Ventos fortes de resistência

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Ventos fortes de resistência

Criado por Ilo Krugli, um ‘argentino brasileiro’ engajado em cultura popular, utilizando o teatro de bonecos como forma de expressão, o grupo teatral Vento Forte, desenvolve peças com conteúdo impressionante. Crítico, político, transformador, com espetáculos que mexem com o público, procurando sempre trazer com sua arte a elevação da consciência, seja das crianças ou dos adultos.

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Cena de História de Lenços e Ventos

– O grupo nasceu no Rio de Janeiro, em 1974, onde fizemos muitas apresentações e trabalhos junto à comunidade do Méier, o Conservatório Brasileiro de Música e a Escolinha de Artes, sempre com a intenção de preparar pessoas para dar continuidade as nossas ideias. O primeiro espetáculo, ‘História de Lenços e Ventos’, gerou a crítica em um jornal da época: ‘Ventos fortes no teatro para criança no Brasil’. Nosso nome veio daí. Em 1980 nos transferimos para São Paulo, e há 25 anos ocupamos um espaço junto da comunidade de migrantes nordestinos ‘Parque do povo’ – conta Ilo.

– Até o momento já produzimos cerca de 35 espetáculos, não só para crianças, mas também jovens e adultos. Alguns em espaços abertos, outros em locais fechados, sempre transitando entre o público: às vezes, no final do espetáculo, nos misturamos com o público no saguão do teatro ou na rua, cantando e dançando – continua.

Ilo Krugli nasceu em Buenos Aires, Argentina. Sua família, composta de imigrantes poloneses, sempre foi engajada em cultura.

– Alimentei-me muito de suas vivências, e também de uma experiência que foi desfraudada em Buenos Aires pelo poeta espanhol Federico Garcia Lorca. Ele esteve por lá em 1934, com seu teatro de bonecos, juntamente com poetas, atores, músicos e artistas em geral. Permaneceu por um ano trabalhando, depois foi embora e sabemos que foi terrivelmente fuzilado pelas tropas do Franco. Mas ficou um movimento de continuidade no país – fala.

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Cena de Como nasceu a fome

– Então minha professora do primário me iniciou na expressão através dos bonecos. Cheguei no Brasil em 1961, vindo de uma caminhada por diferentes países da América Latina, em que me interessava observar e trabalhar a cultura de cada lugar. Entrei em contato com comunidades indígenas da Cordilheira dos Andes, camponeses, mineiros. Passei pelo Chile, Bolívia, Perú, fazendo teatro e experiências de diálogo com as comunidades e escolas – continua.

– Chegando no Brasil fui trabalhar com a Escolinha de Arte, no Rio de Janeiro. Conheci o Augusto Rodrigues, que por sua vez estava em contato com uma série de pessoas interessantes, como Anísio da Silveira, criadores de transformações para educação e arte no Brasil – acrescenta.

Arte, rebeldia e esperança

– ‘História de lenços e ventos’ foi um espetáculo poético, depoimento sobre o momento que vivenciei no Chile, e nas andanças pela América Latina. Fala dos momentos que somos destruídos pela repressão, o poder, e temos que retomar e reconstruir tudo de novo. Isso dentro de uma temática quase que de um brinquedo de quintal, como se fossemos crianças brincando no quintal, com os objetos e cenários que estão por perto – conta Ilo.

– Os lenços apareciam em cena simbolizando a possibilidade de voar. O herói era um jornal. Ele tentava salvar o lenço que estava preso, pelo Rei Metal mal, junto com muitos outros lenços, que o povo entregou, dentro de uma caixa bem no alto. Nosso herói era morto em cena, queimado, destruído. O espetáculo parava, e em meio a um contato com o público, procurávamos soluções. E sempre decidiram por reconstruí-lo mais forte, com maiores possibilidade de luta – diz orgulhoso.

Assim mesmo não era possível lutar corpo a corpo com o Rei Metal, por causa das artimanhas do poder. Então usávamos a sombra do papel contra a sombra do Rei Metal. O herói vencia e conseguia libertar todos os lenços. Era um espetáculo para criança, sem dúvidas, mas que servia para muita gente. Este foi o primeiro, e após ele vieram muitos. Por exemplo, ‘As Quatro chaves’, um espetáculo infantil de rua, mas que também serve para toda as idades – continua.

No espetáculo o público tinha que realizar o desejo dos personagens, que eram representados por quatro grandes painéis.

– Era uma mulher que queria ter filhos; um homem desempregado que queria poder sustentar o filho que ia nascer; um homem solitário à procura de uma companheira; e um gigante que queria um coração para si. O público, junto com os atores, realiza os desejos desses personagens, mas, em seguida todos eles são roubados. Então todos começamos a procura dos desejos desaparecidos. Não interessa dizer quem foi o ladrão, e sim reconhecer a capacidade de resgatá-los, e conseguimos fazer isso – explica.

– Em outra ocasião fizemos um espetáculo falando de como continuar fazendo poesia apesar da repressão. E durante o seu desenvolvimento, uma menina de aproximadamente 8 anos de idade, entrou no espetáculo e falou para os guardas: ‘Vocês não podem matar todos os poetas, porque vocês não podem matar os poetas que ainda não nasceram’. Usamos até hoje a frase desta criança – comenta com alegria.

No momento, o grupo, que conta com 20 componentes, está estreando ‘Os que riem e os que choram’.

– É uma peça inspirada no romance ‘O homem que ri’ do Victor Hugo, que se passa no século 18, falando das crianças que eram raptadas e deformadas para virar bobo da corte ou andar esmolado pelas ruas. Começaremos com a história e depois a transferiremos para o século 21, aqui em São Paulo. Falaremos das pessoas que ficam nos sinais fazendo alguma atividade para recolher trocados dos que passam. Nossos espetáculos têm muita música, e neste homenageamos Paulinho da Viola, com ‘Sinal fechado’ , que apesar de ter sido feita há 40 anos atrás, é bem significativa hoje – finaliza Ilo Krugli.

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