Inscrições em muros da cidade de Caracas, Venezuela
O latifúndio na Venezuela está entre a vida e a morte. Se é verdade que o presidente Hugo Chávez lhe declarou guerra, este não é o principal motivo pelo seu enfraquecimento, porque a reforma agrária promovida pelo Estado é mais retórica que real. Os camponeses pobres é que estão impulsionando o que eles mesmos chamam de Revolução Agrária e avançam para o fortalecimento de um movimento nacional para a destruição do latifúndio.
Lacaios do imperialismo ianque tramam novas escaramuças para reconquistar o terreno perdido na Venezuela. Derrotada quando do referendum do mandato do presidente Chávez, em agosto de 2004, a oligarquia deste país, representada pela burguesia compradora, pelo latifúndio e pela burocracia enfeudada na PDVSA, a estatal do petróleo, conta sempre com a prestimosa assessoria do departamento de estado do USA. O latifúndio vem inclusive eliminando fisicamente as lideranças dos camponeses.
O latifúndio se apoderou de todas as terras. Os camponeses, expulsos, fugiram para as cidades, principalmente a capital. Os índios, para sobreviver, tiveram que ocupar os cumes gelados da cordilheira andina. A dominação do latifúndio impossibilitou à Venezuela, até hoje, ter uma soberania alimentar, importando praticamente toda a cesta de alimentos de sua população.
Latifúndio espalha a morte
Na noite de 23 de junho deste ano, no povoado Yaracuyano de Sabana de Parra, atentaram contra a vida de Braulio Álvarez (dirigente da Frente Camponesa Ezequiel Zamora). Braulio foi atingido por dois tiros, mas sobreviveu, frustrando a tentativa do latifúndio.
Este não foi um fato isolado. Desde que foi promulgada a Lei de Terras, em 13 de novembro de 2001, esta tem sido a ação sistemática que tem ameaçado a vida de numerosos camponeses. Foram pelos menos 130 assassinatos, geralmente praticados por paramilitares da Colômbia, que entram na Venezuela contratados por latifundiários para executarem os crimes e retornam ao país de origem sem que sejam punidos nem os autores materiais nem os mandantes.
Tudo indica que a guerra ao latifúndio decretada por Chávez ainda se encontra na fase da retórica, já que tanto setores das forças armadas daquele país quanto governadores chavistas apóiam abertamente os latifundiários.
Perseguição do exército
Camponeses chavistas são presos apesar da revolução agrária
Com este título, Laia Altarriba, da Prensa Rural Internacional, denuncia que um destacamento de 40 soldados, dirigidos pelo general Oswaldo Bracho — comandante do Teatro de Operações nº1 que inclui os estados venezuelanos de Barinas, Táchira e Apure —, em 19 de novembro de 2004, esteve na comunidade camponesa de Cañadon-Bella Vista, no sul do estado de Barinas, a uns 100 km da fronteira colombiana.
Sem dar explicações e sem nenhuma ordem judicial, os militares entraram e destruíram seis ranchos construídos com cana e tetos de zinco — tradicionais na região — e levaram cinco homens presos sob a acusação de serem guerrilheiros. Desde então, estão presos no centro penitenciário de Santa Ana (no estado de Táchira), sem que haja nenhuma prova que lhes vincule com qualquer grupo armado.
Alguns camponeses da área explicaram que nestas montanhas, chamadas de Piedemonte porque liga o plano com os Andes, existe a presença das Forças Bolivarianas de Libertação (FBL) — criada dois anos antes de Chávez assumir o poder em 1998. Se auto-definem como um partido político-militar revolucionário que luta para aprofundar o processo que vive a Venezuela. Seu objetivo em nenhum caso é atacar o governo atual, mas garantir que a "revolução bolivariana" continue avançando até à consolidação do poder popular e contribuir na defesa do processo no caso de uma agressão externa. Apesar de ser um grupo armado, vem protagonizando poucas ações.
Algumas semanas antes, os camponeses teriam hospedado guerrilheiros das FBL. Esta seria a causa das prisões, que muitos interpretam como uma advertência do general Bracho aos camponeses para que não dêem este tratamento aos guerrilheiros.
Emilio Méndez, membro do partido chavista MVR (Movimento V República), é prefeito do município de Ezequiel Zamora, e reside na comunidade onde foram presos os camponeses. Ele afirma que a política chavista é positiva, mas vê suas fraquezas.
— No campo, hoje em dia, apesar do forte apoio dado com a Lei de terras, os convênios firmados, as instituições de crédito que foram criadas, ainda existe o latifúndio, a burocracia dentro dos organismos e também situações de corrupção dos donos de gado que compram o técnico que vai fazer a avaliação da terra. Tudo isso existe e é contra isso que nós devemos lutar — diz Emilio.
Fidelina Pérez tem 37 anos e há 6 meses vive angustiada porque a Guarda Nacional prendeu seu marido, Omero Pérez Márquez. Nos recebe em seu rancho no meio da montanha, onde vive com um filho de 10 anos. Tem outro filho, de 18 anos, que mora na casa de um tio em Caracas. Ela revela o real motivo da prisão de seu marido:
— Meu marido criou uma cooperativa, da qual era o presidente, que estava em processo de registro. Os papéis foram levados a Caracas e já havia voltado com o consentimento para que se chamasse Flor Azul, mas a aprovação ainda estava em processo quando os prenderam. Os militares disseram que os papéis da legalização e as fotocópias das cédulas de identidade dos sócios eram da guerrilha e levaram tudo.
A cooperativa incluía os cinco aprisionados e outros sete camponeses que desejavam utilizar a cooperativa para melhorar a produção de forma coletiva, uma vez que detentores de pequenos terrenos produzem em condições mais difíceis individualmente.
Da casa de Fidelina e Omero levaram também 40.000 bolívares e uma lanterna. Por sorte, no batalhão, devolveram o dinheiro.
Em 14 de maio, 4.000 camponeses marcharam pelas ruas de Guasdualito — no Alto Apure — convocados pela Frente Nacional Camponês Ezequiel Zamora. O objetivo era denunciar, diante dos representantes do governo, os problemas dos camponeses venezuelanos e as ações repressivas que vêm sofrendo. Entre as denúncias feitas durante a marcha e na assembléia foi ouvido muitas vezes o nome do general Bracho. O exército, por ordem do general, colocou barreiras retendo alguns camponeses que se encaminhavam para a marcha por até 5 horas. Representantes camponeses de Apure, Barinas e Táchira denunciaram as violações dos direitos humanos que vêm sofrendo desde que o general assumiu seu cargo em novembro do ano passado.
A mobilização dos camponeses provocou a substituição do General fascista no último dia 12 de setembro, mas não se tem notícia da libertação dos camponeses presos.
Este general qualificou a marcha camponesa a Caracas, em maio último, como "insurrecional", e intensificou a repressão. Enquanto isso, reunia-se com militares ianques e colombianos do Plano Colômbia, acantonados em Arauca, usando para isto a localidade venezuelana de Elorza, como denunciaram os dirigentes da FCEZ.
Movimento nacional
A Frente Nacional Camponesa Ezequiel Zamora (FNCEZ), após o êxito da tomada de Caracas por mais de 5 mil camponeses, em 11 de julho, desfraldou as bandeiras de Salto a frente é Revolução Agrária e Salto a frente é Poder Popular, colocando claramente o seu entendimento sobre a consigna de "Salto Adiante" colocada por Chávez. Esta manifestação significou também a unificação das várias organizações regionais, algumas com mais de 15 anos de atuação, consolidando, assim a FNCEZ.
No último 11 de setembro, na sede da Universidade Bolivariana da Venezuela, em Caracas, aconteceu o encerramento do 1o Congresso da Frente Nacional Camponesa Ezequiel Zamora, com mais de mil delegados provenientes de todas as regiões do país.
Franklin González destacou em sua alocução a importância da organização da luta camponesa através da Frente, sua consolidação e fortalecimento, enumerando os acordos e aportes que os debates possibilitaram.
Segundo o dirigente camponês, a existência de líderes e organizações verdadeiramente representativas facilitará o caminho para o impulso de uma frente unitária. Esta deve basear-se numa plataforma de luta comum e sincera, orientada a defender os interesses dos camponeses pobres.
Os membros da FNCEZ, após o congresso, trabalham na elaboração de uma proposta que apresentarão ao Instituto Nacional de Terras (Inti), com o propósito de facilitar a luta contra o latifúndio.
Uma ação da FNCEZ foi a tomada pelos camponeses do Frigorífico do Estado de Barinas Sociedad Anónima (Fribarsa), que estava com sua enorme estrutura abandonada há anos. González assinala que o Fribarsa é um dos maiores matadouros do país, com capacidade para beneficiar mil reses diárias, gerar 500 empregos diretos e uns 4,5 mil indiretos.
Revolução Agrária e poder popular
Na sede da Associação Nacional de Rádios Comunitárias, que cedeu sua sede para organização da marcha de 11 de julho, representantes da Frente Nacional Camponesa Ezequiel Zamora (FNCEZ), Franklin González, Roberto Vierre e Oscar Jimenez, fizeram as seguintes declarações ao AND:
— Aqui existe um duplo discurso. Há um discurso teórico, que escutamos dos meios de comunicação e dos grandes meios internacionais, sobre a guerra contra o latifúndio, e há, por exemplo, casos específicos de diretores de alguns órgãos, que estão conscientes do trabalho que deve ser feito, mas quando vão aplicar o trabalho de resgate de terras são chamados, inclusive ao próprio Palácio de Miraflores por algumas pessoas do governo que dizem: "não toquem em fulano, não toque em beltrano, não toque aquela estaca, porque é meu primo, é meu irmão, aquele é meu avô e aí se trava todo o processo.
— Nós, por exemplo, no caso do sul do lago, não conseguimos lá nenhum advogado, mesmo pagando, que nos defendesse, porque os advogados de lá estão comprados pelos latifundiários.
— Nós não cremos em reforma agrária, mas em revolução agrária. Nós cremos que a propriedade da terra deve estar nas mãos do Estado. Mas os meios de produção e as cadeias de comercialização devem estar nas mãos dos camponeses, dos trabalhadores. Nós acreditamos que esta revolução agrária deve fortalecer nossa produção, sustentando-nos com nossa própria produção. Não podemos seguir com uma política de agricultura de portos, temos geografia suficiente para sustentar nosso povo e outros povos.
—Investimos vidas, sangue, sonho e verdadeiramente este avanço não nos será arrebatado, nem pelo imperialismo, nem estas pessoas que se aburguesaram dentro do governo.
— No momento em que o presidente apresentou a proposta da construção do exército popular a partir da reserva, nós lhe manifestamos que estamos tomando sua palavra e estamos construindo um batalhão de reserva do movimento camponês para a defesa firme da nossa soberania e para a defesa de nossas próprias vidas.
— Cremos que a via para aprofundar a revolução é o socialismo. Aqui não há terceira via, como diz o presidente, não se pode seguir o modo capitalista neoliberal. Somos conscientes que a luta do campo deve, também, fazer-se nas cidades. Nós queremos aprender métodos que nos permitam decifrar a realidade: a dialética e o materialismo histórico. Nós aprendemos porque vivemos na própria carne a realidade. Necessitamos desse apoio para ser certeiros no caminho que estamos construindo.
As tarefas atuais
Acrescentaram, ainda, os dirigentes camponeses:
— Uma etapa teve início com a construção das bases da Frente Camponesa, que passou por diversas experiências e foi concluída com esta marcha nacional até Caracas. Uma nova e mais difícil deve começar para nossos objetivos serem atingidos: a revolução agrária e a construção do poder popular.
— A Frente Camponesa deve, em primeiro lugar, seguir em "mobilização permanente" como parte das decisões tomadas na Assembléia Popular de Guasdualito, Alto Apure, das ações dos companheiros do Sul do Lago nos Estados Zulia, Mérida, Táchira e Trujillo e das assembléias realizadas em Barinas. Devemos estar vigilantes do cumprimento dos compromissos estabelecidos com as autoridades.
— Em segundo lugar é importante dar um salto organizativo. A FNCEZ deve se consolidar através da formação político-ideológica e também pela formação técnica das bases, a construção de experiências exitosas na constituição de núcleos de desenvolvimento endógeno, de cooperativas revolucionárias e pelo impulso de formas de propriedade e trabalho coletivo da terra. A Frente deve apontar a desenvolver formas independentes de gestão econômica e social como base da transformação das relações sociais e a construção do poder popular e do socialismo no campo. Devem seguir desenvolvendo além dos congressos camponeses regionais e estabelecendo as diversas instâncias de organização de maneira democrática.
— A mobilização e ação direta devem se manter nas diversas regiões do país, porque continua a situação de abuso e crime contra o campesinato, assim como a cumplicidade e corrupção que sustentam o latifúndio.
— Com o grito zamorano, Homens e terras livres!, sigamos adiante com a revolução agrária e a construção do poder popular.