Neste ano de 2007 completam-se 50 anos do Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Econômica Européia e 15 anos desde a assinatura do Tratado de Maastricht, o Tratado da União Européia. Comemoram o USA e o patronato europeu, os protagonistas maiores deste meio século de integração capitalista dos atuais 27 Estados-membros.
Em busca de novos mercados para suas empresas e dedicado à contenção do comunismo, o USA contribuiu desde os primeiros conluios com o Plano Marshall e a Organização do Tratado do Atlântico Norte — OTAN, aspectos econômico e militar de um mesmo esforço imperialista. Seu dedo nessa história — história que segue — explica em parte o empenho atual no anticomunismo em instâncias supranacionais como o Parlamento Europeu e a Comissão Européia.
As confederações patronais estão diretamente envolvidas na elaboração das diretrizes comuns dos países europeus desde seus antecedentes. O chamado eixo franco-alemão, dobradinha histórica de industriais franceses e alemães, liderou os esforços pela criação, em 1951, da Comunidade Européia do Carvão e do Aço, a fim de aumentar os lucros da indústria energética e da siderúrgica desses dois países e da Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo.
Hoje, as entidades representativas do grande capital continuam na linha de frente do envolvimento e do apoio aos novos passos (novas ofensivas) da integração capitalista européia. A União das Indústrias da Comunidade Européia — UNICE marca presença desde a criação da CEE, em 1957. Já a Mesa Redonda dos Industriais Europeus (European Round Table) chegou em 1983 e nunca mais se foi.
É de responsabilidade desta última o documento intitulado Redesenhar a Europa, datado de 1991. Esse documento serviu de rascunho para o Tratado de Maastricht, assinado em fevereiro do ano seguinte, durante o aumento das reivindicações do poder econômico para que se acabasse de vez com os pilares do Estado de Bem Estar Social europeu — erigido pela própria burguesia para rivalizar com o socialismo.
Neste ano de confraternização capitalista em torno das bodas de seus empreendimentos, comemora também a esquerda oportunista européia, cujo “compromisso estratégico” com a direita não se foi com o fim do Bloco social-imperialista, impostor que se fazia passar por soviético — como denunciavam os chineses na época do Presidente Mao Tsetung. Ao contrário: exatamente porque é oportunista, essa falsa esquerda européia é hoje quem melhor faz ecoar a mentira mais bem passada do patronato dito empreendedor, a de que o melhor para as empresas é também o melhor para os trabalhadores.
Sobre essa mentira vêm sendo alicerçados alguns dos mais recentes desdobramentos da Europa unificada sob a égide do capital, como a moeda única, a resolução Bolkestein, a área Schengen e a Constituição Européia.
Moeda única & soberania
Há cinco anos, quando da implementação do Euro na maioria dos países da União Européia, a propaganda oficial garantia que a moeda única e o “pacto de estabilidade” que a acompanhava eram o quanto bastava para o “progresso social” e o “desenvolvimento econômico” dos Estados-membros. Hoje, mesmo os estudos comprometidos com a lógica capitalista mostram que o único indicador que apresentou crescimento foi o das taxas de lucros das empresas transnacionais.
A adoção do Euro se baseou no mascaramento da defasagem entre o seu valor cambial e a situação real das economias nacionais dos países que o adotaram (com a adesão da Eslovênia em 1º de janeiro desse ano, a “zona Euro” é composta de 13 nações). Sua existência passou a significar a perda das soberanias monetárias, ou seja, da capacidade de cada país emitir sua própria moeda — transferida então para o Banco Central Europeu — e consequentemente a perda de um instrumento soberano para reagir às investidas predatórias do capital e responder às necessidades de cada população.
O “pacto de estabilidade” imposto como condição para a adesão à moeda única sacrificou investimentos públicos e mutilou direitos para reduzir os custos de operação dos grandes grupos econômicos. Com o Euro, este poder econômico com a maior liberdade para ir e vir sem maiores preocupações ganhou também maior liberdade para chantagear povos inteiros e extorquir toda sorte de ataques ao que restasse de garantias laborais e previdenciárias.
Nos bairros operários o percentual de recusa à
Constituição única esteve muito acima da média
Cinco anos depois da implementação do Euro e o do pacto assinado pelos representantes das gerências políticas nacionais, perderam os trabalhadores. Ao contrário das maravilhas anunciadas — e principalmente nos países europeus mais economicamente combalidos — o resultado é a perda do poder de compra dos salários. Isso para quem continuou a receber um salário: o desemprego disparou com a onda de falências que ainda hoje perdura na pequena produção local, impotente ante as facilidades ainda maiores que o capital monopolista acabava de receber de mão beijada.
Como prêmio de consolação os europeus não precisam mais passar por uma casa de câmbio antes de cruzarem as inúmeras fronteiras da “zona Euro”.
Direito à exploração
Há tempos circula pelas várias instâncias supranacionais da Europa um documento chamado Diretiva Bolkestein. Apareceu pela primeira vez em 2004, na Comissão Européia — órgão responsável por propor legislação ao Parlamento Europeu — recomendando a criação de um mercado comunitário de serviços. Mais precisamente, em sua versão original, o documento reclamava um quadro jurídico que suprimisse “os obstáculos à liberdade de estabelecimento de serviços entre os Estados-membros”.
Por trás do pomposo credo liberal, o texto da Diretiva Bolkestein previa a total supressão das regulamentações nacionais sobre os serviços, além do fim da autonomia de cada Estado para definir a natureza e o financiamento dos serviços públicos. Propunha, enfim, colocar a água, a energia, os serviços postais, a saúde, a educação e a segurança pública única e exclusivamente às ordens do capital, retirando ao Estado a soberania sobre serviços que são direitos, e colocando esses direitos à mercê das estratégias de mercado do poder econômico.
O documento ia além, sugerindo o “princípio do país de origem”, segundo o qual uma empresa transnacional deveria estar sujeita apenas à legislação do país onde a matriz estivesse registrada, liberando o capital do respeito às normas dos países onde se estabelecesse para operar.
Os trabalhadores europeus se mobilizaram contra a afronta, principalmente contra o “princípio do país de origem”, que significava a subjugação das garantias trabalhistas determinadas a nível nacional e conquistadas com toda uma história de lutas contra as burguesias locais.
Sob essa estrondosa contestação, a Diretiva Bolkestein entrou em discussão no Parlamento Europeu, em fevereiro de 2006. Pressionados, os grupos majoritários de eurodeputados fizeram pequenas alterações no texto e incluíram uma declaração de intenções segundo a qual não se tinha por objetivo “a liberalização dos serviços de interesse econômico geral, nem a privatização das entidades públicas prestadoras desses serviços”.
A Bolkestein seguiu então para o Conselho Europeu, última instância de apreciação antes que retornasse ao Parlamento para a apreciação final e votação. O Conselho, que em seus objetivos expressos diz existir para promover a democracia e os direitos humanos no continente, enviou de volta ao PE um documento que retomava a essência inicial da diretiva, “corrigindo” através de ambigüidades normativas as já modestas alterações conseguidas após forte pressão dos trabalhadores. A Bolkestein foi aprovada no Parlamento Europeu em novembro do ano passado.
O texto final afirma, por exemplo, que a legislação laboral não é afetada pela diretiva, mas esta disposição está condicionada pelo “respeito ao direito comunitário”, eufemismo para falar da submissão às regras gerais da concorrência. Uma porta aberta para a aplicação por vias judiciais do “princípio do país de origem”, quando este for conveniente aos interesses das empresas.
Foi exatamente deste pormenor que se valeu a companhia aérea irlandesa Ryanair para, recentemente, processar o Estado francês, antes mesmo da entrada da Bolkestein em vigor. A empresa alega que a aplicação do direito trabalhista local é “ilegal e anticoncorrencial”, além de “contrária às normas comunitárias sobre a livre circulação de mão-de-obra e de serviços e sobre a liberdade de estabelecimento”. A Ryanair reivindica judicialmente seu direito de pagar salários menores a funcionários que têm direito a salários maiores.
Europol e área Schengen
Paralelamente ao empenho do capital monopolista para incrementar a exploração a nível europeu, existe o esforço incessante destinado a neutralizar a resistência do proletariado e de outros setores comprometidos com as lutas sociais. A colaboração policial entre os Estados-membros da UE vem se reforçando simultaneamente à consolidação da Europa construída ao serviço do poder do capital monopolista.
Sendo assim, logo após a assinatura do Tratado de Maastricht, surge a Europol. A polícia européia aparece como atualização da histórica cooperação entre as classes dominantes dos vários países europeus em matéria de união de esforços para perseguição política. Uma cooperação que não sai da ordem do dia desde que a burguesia percebeu sua importância para reprimir o movimento operário de século XIX.
A Europol funciona de braços dados com o sistema Schengen. A área Schengen nasceu em 1985, quando sete países da União Européia assinaram um acordo para eliminar a necessidade de postos de controle em suas fronteiras comuns. Criada em nome da “unidade européia”, a área Schengen, hoje, é um monstruoso sistema de registro e controle dos cidadãos de 15 nações e dos estrangeiros que por elas circulam. Com sede em Estrasburgo, o Sistema Informático Schengen (SIS) conta com um banco de dados capaz de armazenar cinco milhões de fichas policiais.
De acordo com os estatutos do sistema, um cidadão com passaporte de um país não incluído na Schengen precisa de visto para apenas um país da área, tendo direito a livre-trânsito em todos os demais pelo período que sua autorização de entrada permitir. Na prática, são inúmeros os casos de africanos e sul-americanos vítimas de detenções e deportações ilegais. “Indesejáveis” com todos os documentos necessários, cujo único crime é a ousadia de acreditar que as facilidades prometidas pela área Schengen são mesmo para valer.
“Não” ao euroimperialismo
O Tratado de Roma, que agora completa 50 anos, já se fazia entender quanto à sua natureza. Seu artigo 110 não esconde a quem veio servir: “A política comercial comum tem em conta a incidência favorável que a eliminação dos direitos entre os Estados-membros pode exercer sobre o crescimento do poder competitivo das empresas desses Estados”.
A tônica na eliminação dos direitos entre os Estados-membros se refere não apenas à derrubada das legislações nacionais para abrir caminho às regras normativas comunitárias, mas também — e consequentemente — aos direitos e garantias conquistados pelos trabalhadores, seja em suas lutas internacionais, seja naquelas travadas nas fronteiras de cada realidade nacional. Essa tônica regeu toda sorte de tratados, acordos e medidas desde então levadas adiante pela força do poder econômico.
O golpe final desse processo foi tentado com o Tratado que estabelece uma constituição para a Europa, assinado também em Roma, em 2004. Um projeto que pretendia reunir, radicalizar e consolidar os objetivos de todos os documentos assinados ao longo desses 50 anos e atribuir ares “constitucionais” às pretensões do capital monopolista.
Mas as pretensões por trás da Constituição esbarraram na sua recusa por parte do povo francês e do povo holandês. Em referendos realizados nesses dois países europeus os trabalhadores votaram contra o projeto constitucional, em maio e junho de 2005, respectivamente. Rejeitaram a idéia de ver seus destinos governados com poder ainda maior pela União Européia dos interesses contrários aos da sua classe. Desmascararam os governos de direita e da esquerda oportunista, que buscavam o respaldo da população para um tratado catastrófico para a própria população.
A vitória só foi possível graças à mobilização das forças da esquerda autêntica e dos movimentos populares realmente comprometidos com seu povo. Nos bairros operários o percentual de recusa à Constituição única esteve muito acima da média. É certo que mais cedo ou mais tarde as classes dominantes européias voltarão à carga, mas a força popular vem dando amostras de que é capaz de resistir à truculência, e que se opõe à Europa dos tratados, construída à custa da dignidade dos próprios europeus.