A repressão à luta pela terra em Rondônia intensificou-se brutalmente desde o 2º semestre de 2015, especialmente no Vale do Jamari, como nossos leitores têm acompanhado no AND. A nomeação do coronel Ênedy Dias para o comando geral da PM do estado, em 11 de janeiro último, é parte da escalada repressiva contra o movimento camponês e também mostra do agravamento das contradições entre camponeses pobres versus latifúndiários na região.
População se junta indignada frente aos corpos de camponeses assassinados em Jaru
No dia 23/01, os dirigentes camponeses Enilson Ribeiro dos Santos e Valdiro Chagas de Moura foram brutalmente assassinados. Os assassinos armados os perseguiram, fizeram vários disparos e esmagaram suas cabeças com pedras em plena luz do dia em uma rua movimentada de Jaru, município onde está situada a sede da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) de Rondônia e Amazônia Ocidental. Enilson era coordenador da LCP. Ele e Valdiro lideravam as famílias que tomaram a fazenda Santo Antônio e eram coordenadores do Acampamento Paulo Justino, no município de Alto Paraíso.
Camponeses da região, cuja identidade preservaremos devido as perseguições do latifúndio e das forças de repressão, relataram à nossa redação que, em novembro de 2015, as famílias do Acampamento Paulo Justino foram despejadas por pistoleiros e foram acolhidas pelos moradores do Assentamento Terra Prometida, em Ariquemes. Desde então, as famílias desse Assentamento passaram a ser atacadas por pistoleiros. Os camponeses também denunciam o pretenso proprietário daquelas terras, um latifundiário da região, que teria ordenado vários ataques contra os acampados e moradores vizinhos.
Terror latifundiário
Em 05 de fevereiro, o portal do monopólio G1 publicou a matéria ‘Pais se recusam enviar filhos à escola após grupo aterrorizar assentamento’, que relata uma reunião de moradores com o diretor da Escola Municipal Padre Ângelo Spadari, na BR-421, onde denunciaram o terror promovido por pistoleiros: saques e roubos nas casas e em blitz nas estradas, morte de animais, toques de recolher e ameaças a motoristas dos ônibus escolares para não circularem próximo ao assentamento. Alexandre Bonfim, presidente do Conselho Tutelar de Ariquemes, visitou várias residências, a escola e constatou que nenhum dos 90 alunos da área estava estudando.
Jovem assassinado, outro desaparecido
Jovens desaparecidos
No dia 04/02, a LCP publicou uma nota sobre os acontecimentos brutais na fazenda Tucumã, na linha C 114, no município de Cujubim, onde camponeses que ocupavam a fazenda foram despejados no dia 28/01. “No dia 31, cinco ex-acampados foram de carro buscar alguns pertences deixados na fazenda. Estacionaram próximo e foram atacados a tiros por pistoleiros fortemente armados. Na fuga, os jovens se separaram, três conseguiram chegar numa vila e pegar uma carona até Cujubim. Moradores viram vários pistoleiros fortemente armados na sede da fazenda Tucumã. Eles abordaram vários camponeses perguntando pelos invasores de terra e pelo jovem desaparecido. No dia seguinte, a polícia localizou um corpo carbonizado dentro de um carro queimado”. Provavelmente seja Ruan Hildebran Aguiar, de 18 anos, ou Alysson Henrique Lopes, 23. Os jovens que não conseguiram fugir.
Policiais trocam tiros
Continua a LCP: “No dia 3 de fevereiro, policiais que estariam procurando pelo outro jovem desaparecido abordaram uma caminhonete com quatro pistoleiros, dentre eles o 3º sargento PM Moisés Ferreira de Souza. A polícia apreendeu um arsenal de guerra numa caminhonete e na fazenda: uma submetralhadora 9 mm, 3 espingardas [calibre] 12, 1 espingarda [calibre] 28, 1 espingarda [calibre] 16, 1 revólver [calibre] 38, mais de 300 munições intactas de diversos calibres, carregadores, coletes balísticos, capuzes, 1 rádio transmissor. Zombando da inteligência do povo, a polícia disse que o sargento pistoleiro conseguiu fugir, após agredir um policial no pé, quando era colocado na viatura! Ele se juntou a vários pistoleiros que estavam escondidos na mata e que começaram a disparar contra os policiais”. No dia 07/02, a polícia prendeu Rivaldo de Souza, proprietário da caminhonete. Conforme matéria da página Alerta Rondônia, ele trabalhava há 3 anos na fazenda Tucumã, era amigo do sargento e fugiu para a mata com o bando.
Quem é terrorista e criminoso?
Arsenal de guerra apreendido com pistoleiros do latifúndio
Em 14/01, durante visita a municípios do Vale do Jamari, o coronel Ênedy deu a seguinte declaração: “Quem invade, destrói, tortura pessoas, mata e queima propriedades só pode ser chamado de terrorista. Essas quadrilhas têm que ser punidas dentro do rigor da lei, se possível, na Lei Nacional de Segurança, que prevê esse tipo de ação criminosa. Tenho a determinação do governador Confúcio e do secretário de segurança para atuar diretamente e combater os conflitos agrários na região”.
Ele não se referia aos bandos de pistoleiros e policiais, a mando de latifundiários. O alvo das palavras e ações de Ênedy são os camponeses em luta pela terra, especialmente de movimentos combativos, que ele classifica como “criminosos disfarçados de sem terra”.
Em nota, a Comissão Nacional da LCP apontou o governador Confúcio Moura e o coronel Ênedy como os responsáveis pelo terror policial-latifundiário em Rondônia: “Tentar aterrorizar todos os que estão lutando contra a grilagem de terras da União destinadas a reforma agrária, acusar indiscriminadamente de serem ‘terroristas’ os milhares que lutam por seus direitos é ou não é terrorismo? É ou não é criminalizar a luta pela terra? Ao silenciar sobre o desaparecimento de Nilce, o assassinato de Lucas Silva, os mais recentes e brutais assassinatos de Enilson e Valdiro em Jaru, bem como os assassinatos de Renato Nathan, Élcio, Gilson, Terezinha, o desaparecimento de Luiz Carlos, o comando da PM de Rondônia não está absolvendo os que praticaram estes crimes e mais uma vez, contra a própria Constituição Federal, decretando a pena de morte por execução sumária em Rondônia? Ou seja, assassinar camponeses não é crime, não é problema, é solução para essa canalha!”.
E conclui fazendo um chamado aos verdadeiros democratas de todo o país para que se levantem em defesa dos camponeses de Rondônia.
Refutando calúnias
Sargento Moisés
Se os três jovens não tivessem sobrevivido e denunciado, certamente os desbocados veículos de comunicação do latifúndio em Rondônia acusariam a LCP dos crimes.
Enquanto bandos de pistoleiros cometem os mais brutais crimes contra os camponeses contando com a vista grossa das forças de repressão e do monopólio de imprensa, páginas apócrifas trabalham para confundir e desinformar, estampando bandeiras da LCP em notícias que revelam o agravamento das contradições no campo no estado.
E o coronel Ênedy, que antes atacava frontalmente e atribuía crimes a LCP, mudou o tom, dizendo que o que há no Vale do Jamari são “falsos sem-terra” que “praticam delitos em nome da LCP”, “elementos que tentam descaracterizar o movimento da Liga”, “provocando terror e destruição”.
Para além da pistolagem
Pistoleiros sendo presos
O judiciário ordenou a reintegração de posse da Área 10 de maio, no município de Monte Negro, onde vivem e trabalham cerca de cem famílias que tomaram a fazenda Formosa, parte da Gleba Rio Alto, terra pública “destinada à reforma agrária”, grilada por latifundiários. A polícia marcou para o dia 16/2 uma reunião com representantes camponeses e o latifundiário Caubi Moreira Quito, mandante confesso de pistolagem, conforme já noticiamos em edições anteriores do AND. De 18/01 a 04/02, 4 acampamentos foram despejados no Vale do Jamari e no Sul de Rondônia. Camponeses do Canaã e áreas vizinhas, em Ariquemes, sofreram com patrulhas rurais arbitrárias da PM.
Convite aos democratas: barrar os ataques fascistas!
Mãe de jovem camponês desaparecido exige justiça
A situação é gravíssima e a LCP alerta pra o fato de que está em curso o preparativo para uma grande onda de prisões e repressão ao movimento camponês no estado. Uma série de outros acontecimentos se desenrolou em pleno fechamento desta edição de AND. Estes fatos merecerão outras matérias em edições futuras.
Em 23 de fevereiro, em Jaru, Rondônia, será realizado um ato contra as perseguições, reintegrações de posse, sequestros, torturas e assassinatos de camponeses e lideranças, promovido pela LCP de Rondônia e Amazônia Ocidental.
Dirigentes camponeses e do movimento sindical, estudantes, professores, organizações democráticas e de defesa dos direitos do povo de Rondônia e de diferentes regiões do país participarão deste importante ato que levantará as consignas “Barrar os ataques fascistas à LCP de Rondônia e Amazônia Ocidental!”, “Barrar os grupos de extermínio, esquadrões da morte e assassinatos de camponeses!” e “Barrar a criminalização e a demonização da luta pela terra!”.
Repercutimos esse convite convocando nossos leitores em Rondônia e em outras localidades para responderem ao chamado da LCP apoiando decididamente o movimento camponês em sua luta contra o latifúndio e a repressão fascista. Aos que não puderem comparecer ao ato, suas manifestações de solidariedade podem ser encaminhadas para [email protected].
Coronel Ênedy e o terror no campo em Rondônia
O coronel Ênedy de Araújo é um personagem conhecido na repressão às massas camponesas em luta pela terra em Rondônia. Em várias edições do AND registramos seus serviços ao velho Estado que marcaram sua trajetória até que assumisse, recentemente, o comando geral da PM-RO. Sua indicação para este posto ocorre no momento em que as classes dominantes se organizam na tentativa de aniquilar as lideranças mais combativas do movimento camponês para tentar aplastar a luta pela terra no estado.
Em AND nº 14, já denunciamos a ligação de Ênedy com latifundiários grileiros de terras e suas calúnias proferidas no monopólio de imprensa contra os camponeses em luta e seus apoiadores. Na edição nº 34, registramos que o então major, em depoimento, reconheceu que policiais do seu batalhão faziam a “segurança” de latifundiários locais. Na nº 92, relatamos a prisão arbitrária de 22 camponeses efetuada por policiais do 7º BPM de Ariquemes, comandado por Ênedy. Na nº 129, repercutimos denúncia dos camponeses de que o coronel participou pessoalmente da invasão da casa de Renato Nathan, apreendeu ilegalmente livros e DVDs da liderança camponesa na tentativa de justificar sua execução por policiais (fato que sequer constou no inquérito). E esses são apenas alguns poucos casos que ilustram o papel nefasto do recém-nomeado comandante geral da PM de Rondônia.