Não é novidade para os trabalhadores de todo o mundo que as classes dominantes sempre recorrem à demagogia como um instrumento a mais a serviço de suas estratégias de dominação. Nem tampouco constitui um fato novo que o imperialismo ianque, maior força de opressão das massas planetárias, figure na linha de frente da hipocrisia reinante e da contra-informação com a qual se bombardeia — junto com as bombas de fato e propriamente ditas — os povos insubmissos que perseveram com suas guerras de libertação nacional. Mas os criminosos do USA se esmeram na superação dos limites de sua própria desfaçatez.
Agora há pouco, no último mês de fevereiro, o dito Departamento de Justiça ianque tornou público quatro memorandos cujo conteúdo traz detalhes — detalhes cabeludos — das "técnicas de interrogatório" aprovadas para o uso dos agentes da CIA durante a administração Bush, o filho. Trata-se de uma espécie de regulamentação da barbárie que via de regra é dirigida a membros da resistência às ocupações promovidas pelo USA no Oriente Médio e na Ásia Central sob a bandeira da "Guerra contra o terror"; algo como uma normatização da tortura, com direito a infames e hipócritas tentativas de estabelecer limites para os massacres corpóreo e mental impostos a quem se compromete com a libertação de suas nações e se recusa a municiar a contra-insurgência com informações sobre seus companheiros de luta.
O primeiro documento, datado de agosto de 2002, autoriza os espiões da agência de sabotagem do USA a aplicarem dez tipos diferentes de torturas contra presos políticos covardemente sequestrados nos quatro cantos do mundo, muitos dos quais mantidos indefinidamente em prisões clandestinas instaladas em território alheio, mas cujo funcionamento conta com a prestimosa anuência dos comparsas de sempre nos quatro hemisférios do globo. Na época, o Departamento de Justiça ianque concluiu que não constituíam torturas métodos de flagelamento como o "confinamento com insetos", denominação auto-explicativa que dispensa maiores detalhamentos sobre como funciona.
Nos outros três memorandos, estes de maio de 2005, o Departamento de Justiça tergiversa sobre outras quatro "técnicas". Em todos os documentos a tônica é a mesma: tenta-se mascarar a tortura, maquiando-a com um discurso pseudo-científico no qual abundam considerações picaretas sobre os efeitos que os métodos da CIA para "vencer a resistência" produzem em quem eles são empregados, onde só falta mesmo dizer que tais métodos são benéficos para os próprios torturados.
Sobre a privação do sono imposta aos prisioneiros, o documento diz: "está claro que privar alguém de sono não envolve dor física severa. A privação de sono também não constitui um procedimento calculado para perturbar profundamente os sentidos, desde que seja usada por períodos limitados, antes que possam ocorrer alucinações ou outras perturbações dos sentidos". A respeito dos banhos de água gelada, os demagogos do Departamento de Justiça recomendam, com cinismo, que "a água jogada sobre o prisioneiro tem que ser potável", dizendo que "os responsáveis pelo interrogatório têm que estar certos de que a água não entre na boca, nariz ou olhos do prisioneiro".
Assassinos e ‘direitos humanos’
Sobre obrigar prisioneiros a ficarem nus, diz-se que "o prisioneiro pode ser mantido nu, desde que a temperatura ambiente e o estado de saúde dele permitam. Apesar de alguns prisioneiros se sentirem humilhados por esta técnica, especialmente por conta das possíveis diferenças culturais e da possibilidade de serem vistos por oficiais mulheres, ela não pode constituir ‘dor ou sofrimento mental severo’ de acordo com o estatuto".
Sobre dar tapas no rosto, considera-se que isso "não produz dor difícil de tolerar". A empulhação segue quando a pauta é a famigerada simulação de afogamento: "apesar de o sujeito poder sentir medo ou pânico associados à sensação de afogamento, a técnica não inflige dor física. Apesar de a simulação de afogamento constituir uma ameaça de morte iminente, os danos mentais prolongados não podem resultar em violações estabelecidas por lei que proíbem o infligir de dor ou sofrimento mentais severos. O alívio é quase imediato quando o pano é removido da boca e do nariz. Na ausência de danos mentais prolongados, nenhuma dor ou sofrimento mental será infligido, e o uso desses procedimentos não constitui tortura de acordo com o significado estabelecido por lei".
Entretanto, o malabarismo hipócrita muito mal disfarçado por trás da embromação tecnicista parece atingir seu ápice quando se tenta amaciar a "técnica" de amarrar o prisioneiro de cabeça para baixo e empurrá-lo contra a parede: "O som da pancada na parede será na realidade muito pior do que qualquer possível ferimento no indivíduo".
A liberação destes nefastos memorandos do Departamento de Justiça ianque precisa ser compreendida perante a lógica da Doutrina Obama, a de tentar fazer com que pareçam amenidades ou mesmo benfeitorias as políticas e ofensivas de morte que partem do USA. Desde que assumiu a chefia que ocupa, Obama vem tentando mascarar também a atuação pelo mundo da agência de espionagem ora sob suas ordens. Primeiro foi a promessa picareta de punir "os abusos da CIA" — como se sua própria existência não constituísse um abuso em si mesmo contra a soberania dos povos, conforme AND mostrou na edição 58 —, inaugurando o engodo da tortura com auto-crítica.
Agora, vem o Departamento de Justiça sob as ordens de Obama dizer que os agentes da CIA foram autorizados a utilizar procedimentos supliciantes, que não merecem outro nome senão o de tortura mesmo, mas que são apresentados nos documentos divulgados como algo pouco mais bruto do que carícias. É mais uma prova do que há tempos este jornal vem denunciando: a administração Obama é tão assassina quanto a administração Bush.
Isto sem contar as execuções, as operações clandestinas e as prisões secretas da CIA mundo afora, as quais o chefe Obama perpetuou. Ele mesmo, não obstante, não se cansa de desfraldar a bandeira dos "direitos humanos" — sempre inócuos e demagógicos quando invocados sob um regime de sistemática exploração — para fazê-la de instrumento de ingerência em nações como Cuba, China e Irã, que não são exatamente Estados populares, mas que nem por isso escapam ao falatório hipócrita que costuma sair da boca dos maiores assassinos.