Sul de Rondônia: uma história de sofrimentos, repressão e heroismo
Fotos: Arquivo/LCP
Policial assassino observa camponeses no campo de concentração improvisado. RO – 1995
A região sul do estado de Rondônia recebeu no final da década de 70 e início da de 80 sucessivas ondas de migrantes, vindos principalmente do sul e sudeste do país. Atraídos por promessas de terras férteis e ajuda do governo, dezenas de milhares de camponeses se estabeleceram em Vilhena, Colorado, Cabixi, Cerejeiras e Corumbiara, áreas de enorme concentração fundiária. A grande maioria não consegue terras e é obrigada a vender sua força de trabalho para o latifúndio.
A própria cidade de Corumbiara e o distrito de Vitória da União surgiram, no início dos anos 80, por obra dos camponeses, que conquistaram com unhas e dentes um pedaço do enorme latifúndio de nome Guarajus. Na mesma época os camponeses pobres conquistaram uma parte do latifúndio Verde Seringal, hoje no município de Corumbiara. A população indígena já havia sido dizimada pelo latifúndio nessa área.
No início dos anos 90, após resistirem a três despejos, os camponeses conquistaram a área denominada Adriana, que divisava com as terras do latifundiário e coronel da reserva Antenor Duarte. Todas estas conquistas foram marcadas por enfrentamentos com a polícia e bandos armados, que tentavam em vão expulsar as famílias das terra. A repressão, oficial ou não, obrigou o movimento a avançar em sua organização e autodefesa.
As conquistas anteriores colocaram novos desafios. Em 1995, rompendo com a direção vacilante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra — MST, um grupo de camponeses se juntou para organizar a conquista de um dos maiores latifúndios da região. A direção do MST em Rondônia já havia capitulado nessa área, temendo as ameaças de alguns dos maiores latifundiários do estado, Antenor Duarte, Gaarão Maia e Alceu Feldmann, entre outros. Por isso não só se recusou a dar apoio, como delatou os nomes dos companheiros que estariam encabeçando a mobilização.
Naquele ano já haviam ocorrido 440 conflitos por terra no Brasil e 15 em Rondônia.
As mais de 600 famílias vieram de todo estado para tomar a fazenda Santa Elina, de 18 mil hectares.
No dia 15 de julho os camponeses pobres entraram na área. A notícia se espalhou rapidamente e eles conquistaram o apoio de pequenos e médios camponeses, além dos comerciantes locais, que contribuíram com alimento, remédios, ferramentas de trabalho e sementes, porque viam a necessidade de mais terras nas mãos dos camponeses para o desenvolvimento da região.
Acampados, a primeira tarefa era transformar uma enorme área que antes estava nas mãos do latifúndio em produtora de alimentos para suas famílias. Organizaram escola, autodefesa, cozinha coletiva… O primeiro almoço do acampamento já foi feito e servido coletivamente. Era uma enorme festa. Todos já se sentiam como uma grande família, com direitos e obrigações. Uma comissão circulava com um caderno de anotações onde cadastravam todos os acampados e os que chegavam.
O primeiro confronto
Como sempre, a Justiça foi muito rápida em atender os latifundiários. Já no dia 19 de julho foi expedida a liminar de manutenção de posse e o capitão PM Vitório Regis Mena Mendes, com 35 policiais, acompanharam o oficial de justiça até o acampamento para fazer cumprir a liminar. Eles já traziam duas pessoas presas: uma mulher que saíra do acampamento para trabalhar e o secretário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Corumbiara.
Os camponeses fizeram uma barreira humana em frente ao acampamento. Entoando canções e proferindo palavras de ordem proibiram a entrada dos policiais. Com voz trêmula, o oficial de justiça leu o mandato de manutenção de posse.
Um posseiro foi ferido à bala pelas costas e sua permanência na área foi garantida pelos camponeses, que estavam em maior número. A comemoração da primeira batalha vencida foi em assembléia.
Alguns latifundiários, vizinhos de Santa Elina, obtiveram na justiça uma liminar de Interdito Proibitório. Vale dizer, estas fazendas deveriam, então, estar sob a guarda da PM e se elas fossem invadidas pelos trabalhadores ou por qualquer um, a reintegração de posse seria sumária.
As investidas dos bandos armados de guaxebas foram todas derrotadas pela resistência camponesa. A situação começou a preocupar o governo do Estado e os latifundiários. Os feitos dos camponeses corriam de boca em boca e o exemplo poderia se alastrar para outras áreas do Estado. A imprensa reacionária cuidava de denunciar estes feitos, exigindo punição para os líderes camponeses e intervenção de tropas especiais. A Sociedade Rural, braço da União Democrática Ruralista (UDR), pressionava o governador exigindo o cumprimento da liminar e exigindo que o comandante da polícia de Vilhena fosse preso por omissão porque protelava o despejo.
Na época, o então governador Valdir Raupp (latifundiário com quem o PT se aliou desde as eleições estaduais em 1994, atualmente senador pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro — PMDB) foi o principal responsável por uma das páginas mais sangrentas da luta pela terra no Brasil, planejando e autorizando a ação genocida da Polícia Militar para exterminar a organização dos camponeses.
Para fazer cumprir a liminar de manutenção de posse, a polícia contou com o financiamento dos latifundiários Antenor Duarte do Valle e Hélio Pereira de Morais (que se dizia proprietário do latifúndio). Eles forneceram homens, veículos, alimentação, transporte de tropas, munição, armas e até aviões.
Imprensa + PM + sangue
Foi formada então, uma comissão de negociações composta pelo secretário de Valdir Raupp, o deputado Daniel Pereira (Partido dos Trabalhadores — PT); o diretor do Instituto de Colonização e Reforma Agrária — INCRA; um representante do Instituto de Terras de Rondônia — Iteron e o vereador Manuel Ribeiro, o Nelinho, do PT (assassinado quatro meses depois). Existia certa esperança na intervenção dessa comissão para resolver o problema ou mesmo suspender a liminar de despejo.
Após o fracasso de várias tentativas de negociação, o superintendente do INCRA diz lavar as mãos sobre a situação, responsabilizando os camponeses pelo que viesse a acontecer.
No dia 8 de agosto, chega ao acampamento o comandante PM Ventura, major, acompanhado da imprensa reacionária. Em conversa com uma comissão dos camponeses o PM cinicamente garante que não haverá represálias por parte dos policiais e que os camponeses poderiam sair no outro dia pela manhã. Enquanto isso, a imprensa fascista filmava todo o acampamento, buscando fornecer imagens para que o comando da PM preparasse o ataque.
Depois da conversa com o major, os camponeses fizeram uma assembléia na qual decidem só sair com garantia de um pedaço de terra.
No mesmo dia, por volta das 21 horas, jagunços que usavam fardamento da PM e tinham os rostos cobertos, iniciaram os ataques ao acampamento. A operação de guerra contou com a participação de cerca de 200 jagunços recolhidos nas fazendas da região, além de presidiários recrutados nas principais cidades do estado. Após horas de tiroteio, quase esgotadas as forças dos camponeses, a PM completou o cerco tático ordenando a entrada do Comando de Operações Especiais — COE, dirigido pelo capitão José Hélio Cysneiros Pachá e o tenente Mauro Ronaldo Flores Corrêa.
O massacre
Os camponeses foram atacados com bombas de gás lacrimogêneo, mulheres foram usadas como escudo humano pelos policiais e por jagunços.
A resistência dos camponeses foi heróica; com paus, foices e espingardas de caça eles garantiram que o massacre não fosse maior. Na madrugada de 9 de agosto, os resistentes foram imobilizados por policiais e jagunços que iniciaram as sessões de humilhação pública, torturas, espancamentos generalizados, com chutes no rosto, nas costas e abdome, golpes de porretes nas cabeças, mutilações com moto-serra e "tiros de misericórdia" à queima roupa.
Por todo o tempo que duraram as torturas, os bandidos queriam saber quem eram os líderes camponeses e onde eles estavam. Os trabalhadores que lideraram a ocupação já haviam sido julgados e condenados sumariamente por quem organizara aquela ação repressiva.
A PM montou um verdadeiro campo de concentração próximo ao acampamento. Durante todo dia 9, sob o sol escaldante, mais de 400 camponeses foram submetidos a torturas e a todo tipo de abusos na frente de suas mulheres e filhos, insultados e humilhados o tempo inteiro. Muitos foram obrigados a comer o próprio sangue misturado a terra e até mesmo pedaços de cérebro de companheiros que tiveram suas cabeças esmagadas e partidas. Outros, sempre sob mira de arma de fogo, tiveram que carregar os corpos dos abatidos para um caminhão.
Sérgio Gomes, com ferimentos de bala e de espancamentos, foi retirado em uma caminhonete e teve seu corpo encontrado 14 dias depois, às margens do rio Tanarú no município de Chupinguaia. Seus membros foram praticamente moídos em vários dias de suplícios e o rosto estava dilacerado com marcas de três tiros. A prisão propriamente, suplício e o sequestro de Sérgio foram realizados na presença de um vereador e do então prefeito de Corumbiara.
Maus tratos e mesmo as torturas tiveram prosseguimento durante o transporte dos presos para Colorado do Oeste, onde os camponeses gravemente feridos foram amontoados. A ordem para os motoristas foi a de não desviar dos buracos da estrada.
Cerca de setenta desses presos foram encaminhados à delegacia de polícia, e os outros confinados no ginásio de esportes. Na delegacia novamente foram espancados e, alguns, torturados pelos policiais militares. A população da cidade se solidarizou aos camponeses e rapidamente foram providenciadas roupas e alimentos para todos.
Foram anunciadas 16 mortes (uma criança morta com tiro pelas costas, a pequena Vanessa de 6 anos) e sete desaparecidos. 55 ficaram gravemente feridos e mais de 200 ficaram com sequelas físicas e psicológicas da violência, muitos deles com balas encravadas no corpo. Em razão da violência policial vários companheiros e companheiras vieram a falecer posteriormente, inclusive duas crianças recém nascidas.
Acordos de covardes
Se há cem anos, o Exército brasileiro perseguiu, torturou e matou trabalhadores e queimou Canudos em nome da justiça e a serviço dos coronéis do Nordeste, em Corumbiara a Polícia Militar perseguiu, torturou e matou trabalhadores e incendiou o acampamento da Santa Elina em nome da mesma justiça e sob o comando dos modernos coronéis.
O massacre foi uma ação planejada militarmente com o objetivo de espalhar o terror entre as famílias de camponeses e paralisar as expropriações de terra do latifúndio promovidas pelo povo trabalhador na região, além de "servir de exemplo" para os camponeses que lutam por um pedaço de chão em todo o país. No entanto, ao contrário do que esperavam os mandões, os chefetes e os assassinos especializados a soldo dos latifundiários, a repressão sangrenta gerou enorme solidariedade e fez explodir o ódio das massas, levantando uma onda de novas tomadas de terra por todo o país.
A resistência em Santa Elina teve grande repercussão no país e no exterior, o que obrigou a gerência vende-pátria de FHC/ACM (PSDB/ PFL) a assentar as 600 famílias. Porém, a proposta do governo não era cortar a Santa Elina, mas dividir as famílias. O INCRA encenou a desapropriação da Fazenda Santa Elina e logo desviou para outras terras.
Num claro tráfico com os interesses do povo, uma comissão composta por membros da Central Única dos Trabalhadores — CUT e pela direção do PT, liderada pelo deputado estadual Daniel Pereira (hoje no Partido Liberal — PL), aceitou a proposta de "assentar" em três áreas diferentes: Rio Preto (ao norte), próximo de Porto Velho; Vanessa, região de Corumbiara e Santa Catarina, em Theobroma, onde se concentrou a maioria.
Na mesma data reuniam-se em Cuiabá — MT as lideranças perseguidas que exigiam o corte da fazenda Santa Elina. Receberiam, pelo telefone, a notícia do acordo imundo firmado entre a direção do PT com o governador Valdir Raupp para proteger os interesses dos latifundiários e vender o sangue derramado pelos mártires da resistência de Corumbiara. Para salvar as aparências o PT formalmente se retirou do governo Raupp, mas alguns de seus filiados seguiram integrando o governo assassino.
Dividiram as 600 famílias e sequer cogitaram a possibilidade de cortar a fazenda Santa Elina, o que representaria uma poderosa vitória dos camponeses. O oportunismo, como sempre, passou a enfocar o episódio apenas como um massacre, apresentando os camponeses apenas como vítimas, nada mais e desprezou por completo a importância e principalidade da resistência camponesa.
Viva a heróica resistência camponesa de Santa Elina!
Viva os mártires de Corumbiara!
Sérgio Rodrigues Gomes, Vanessa dos Santos Silva, Manoel Ribeiro — Nelinho, Maria Bonita, Ari Pinheiro dos Santos, Alcindo Correia da Silva, Enio Rocha Borges, Ercílio Oliveira de Campos, José Marcondes da Silva, Nelci Ferreira, Odilon Feliciano.A farsa do julgamento
Devido a repercussão internacional e nacional do massacre, havia grandes perspectivas das organizações e entidades de luta e de setores progressistas da sociedade quanto ao julgamento. Existia um forte apelo da opinião pública que exigia punição aos responsáveis pelos crimes contra os camponeses de Corumbiara.
Esta esperança, no entanto, começou a se desfazer no dia 23 de setembro de 1996, quando o procurador de justiça, José Viana Alves, apresentou denúncia contra 26 pessoas responsabilizando-as pelas mortes ocorridas durante o ataque na madrugada de 9 de agosto.
A denúncia foi aceita pelo juiz Glodner Luiz Pauletto, o mesmo autor da liminar de reintegração da fazenda Santa Elina. Entre os absurdos pronunciados pelo procurador estava o de acusar três acampados pela morte de 11 pessoas, inclusive de seus próprios companheiros. Tinha início a farsa montada pelo velho Estado burguês-latifundiário, que visava esconder os crimes do latifúndio e da Polícia Militar.
Somente quatro anos após os dramáticos acontecimentos é que ocorreu o julgamento pela Justiça. Em Porto Velho, de 14 de agosto a 6 de setembro de 2000, foi possível testemunhar a condenação de Cícero Pereira Leite e Claudemir Gilberto Ramos, mesmo sem provas nos autos, e ver os oficiais que comandaram aquela ação repressiva saírem livres e festejados como heróis.
Nada se falou sobre as torturas sistemáticas sofridas pelos camponeses aprisionados naquele 9 de agosto porque o procurador alegou falta de provas. O fazendeiro Antenor Duarte e seu capataz, José Paulo Monteiro não foram sequer julgados, apesar de sua ostensiva participação em toda a empreitada. O próprio inquérito tem depoimentos que comprovam a presença de jagunços e a sua ingerência em todos os acontecimentos.
A justiça cobrou, diretamente, a morte dos dois policiais e outros três homens, dois camponeses e um outro homem não identificado. Quanto à morte dos outros cinco camponeses, inclusive da pequena Vanessa, a Justiça entendeu que não tinha provas e que não podia imputar a responsabilidade a ninguém, porque as mortes aconteceram no "fogo cruzado" (!). Mas o mesmo juiz imputou aos dois camponeses, a responsabilidade pela morte dos dois policiais que também morreram sob o mesmo "fogo cruzado".
Para o julgamento no tribunal do júri de Porto Velho, um grande aparato de segurança foi montado pelo Estado, com policiais federais dentro do tribunal, enquanto grande contingente da polícia militar circulava e fazia manobras ostensivas, principalmente nas proximidades.
Os responsáveis diretos pelo massacre (Antenor Duarte e Valdir Raupp), da mesma forma, não foram julgados, apenas os oficiais José Hélio Cysneiros Pachá, Mauro Ronaldo Flores Correia e Vitório Regis Mena Mendes sentaram no banco dos réus, mas destes somente o último foi "condenado" e responde em liberdade.
O então capitão Vitório Regis Mena Mendes, hoje major, foi o único militar que compareceu ao júri vestido de farda (e de gala), contrariando a ordem da juíza. Ele esteve envolvido na questão desde o começo, indo até à sede da Santa Elina, andando com o filho do Sr. Hélio Pereira de Morais, no veículo de Antenor Duarte, para fazer "diligências" na área, além de sobrevoar o acampamento em avião cedido pelos latifundiários. Outros dois soldados foram condenados, mas também cumprem a pena em liberdade.
A atuação do promotor Tarcísio Leite de Matos, na única sessão que participou, teve repercussão nacional e internacional, causou revolta nos movimentos populares, indignação em todas as instituições e organizações, e um profundo constrangimento ao próprio Tribunal de Justiça do estado.
A imprensa divulgou amplamente a frase:
— Ou o Brasil acaba com os sem terra ou os sem terra acabam com o Brasil. Esta foi apenas uma das consignas violentas proferidas pelo promotor, que usou o plenário como instrumento para criminalizar os camponeses e, em contrapartida, inocentar os policiais e todas as suas ações.
Naquele dia, quem estava no banco dos réus eram os oficiais da COE. O promotor pediu absolvição dos mesmos e exigiu veementemente a condenação dos camponeses que só estariam no banco dos réus no dia 25. Assim, o Ministério Público funcionou como defesa veemente dos réus — os policiais —, imputou toda responsabilidade aos camponeses e ainda criticou a sessão anterior do júri por ter condenado dois (apenas dois) policiais assassinos, ainda que se apresentasse provas irrefutáveis de balística.
O cronograma do júri, divulgado anteriormente na Internet, citava vários camponeses como testemunhas, mas eles não foram convocados. Os testemunhos foram dos próprios policiais, o preso Percílio, ex-vereador de Corumbiara, contratante dos pistoleiros que assassinaram Nelinho, um motorista da fazenda e um deputado estadual. Muitos dos jurados não tiveram conhecimento dos autos e fizeram seu juízo ouvindo os promotores, os advogados e as testemunhas. Assim prevaleceu a versão da polícia.
Comitê de defesa
No dia 6 de agosto 2001, seis anos após a resistência de Santa Elina, foi realizado um ato em Corumbiara para a fundação do Comitê de Defesa das Vítimas de Santa Elina. Neste ato estiveram presentes a Liga dos Camponeses Pobres LCP, as Escolas Família Camponesa, o Movimento Feminino Popular — MFP, Advogados do Povo e os participantes da resistência de Santa Elina. Um do objetivos do Comitê era o de desenvolver a luta em três frentes:
1 A Liga dos Camponeses Pobres disponibilizou advogados para trabalhar no processo de indenização. O processo que estava sendo julgado era do advogado Paulo Lara, substabelecido para Hernande Segismundo, da Comissão Pastoral da Terra — CPT, sem acompanhamento já há algum tempo. Tornava-se necessário reabri-lo ou iniciar novo processo, o que dependia das possibilidades de vitória ou não no julgamento do processo já aberto. Numa reunião na cidade de Cacoal foi formado um conselho com sete participantes da resistência de Santa Elina para levantamento dos nomes e retomada do processo pelo advogado.
2 A luta política tinha como objetivo propagandear — por todo o país e também a nível internacional —, o trabalho em favor da indenização dos participantes da resistência de Santa Elina, como forma de pressão aos políticos e autoridades. Presentes ao II Congresso da LCP, em 2001, várias entidades de trabalhadores de Rondônia e de outros estados, assumiram uma campanha de divulgação da luta. A manifestação de fechamento da rodovia BR 364 foi um importante momento de propaganda da heróica resistência e chamou a atenção de todo o estado para a causa dos camponeses.
Em julho de 1998, por decreto lei, foi criada uma pensão vitalícia para as famílias das vítimas fatais de Corumbiara. Mas, apesar de muitas famílias já terem entrado com o processo na justiça requerendo a pensão, nada foi feito: uma lei que continua letra morta porque os órfãos e as viúvas continuam desamparados. Apenas as famílias de dois policiais foram beneficiadas.
3 Em maio de 1998, trinta e quatro pessoas do Lagoa Nova, Santa Catarina e Rio Branco, no município de Theobroma, foram examinadas por dois médicos indicados pelo promotor de Jarú, Rudson Coutinho, e eis algumas sequelas constatadas: olho esquerdo lesionado; mialgias toráxicas; conjuntivites crônicas; otite crônica; artrose de coluna; artrose de membro inferior direito; artrose de coluna vertebral; hérnia hinguinal direita; hérnia hinguinal esquerda; infecção renal crônica; surdez; deformidade estética; dificuldades respiratórias; dificuldades de locomoção.
Segundo os médicos que examinaram estes pacientes, as lesões são compatíveis com a história de agressão. A maioria destas pessoas nunca fez tratamento adequado por falta de condições financeiras e de apoio das autoridades.
No Vanessa, nas cidades de Corumbiara, Cerejeiras e Colorado do Oeste e linhas próximas, vivem pessoas que têm projéteis alojados no corpo; outras, com problemas respiratórios; dificuldade de locomoção; surdez; mialgias; problemas renais e muitas outras sequelas que denotam claramente que houve torturas e mais torturas praticadas por policiais e pelos jagunços durante o massacre.
Em Theobroma, a Liga iniciou a triagem dos companheiros com médicos da região para encaminhar um tratamento em Ariquemes, ou Belo Horizonte — onde um grupo de médicos organizou a solidariedade com o trabalho de atendimento médico hospitalar — conforme a gravidade do caso. Em Corumbiara alguns companheiros foram encaminhados para tratamento. As dificuldades têm sido muitas e a proposta é de organizar os companheiros segundo a gravidade dos problemas de saúde, além de promover a campanha de arrecadação para as passagens.
No 4º Congresso da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia, realizado em agosto de 2005, o Comitê se reuniu e decidiu ser mais incisivo na reivindicação de indenização às vítimas da ação policial/latifundiária em Santa Elina.
Após muita insistência, a Secretaria de Direitos Humanos, em Brasília, agendou uma reunião com o Comitê para a segunda quinzena de outubro, mas não se comprometeu com a locomoção dos camponeses de Rondônia até a capital federal. Os 9 mil reais, apenas para o ônibus, não foram conseguidos a tempo e a audiência não ocorreu. A intenção do Comitê é permanecer em Brasília até que a reivindicação seja atendida, mas também não há local para alojamento, o que pode obrigar os camponeses a ficarem acampados.