As empresas de comunicação no Brasil nos têm brindado com uma versão única e replicada a respeito da Segurança Pública. O Estado tem ferramentas para lograr esse consenso. A mais importante é a verba publicitária. O jornal Le monde Diplomatique na sua edição nacional segue essas mesmas diretivas.
O fato que chama a atenção é que esse mesmo jornal conservador, fora do Brasil (e do patrocínio do governo FMI-PT), ao comentar as ações policiais acontecidas no Rio de Janeiro o faz desde um ponto de vista que aqui certamente lhe cortaria as verbas. Na sua edição Cono Sur (destinada à Argentina, Uruguai e Paraguai) de janeiro, traz uma série de reportagens cujo foco principal é a polícia como elemento mafioso nos dois maiores países da América do Sul, intitulada O Estado refém do crime organizado.
O título grandiloquente, entretanto, esconde que, de fato, o Estado não é refém nenhum do crime organizado, senão que organizador, promotor e defensor dos crimes aos quais finge dar combate, o utilizando como pretexto para implementar as mais brutais políticas antipovo contra os pobres.
Nas matérias dedicadas à Argentina são retratadas as atuações da polícia como organizadora da delinquência. No texto de Ricardo Ragendorfer, A máfia argentina veste azul (cor do uniforme da polícia de Buenos Aires), surge um retrato do modo particular de como a polícia dessa província atua delitivamente, operando como empresa, fixando metas de lucros. Nos anos 90 o objetivo de cada delegacia de Buenos Aires era arrecadar uns US$ 15 mil por mês. Para isso promoviam o tráfico de drogas, desmonte de veículos, extorsão, criação de ‘áreas liberadas’ para a consumação de assaltos e sequestros etc. Do dinheiro arrecadado, metade ficava com o delegado, seu vice e agentes, e a outra metade subia para as chefias até chegar ao topo da “segurança pública” que comandava 300 delegacias. Isso ficou provado por uma ampla investigação que culminou na exoneração de muitos agentes.
Mas, como em toda organização mafiosa, a queda de alguns dos seus elementos não impede que rapidamente se reorganize e o faturamento continue. Aliás, ainda que não conste da matéria, uma especialidade da Polícia Federal argentina é o roubo a bancos, especialmente cofres de segurança. A raposa cuidando do galinheiro.
Ragendorfer destaca o costumeiro assassinato de jovens empobrecidos por policiais, uma versão local do “auto de resistência”. A polícia de Buenos Aires atua dominando o método de criar e recriar a insegurança, chantageando bandidos e autoridades; amedrontando a sociedade e se apresentando como a única solução.
Mas a matéria principal é a dedicada ao Brasil, sob o título: “Guerra às drogas ou guerra de classes? O narcotráfico muda de mãos no Rio de Janeiro“, de Nazaret Castro. Relatando a política de “segurança” do Rio de Janeiro, a operação no Complexo do Alemão, comenta: “a imprensa carioca celebra a ocupação do Alemão como se fosse o desembarque na Normandia. O dia D da guerra contra o crime organizado. A população das favelas se debate entre a esperança que significam as UPPs e o medo da atuação policial de fama brutal”.
E cita Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de segurança: “está se apresentando como uma vitória do bem contra o mal; a polícia contra os criminosos. Mas essa interpretação é falsa e perigosa. Essa visão maniqueísta mascara elementos centrais para a análise, como a questão policial: a polícia como incubadora e protagonista do crime, e não só conivente ou cúmplice”. E reforça: “Não existe nenhuma forma de criminalidade no Rio em que não estejam presentes segmentos da polícia corrupta”.
A reportagem cita ainda o deputado estadual Marcelo Freixo, presidente da CPI que investigou os grupos paramilitares apelidados de “milícias” e expõe ainda os motivos para as remoções de favelas e/ou seu sitiamento por forças policiais.
Porém, e o Le Monde Diplomatique só vai até aí, ninguém se atreve a indicar o verdadeiro responsável pela organização mafiosa da polícia, pela política da privilégios ao capital financeiro e à especulação imobiliária, principalmente no Rio.
Chegam a condenar “toda a polícia”, e não apenas “desvios de conduta” individuais ou de pequenos grupos, como a toda hora se referem os porta-vozes das corporações policiais. E esse é maior passo que podem dar, porque nutrem a todo o momento a ilusão de uma “nova polícia” criada pelo velho Estado, algo impossível, devido a que as classes dominantes que dão seu caráter erigiram sua riqueza sobre a exploração, roubo, miséria, opressão e repressão sobre o povo.
E para que fique claro que esse perfil das polícias percorre o Brasil de norte a sul, A Nova Democracia publica pequenas notas sobre crimes contra o povo cometidos por policiais.
Manaus
Jovem é torturado e baleado por PMs
Em 23 de março, policiais militares flagrados por uma câmera de segurança agredindo um menino de 14 anos, em agosto de 2010, foram presos em Manaus, Amazonas.
No vídeo, o garoto, que estava sozinho, é abordado violentamente, cercado, torturado e atingido por tiros à queima-roupa por policiais. Cinco disparos acertaram a área do peito. Segundo declarações prestadas ao Ministério Público, se o vídeo tivesse áudio daria para escutar a mãe do menino implorando para os PMs não matarem seu filho.
As imagens só foram divulgadas em fevereiro desse ano, quando as investigações foram iniciadas. A família do jovem está incluída em um programa de proteção a testemunhas.
São Paulo
Integrantes de grupo de extermínio são absolvidos
Os policiais militares Jorge Kazuo Takiguti e João Bernardo da Silva, acusados de integrar um grupo de extermínio conhecido como “highlanders”, foram inocentados na noite do dia 17/3, no fórum de Itapecerica da Serra, em São Paulo, pela morte de Roberth Gomes, 19 anos, e Roberto Ferreira, 20. As vítimas teriam sido sequestradas pelos PMs no Capão Redondo, zona Sul de São Paulo, na madrugada de 6 de maio de 2008.
A morte dos rapazes também apontou a participação de outros quatro agentes que estão presos. Rodolfo da Silva Vieira, Marcos Aurélio Pereira Lima, Ronaldo dos Reis Santos e Jonas Santos Bento. Desses, os três primeiros confessaram a participação nos crimes e vão a julgamento no dia 15 de setembro. Jonas Bento também seria julgado no dia 17/3, mas seu advogado faltou à audiência.
No crime, os policiais abriram um grande corte na barriga de Roberth e deceparam as cabeças dos cadáveres, para dificultar o reconhecimento.
O grupo de policiais só foi identificado após o desaparecimento do corpo de um deficiente mental, que teria sido assassinado em 2008. O corpo da vítima foi encontrado sem mãos e sem a cabeça.
Policiais deixam escrivã nua
Recentemente veio a público um vídeo que mostra uma escrivã da polícia de São Paulo tendo suas roupas arrancadas a força durante uma revista por outros policiais. O vídeo foi gravado em junho de 2009, mas só agora foi divulgado pela internet. O caso ocorreu em Parelheiros, zona Sul da capital paulista.
A suspeita era de que a escrivã estaria escondendo dinheiro em suas partes íntimas. Dinheiro que teria sido recebido como propina para livrar um homem de investigação de porte ilegal de munições.
A moça, que teve seu pedido de ser revistada por policiais mulheres negado, foi algemada, jogada no chão e violentada em seu pudor, por um homem, que lhe tira, de forma agressiva, as roupas e vestes íntimas. Dois delegados foram afastados pela corregedoria da polícia.
Belo Horizonte
12 policiais envolvidos no assassinato de dois rapazes
Pelo menos 12 policiais foram indiciados por envolvimento nas mortes de Jefferson Coelho Silva, 17 anos, e seu tio Renilson da Silva, 39 anos [ver AND n° 75, Polícia mineira executa jovens trabalhadores].
Os dois moravam no Aglomerado da Serra, um conjunto de favelas na Região Centro-Sul de Belo Horizonte e foram assassinados durante uma operação da Polícia Militar na madrugada do dia 19 de fevereiro, gerando violentos protestos no bairro.Eles foram covardemente assassinados a tiros e não tinham envolvimento algum com crimes.
O cabo do Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam) da PM, Fábio de Oliveira, preso acusado de ser um dos autores do crime, foi encontrado enforcado na cela onde estava, no dia 23 de março. A suspeita é de suicídio.
Outros três policiais envolvidos nos assassinatos no Aglomerado da Serra, que também foram presos na última no dia 23/5, terão vigilância reforçada após a morte do cabo.