A adoção do modelo colonial tornou-se inequívoca com as privatizações. E prossegue com a política de terra arrasada, por meio do projeto das parcerias público-privadas. Trata-se de oferecer dinheiro público a grupos privados, especialmente estrangeiros, com garantia de lucro para estes
Discutir se houve melhora do quadro econômico trai desconhecimento dos fatos e dos princípios que os regem. Pois não há qualquer possibilidade de melhora, enquanto os seguintes fatos continuarem:
1o Banco Central nas mãos dos que só cuidam do bem estar dos bancos e de rentistas;
2. o Conselho de Política Monetária elevando as taxas básicas de juros, já em 17,25% aa.;
3o governo federal taxando desbragadamente a produção, os consumidores e os trabalhadores, para pagar juros e sustentar lucros dos concentradores;
4o Brasil transferindo para o exterior 20% do Produto Interno Bruto (PIB), por meio dos preços do comércio exterior e de supostos serviços pagos a matrizes de empresas transnacionais no exterior;
5o governo federal reduzindo a cifras irrisórias seus investimentos fixos, (menos de 0,2% do PIB), enquanto a arrecadação federal subiu de 17% para 25% do PIB, em dez anos;
6indexadas as tarifas de serviços públicos, explorados por grupos privados estrangeiros e locais; 7. os mercados concentrados e à mercê das grandes empresas, sobretudo transnacionais;
8o investimento na produção desestimulado por taxas de juros, desemprego e achatamento do poder de compra dos consumidores.
Os economistas não enfeudados têm mostrado que a pífia retomada da atividade não tem como se sustentar por muito tempo, dependente que é das condições favoráveis na demanda mundial. Devo dizer mais.
1A estagnação já perdura por um quarto de século e tende a degenerar em queda livre. Para constatá-lo, basta observar a tendência declinante dos investimentos totais e, em especial, dos públicos.
2 Corrigido pelo índice geral de preços (IGP-DI) da FGV, o PIB caiu nada menos que 8,4 pontos percentuais, de 2002 para 2003. Deduzidas as exportações, a queda chegou a 10,1 pontos.
3 No PIB contam-se os impostos indiretos, que seguem crescendo (vide a brutal elevação da COFINS). Também os juros fazem parte do PIB. Somente os pagos pelo setor público já ultrapassam 12% desse agregado.
4 A perversa distribuição do PIB torna-se sempre mais iníqua, outro fator de futura depressão da economia produtiva. A receita operacional líquida dos 300 maiores grupos empresariais subiu, em percentual do PIB, de 48,7 em 2001, para 58,2 em 2002. Em 2003, mesmo diminuindo para 54,6, ficou muito acima de 2001. A participação dos salários no PIB, que ainda era 45,4% em 1990, afundou para 31,5% em 2003.
Vejamos, agora, se os "êxitos" têm algo de bom.
1 Crescimento das exportações. Houve saldo comercial de US$ 24,8 bilhões, em 2003, e de U$ 28,1 bilhões, em 10 meses de 2004. Mas esse dinheiro tem sido dilapidado em transferências de renda ao exterior, uma vez que a dívida pública externa tem crescido com novas captações, e as reservas pouco sobem. Isso se traduz em: a) mais ônus, no futuro, em juros e amortizações; b) valorização da taxa de câmbio do real, também ajudada por ingressos de capital estrangeiro especulativo: essa taxa favorece ainda mais as transferências de renda ao exterior; c) piora no nível e na qualidade dos empregos, dada a predominância dos produtos primários: historicamente, a servidão é um subproduto desse tipo de inserção no comércio mundial; d) a vantagem comparativa decorre dos recursos naturais, inclusive água, esbanjados, sem reposição, bem como dos salários baixos e da supressão de direitos sociais, ao contrário do que ocorre em países que se industrializam com empresas nacionais e competem por meio de tecnologia e da produtividade do pessoal qualificado.
2 Retomada de empregos em 2004. Só se pode falar nisso em comparação à profunda depressão de 2003. É a tartaruga ultrapassando a lesma. Conforme dados da PNAD (IBGE): a) o número de desempregados quase dobrou de 1993 a 2003: 4,4 milhões, para 8,5 milhões; b) só 10% dos novos ocupados ganham mais que R$ 780; c) 57% dos empregos são do mercado informal: em apenas 43% houve registro de carteira. De, pelo menos, 1980 ao presente, os governos não têm feito outra coisa senão consentir no subdesenvolvimento do País e agravá-lo, cada vez mais. A adoção do modelo colonial tornou-se inequívoca, de 1990 a 2002, com as privatizações. Este prossegue com a política de terra arrasada, por meio do projeto das parcerias público-privadas. Trata-se de oferecer dinheiro público a grupos privados, especialmente estrangeiros, com garantia de lucro para estes: os prejuízos ficam por conta do Estado. Jamais as políticas de bem-estar deram algo parecido aos trabalhadores, e os poucos direitos sociais que restam estão na mira dos "reformadores" para serem eliminados. Tudo — é lógico — sob a chancela do Banco Mundial e do FMI.
Outra consagração do modelo colonial está sendo feita por meio dos acordos comerciais, como os recém-firmados com a China e os que estão em fase de conclusão com a União Européia. Em troca da redução de barreiras a exportações primárias, o Brasil amplia as concessões aos capitais estrangeiros e estende a abertura a serviços e produtos industriais com maior tecnologia, a cuja produção renuncia na prática. É um novo Tratado Methuen (1703). Hoje, do Brasil com os países desenvolvidos.
Adriano Benayon, Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo, Alemanha. Autor de Globalização versus Desenvolvimento
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