A presidenta Dilma Rousseff acaba de promulgar duas leis que, durante o anterior governo criaram imensa polêmica e não conseguiram passar daí: a Lei de acesso à informação pública e a que cria a Comissão de Verdade.
Não sou daqueles que acham, que isso ou nada é a mesma coisa. Não! Sinto que este é um pequeno passo, que se tornará ilusório e inútil, se parar por aí. A abertura dos arquivos secretos da ditadura militar e a Comissão da Verdade somente podem ter como objetivos dar a conhecer a verdade e aplicar a justiça. Lembro, porém, que nem a verdade será conhecida nem a justiça aplicada se os interessados estiverem à espera que alguém o faça por eles. Um Estado, mesmo revolucionário, o que não é o caso, tem tendência a entrar em vôo de cruzeiro, numa rotina burocrática ineficaz, se as forças mais ativas e conscientes da Nação não se mantiverem sempre despertas.
Há, no entanto, uma outra luta que é preciso retomar já, e digo retomar porque ela já existiu, que é a da anulação da Lei da Anistia de 1979. Pessoalmente, sempre fui contra essa Lei, na prisão e em liberdade.
Não era a vingança que me empurrava para essa atitude, era a justiça. Eu sabia, desde muito jovem, que os crimes cometidos pelos agentes das ditaduras não podiam ficar impunes. Aprendi-o com os julgamentos de Nuremberg. Só muito mais tarde os defini como crimes contra a humanidade – para mim foram sempre hediondos.
Temos de revirar todos os arquivos, expô-los à luz do dia, estabelecer e restabelecer toda a verdade acerca do enorme pesadelo em que, há muitos anos, estamos mergulhados. Se queremos que a justiça se faça, temos de começar já agora, hoje, não amanhã. A luta pela anulação da Lei da Anistia de 1979 é um imperativo histórico, político e moral.
Não podemos perder tempo com questões, atrevo-me a dizer, secundárias. Temos que dirigir os nossos esforços no sentido de obrigar a presidenta Dilma ou quem o possa fazer a anular essa Lei infamante, que coloca ao mesmo nível aqueles que lutaram, foram presos, torturados, condenados e até morreram por um Brasil em liberdade, e aqueles outros que o transformaram numa prisão, num autentico campo de horrores.
O que está a acontecer no Brasil desde o assassinato de camponeses e de seus líderes até a “limpeza” das favelas do Rio de Janeiro pelas forças armadas e pela polícia, passando ainda pela corrupção que gangrena o corpo da nação, por uma justiça de classe absolutamente impiedosa e servil e pela eleição de “foras-da-lei” para representantes do povo, tudo isto é uma herança dos 20 anos da ditadura. Todos os crimes continuarão sem julgamento e sem punição enquanto aqueles que construíram essa ditadura se mantiverem ocultos, na sombra e impunes. A presidenta Dilma Roussef sabe-o muito bem, pois por muito que mudem as convicções políticas, os gritos da consciência não conseguem calar-se.
Gostaria que o movimento pela anulação da Lei da Anistia se iniciasse logo, pois, para mim, aos oitenta e dois anos, tudo começa a ser urgente.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011.