USA é mestre em extermínio animal

USA é mestre em extermínio animal

A mais antiga notícia que se tem de extermínio animal, tendo como causa a necessidade de suprimento para alimentação humana, diz respeito ao “rinoceronte peludo” da Europa Central e do Sul, há provavelmente 20 mil anos, como atestam as ossadas encontradas em cavernas. O animal dizimado ou era manso ou muito saboroso.

Depois, gradativamente, no decorrer das eras, foram desaparecendo da mesma maneira os grandes cervos, os mamutes, o cavalo selvagem e os bisões. Todos extintos na paisagem européia, em prenúncio ao que os descendentes dos europeus primitivos levariam ao restante do mundo após a conquista e a ocupação de outros continentes no século XVI.

Dos primeiros massacres completos que se tem notícia praticados pelo homem branco europeu — conquistador e colono —, toma vulto o acontecido nas Ilhas Mascarenhas, do Oceano Índico, entre 1550 e 1600: nenhum exemplar dos chamados “dodos”, uma espécie de pombo gigante, pesando até mais de 20 quilos de carne branca, conseguiu sobreviver. Impedida de voar pelo seu peso, essa ave, perseguida aos bandos e morta a pauladas, serviu de alimentação a tripulações inteiras de navios e, salgada, foi comercializada em outras terras. A ciência considera a perda irreparável, pela contribuição que o “dodo” poderia ter levado ao cruzamento e melhoramento das espécies avícolas para a obtenção de novas fontes protéicas em maior escala.

Do extremo asiático, no litoral e ilhas do Kantchstka, na Sibéria entre os Mares de Bering e Okhotsk, no Oceano Pacífico, por volta de 1750, um mamífero marinho — que atingia até nove metros de comprimento por mais de um metro de largura — a “ritina”, foi igualmente trucidada pela avidez e ignorância de caçadores e comerciantes. Parente muito próximo de nosso peixe-boi, de índole mansa, não pôde ser protegido da extinção completa, o que constitui perda irreparável para a cadeia da biodiversidade das espécies.

Bem antes, por volta de 1300, na Nova Zelândia, desaparecia uma espécie de avestruz que atingia três metros e meio de altura, a “moa”, devorada pela gula dos Maoris, aborígines locais. Quando os colonos ingleses por lá apareceram, só encontraram ossadas e histórias incríveis da existência dessa ave gigantesca, quase mítica.

Relatos de perseguições, aprisionamento, caçadas, matança generalizada e extermínio envolvendo espécies animais silvestres, principalmente após os séculos XVII e XVIII, em todos os continentes, são inumeráveis. Lugar de destaque entre esses, no entanto, concerne o extermínio dos “pingüins extermínio do Ártico” e o de “bisões das pradarias norte-americanas”.

No primeiro caso, poucos sabem ou tomaram conhecimento pela literatura especializada da existência anterior dessas aves marinhas de tamanho avantajado em territórios e ilhas do hemisfério norte, há 150 anos. Hoje em dia, encontram-se acantonadas em seu único habitat, o continente Antártico, como marca registrada ou logotipo oficial da parte austral do mundo. Historiadores, naturalistas, funcionários governistas e mesmo ecologistas europeus nunca se sentiram muito à vontade na tentativa de explicar a quase inacreditável façanha do extermínio da espécie por navegadores comerciantes de várias nações européias, principalmente as nórdicas, nos fins do século XVIII até meados do seguinte.

Como seus irmãos de sangue quente do extremo hemisfério sul, os extintos pinguins do norte também viviam em bandos, constituindo colônias de milhares de indivíduos distribuídas em sem número de ilhas do Atlântico Norte, tendo por centro de irradiação, ao que parece, a Islândia. Por centenas de anos, essas aves extremamente exóticas pela sua peculiar aparência, como que vestindo casacas em preto e branco, foram presas preferidas de navegadores que se aventuravam por aquelas paragens árticas em busca das prestigiadas peles, carnes e óleos.

Para o professor François Ramade, ex-diretor do Laboratório de Zoologia Geral da Faculdade de Ciências de Orsay, da Universidade de Paris-Sul, a captura dos pinguins do Ártico era feita com o intuito de suprir tripulações marítimas em carne e ovos. Embarcados vivos, eram abatidos às centenas, de acordo com as necessidades. Cientificamente, a espécie foi classificada como Pinguinis Impennis e podia atingir até um metro de altura. Por volta de 1830 já estavam praticamente extintos. Os dois últimos exemplares vivos foram capturados na Ilha de Eldey, nas proximidades da Islândia, em 1844. Seriam autóctones, originários do próprio Hemisfério Norte ou migraram do sul, ao tempo das glaciares? Fica a dúvida, mas também a certeza do horror que foi o seu extermínio perpetrado às vistas de governos, imprensa, centros de saber e cultura.

Para o caso dos “bisões das pradarias norte-americanas” e também das florestas abertas de coníferas — espécie de mamífero muito parecida com os búfalos africanos e asiáticos, mas ambientados em áreas não alagadas —, a perseguição, o massacre, a matança e o extermínio, entre o início e o final do século XIX, não têm paralelo na história da humanidade. Encontrado em todo o território norte-americano em grandes manadas, pastava e reproduzia-se desde o atual estado de Nova Iorque, no leste, até o Oregon no sopé das montanhas rochosas, a oeste. No Texas e norte do México, ao sul, subindo pelos estados centrais do Colorado, do Kansas, de Montana, até o Dakota do Norte, penetrava em território canadense, principalmente nas províncias de Alberta e Saskatchewan, o mais extenso habitat já dominado por espécie animal de grande porte. Naturalistas e historiadores estimam que existiam em número próximo a 80 milhões, dizimados em pouco menos de 100 anos pelo delírio e crueldade avassaladores de colonos brancos, funcionários de estradas de ferro, políticos e militares. Serviu até mesmo de recurso estratégico para espantar tribos indígenas cada vez mais para o interior e está documentado com farto material fotográfico.

Hoje, 600 animais, entre machos e fêmeas, adultos e jovens, existem em todo o território do USA e não mais do que 800 entre as árvores espaçadas das florestas de coníferas canadenses — últimos remanescentes da matança generalizada e extermínio animal.


*Flávio Garcia é engenheiro agrônomo e ex-consultor do Programa das Nações Unidas (PNUD) para a Amazônia brasileira. 
Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
Agora, mais do que nunca, AND precisa do seu apoio. Assine o nosso Catarse, de acordo com sua possibilidade, e receba em troca recompensas e vantagens exclusivas.

Quero apoiar mensalmente!

Temas relacionados:

Matérias recentes: