A versão venezuelana da Marcha da
|
A chamada “greve geral” na Venezuela — que, desde o início de dezembro, exige a renúncia do presidente Chávez e a convocação de eleições gerais para o 1º trimestre de 2003 — tem o dedo dos monopólios ianques e de seus órgãos de sabotagem, como a CIA. O principal setor afetado, alma da economia venezuelana, é o petrolífero. Disso todos sabem.
Como lockout, a “greve” conta com o assessoramento direto dos grandes patrões internos e centrais de pelegos — que, mais recentemente, se estende por outras áreas de fundamental importância na economia — o presidente venezuelano aumenta os apelos para a formação de um monopólio latino-americano do petróleo, uma poderosa empresa composta pelas chamadas “estatais” (na verdade empresas de economia mista, de capital estatal e privado) dos países da América Latina. Diferente do que a imprensa dominante tem noticiado, portanto, a solicitação de Chávez para o envio de técnicos (não apenas de brasileiros) à Venezuela, bem como o de gasolina brasileira à Caracas, nem de longe se aproxima de um convite de fura-greves, ou de uma atitude que vise comprometer a “soberania nacional venezuelana”. Havendo reabastecimento de combustível e a retomada das exportações de óleo cru, a provocação articulada pelo USA e seus aliados internos, estaria neutralizada, possibilitando acumular forças para enfrentar novos e sucessivos golpes. Portanto, a proposta se desdobra nas negociações de criação do Monopólio Latino-americano do Petróleo, nos planos econômico e de apoio dos países vizinhos, uma tentativa do governo venezuelano de frustrar os planos golpistas que mal se ocultam no lockout deflagrado em 02 de dezembro.
Ao articular conversações entre os chefes de Estado latino-americanos, o presidente venezuelano discorre sobre uma iniciativa até modesta, já que a Venezuela é o quarto maior produtor mundial de óleo cru e, também por essas razões, tornou-se alvo de pressões e ingerências promovidas pelas potências estrangeiras.
Hugo Chávez sustenta que a criação do Monopólio Latino-americano do Petróleo permitiria à Venezuela e todos os outros países latino-americanos criar condições de auto-suficiência energética e enfrentar as absurdas pressões dos monopólios ianques. Porém, absurda é a própria existência das corporações ianques encravadas na economia de toda a América Latina. Na própria composição orgânica dos empreendimentos mistos — como as chamadas “estatais” —, aparecem capitais na Venezuela, no Brasil, ou em que semicolônia afirme deter o monopólio do petróleo, por exemplo, que provém, direta ou indiretamente, de corporações do USA. Não apenas isso: os tais monopólios, há um bom tempo, são descaradamente dirigidos por executivos ianques.
A PDVSA (Petróleos de Venezuela S.A), uma empresa de economia mista, tem na divisão básica de seu capital 40% do Estado venezuelano, e 60% da Intesa, sócia da multinacional de seguros SIAC Science Applications International Corporation, radicada nos EUA. A Intesa controla todo o setor de planejamento e inteligência da PDSVA, com agentes altamente remunerados distribuídos em postos-chave.
Possuindo informações privilegiadas e o comando de setores estratégicos dentro da PDVSA, o USA coordena todo o tipo de atividades de sabotagem, contra-informação, “greves” e demais métodos de levar a indústria petrolífera, e também toda a economia, venezuelana à ruína. Os mentores do atual lockout que empurram Chávez contra a parede, seguindo o velho estilo do suborno, traição e agressões brutais, os ianques estão por trás das crises aparentemente internas dos países latino-americanos, manipulando os acontecimentos a favor de seus interesses econômicos e políticos.
Por isso, o invólucro da estratégia de Chávez é a imagem romanesca do ideal “pan-americano” de Simón Bolívar, o Libertador, caudilho que combateu pela independência de vários países da América do Sul. É uma versão pouco subversiva, bem comportada, cheia de “moral y luces” que Chávez sabe irrealizável. Todavia, julga capaz de sensibilizar algumas bandas de música — como a juventude das classes e setores, que se mantém desorganizados e acomodados, em seu país e em todo o Continente latino.
Seguindo a tradição golpista
Comitê Bolivariano assalta dois depósitos de armas e foge para local ignorado |
Os contra-revolucionários ganham tempo. O clero promove milagres (como a aparição de uma santa anticomunista), surgem passeatas de gente com trajes elegantes, outras vezes exibindo veículos luxuosos — manifestações que recordam a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” ou o “Fora Collor” no Brasil. As ruas são tomadas também pela massa de trabalhadores, visivelmente sem direção. Mas o governo perde popularidade a cada dia.
Forças legalistas dispõem do canal estatal,”com pregações acanhadas”. Mas a “frente democrática” se utiliza de muitos outros meios de comunicação, e se esmeram em intrigas e difamações contra as forças de esquerda, tais como “Chávez quer entregar Venezuela à Cuba”, ou insultos até mais graves, como “Lula é comunista!”.
As guardas municipais, das prefeituras, se dividem, apoiando os golpistas ou os legalistas, enquanto que a Guarda Nacional se mantêm aparentemente ao lado dos chaviztas. Ultimamente têm surgido escaramuças nas ruas, enquanto o Comitê Bolivariano se prepara para o enfrentamento armado. Já nos primeiros dias do ano, o Comitê assaltou dois depósitos de armas, levando mais de 500 pistolas para local ignorado.
As pressões e tentativas golpistas — como o frustrado levante militar de 11 de abril de 2002 — vão preenchendo a agenda dos futuros dias sangrentos, o firme propósito das classes e setores reacionários em entregar as fontes de energia da Venezuela aos USA, enquanto que a desnacionalização final das chamadas estatais e a presença das corporações financeiras revelam-se como crescentes e inconfundíveis inimigos dos povos da América Latina.
Frustrados os planos de Chávez, mais uma vez, o elemento decisivo — um núcleo ideológico capaz de impulsionar, sustentar e aglutinar as massas trabalhadoras em torno do único programa realizável de independência, porque encarna, principalmente, os ideais de emancipação das classes exploradas — se tornará ainda mais premente, até mesmo para que a Venezuela continue existindo. Chávez perde, o imperialismo também.