em dólares. Isso obriga ao governo a abastecer o mercado com a moeda estrangeira (atualmente, o dólar não tem praticamente nenhum lastro, exceto o da imposição), o que é feito com empréstimos sob juros absurdos e/ou venda de matérias-primas a preços irrisórios — uma tonelada de minério de ferro é vendida pela bagatela de US$ 7 —, como de costume.
A propósito, no caso do funcionalismo público, qual a vantagem de ser funcionário com o salário cada vez mais achatado, e sem garantia, ao menos, de uma aposentadoria digna? Com mendigos, apelidados de funcionários públicos, quem defenderá o Estado e fará funcionar a sua máquina? As Ongs? Gente do povo, trabalhando como funcionária do serviço público é, como já foi explicado em AND 13, uma conquista republicana. Porém, que conceito de República os “globais” submissos ainda podem reconhecer? Como comportar, num mesmo país, república e as formas mais extremas de pilhagem colonial?
Onde reside a importância de vender os bancos federalizados? Ainda mais, passá-los para as mãos de estrangeiros? Ambos se desculpam (exagero, radicalismo nosso?) na demora causada pelo avanço mais lento que o previsto “em função, principalmente, de questões legais”. Tudo bem; afinal foram resolvidas as questões legais (criados os artifícios legais para a negação do legal, legitimando outra situação legal) e há a promessa de novas negociações — cujo parâmetro, se aconselha, deve ser atualizado.
A partir disso, o povo não deve opinar, lógico, resguardando-se de incorrer numa certa ingerência em assuntos internos do capital estrangeiro em nosso país. Contudo, por enquanto, se não for uma falta de educação, caso não afete a segurança nacional, não havendo a possibilidade da pergunta (entre tantas) ser mal interpretada, indagam os brasileiros: quanto deve custar a “expectativa de um avanço significativo deste tema até o final do ano, com a conclusão de nova rodada de avaliações” — em particular, quanto o povo deverá pagar por essa tal atualização do parâmetro?
Sobre a sepultura do Banespa
O Banco do Estado de São Paulo, Banespa, detendo as atenções da Justiça — por um breve momento apenas, sem a preocupação de promover uma CPI para ocultar um escândalo precedente, como em geral acontece — nas irregularidades que possam ter acontecido e nas manobras feitas para privatizá-lo e desnacionalizá-lo (já viram negócio financeiro sem comissão?), o que representa a compra do Banespa pelo Santander 1?
Conservaram o nome Banespa, de grande credibilidade no estado, mas com isso puderam continuar com os contratos e a custódia do dinheiro do estado de São Paulo, o “mais rico” do país. Evidente, e principalmente, também conservaram o recebimento de impostos, taxas e pagamentos de funcionários.
Calculado por um economista da UNB (Universidade de Brasília), há 1,6 bilhão de poupança arrecadada por mês, aplicada e até remetida para o exterior. Se não existe mais o Banco do Estado para amealhar a riqueza local, onde o governo local vai obter os financiamentos para as suas obras? No exterior. As obras das prefeituras serão pagas com real, mas financiadas em dólar.
Agora, é apertar salários, cortar investimentos, desprezar as políticas sociais básicas: saúde, educação, saneamento, etc., para garantir o serviço da dívida. O povo, orgulhoso, agradece pela honra de tornar perpétua sua condição de prisioneiro da agiotagem internacional.
Em reconhecimento, o povo deve protestar veementemente contra os que, considerando a Lei de Falências — um assunto interno —, afirmam que o ministro encaminhou essa lei, como um simples lobista, para aprová-la na Câmara em proveito dos estrangeiros.
*O Dr. Rui Nogueira é médico e escritor. Autor de Servos da moed a; Nação do so l; Amazônia, império das águas e Petrobrás, orgulho de ser brasileira.
1 Em 1982, foi instalado o primeiro escritório de representação do Santander no Brasil. Nove anos depois, começaram as operações do Santander Investment.
Sua expansão no Brasil inicia-se em 1997, com a aquisição do Banco Geral do Comércio. Depois, açambarca o Banco Noroeste. Em janeiro de 2000 é a vez do Conglomerado Financeiro Meridional (Meridional e Bozano Simonsen) e, no mesmo ano, o Santander “comprou” o controle do Banco do Estado de São Paulo, Banespa.
Em 2001, é realizada a “transferência” das ações do Banespa, na época já pertencendo ao Banco Santander Central Hispano, para o Banco Santander S/A (antigo Banco Bozano Simonsen). A composição do grupo Santander passou pelas casas financeiras: Banco Santander Central Hispano, com sede em Madri; Banespa; Banco Santander Meridional; Banco Santander Brasil e Banco Santander S/A. Mais tarde, sua estrutura foi simplificada para Santander Central Hispano de Madri; Banco Santander Brasil; Banespa e Banco Santander Meridional, tornando-se o terceiro maior grupo financeiro privado no país.