A entrega do país às corporações estrangeiras é ampla e irrestrita, e o esporte não foge à regra. Tudo deveria estar muito bem nos esportes preferenciais, tais como o futebol e o voleibol, os dois atuais campeões mundiais. Mas, se no futebol campeia a corrupção, no voleibol, apesar da organização e aparente seriedade, não há clubes com recursos suficientes, sequer para a realização de campeonatos estaduais. O Rio não conseguiu incluir um só clube no campeonato da Superliga.
No mais, muito pouco tem sido feito para evitar a decadência do esporte. Mesmo agora, com a escolha do Rio para sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007. As competições do voleibol ficam restritas aos campeonatos nacionais e mundiais.
Até jogador de seleção fica sem clube
Centenas de atletas, mesmo os mais novos da seleção campeã do mundo e os que saem a cada ano das divisões de base do voleibol, não têm onde jogar. Profissionais e funcionários de apoio têm sido demitidos e a situação deve se agravar em todo o esporte brasileiro. Da atual equipe campeã mundial de voleibol, 95% dos jogadores estão atuando em clubes do exterior. Principalmente nos países da Europa, onde ganham, em média, R$ 40 a 50 mil mensais, contra os R$ 2 mil no Brasil. Os clubes alegam que, só para entrar na quadra, a despesa começa em R$ 8 mil.
"Não há como segurar os principais jogadores com o dólar sempre em alta. Por um lado, até que é bom, pois, nossos atletas aumentam o seu potencial. E só têm a ganhar, participando do maior campeonato do mundo, que é o italiano. Não há como segurar ninguém neste país, quando surge uma oferta de fora. Eu mesmo tive esse privilégio e soube aproveitar. Não estou rico e o voleibol tampouco permite isso. Juntei o suficiente para ter uma vida digna", disse o ex-campeão mundial Tande. Mas, enquanto os clubes agonizam, a Confederação Brasileira de Voleibol, que também é recordista de títulos nas quadras e praias em todo o mundo, está anunciando o lançamento de ações na Bolsa de Valores.
A decisão foi tomada em função da reforma estrutural implantada nos últimos quatro anos e a experiência de seu presidente, Ary Graça Filho, no ramo financeiro. Além de uma recente certificação ISO 9001, que comprova o "programa de qualidade e transparência da organização". A data do lançamento das ações poderá coincidir com as Olimpíadas de Atenas, em 2004.
"Temos uma marca que vale ouro. Seremos pioneiros na iniciativa e poderemos conquistar investidores", explica o presidente Ary Graça.
Mesmo com a falência, surgem novos ídolos
Mesmo com tanta exploração do trabalho, desnacionalizações, má nutrição, fome, falta de escola, desorganização, corrupção, somos os atuais campeões mundiais de futebol e voleibol, entre muitos outros títulos conquistados no esporte. O Rio de Janeiro, por exemplo, mesmo sem equipe adulta na Superliga, continua mantendo a tradição de revelar talentos. Recentemente, o Rio conquistou o bicampeonato brasileiro feminino infanto-juvenil.
Com esta realidade, por quem esperar para sairmos dessa situação? Dos governos federais, a serviço de grandes grupos internacionais? Dos governos estaduais ou municipais, empenhados em desenvolver projetos paliativos prevendo retorno em apoios nas vésperas de eleições? Esperar alguma coisa dos gigantescos monopólios, cujo interesse principal é extrair lucros e matéria-prima, extinguindo trabalhadores e reservas naturais?
A exemplo, depois de entrar no mercado de laticínios no Brasil e se tornar conhecida, a Parmalat largou o Palmeiras, onde lucrou muito e o deixou falido, o que provocou o rebaixamento do clube para a segunda divisão. No voleibol, uma grande vítima foi o Vasco, onde o National City Bank, representado pelo Banco Liberal, se desentendeu com os dirigentes do clube e o abandonnou. Em conseqüência, os times de vôlei masculino e feminino tiveram que ser dissolvidos. "Eu também fui convidado para jogar no Vasco, só que achei que o projeto não iria agüentar. Preferi continuar, na época, jogando na praia", disse Tande.
O que os bingos fazem pelo esporte
E o bingo? Será que poderá contribuir, oferecendo um percentual do que arrecada para o esporte?
"O bingo foi um tiro que saiu pela culatra. Se nem mesmo há fiscalização, como garantir os 7% do faturamento para o esporte?", questiona o ex-campeão mundial de voleibol e criador do saque jornada das estrelas, Bernard Rajzman.
Não há mesmo como vislumbrar uma luz no fim do túnel, sem que o próprio povo se organize e volte ao tempo dos esportes amadores. Por que, por exemplo, esses atletas sem clubes não se mobilizam e, através de seus próprios esforços, formam equipes nos seus clubes de preferência e viabilizam campeonatos?
O futebol de praia, por exemplo, onde muitos craques e grandes árbitros começaram suas carreiras — a maioria sem recursos financeiros — enchia as praias com dezenas de jogos nos finais de semana. Hoje esse esporte está praticamente extinto, por força, até, das corporações monopolistas estrangeiras, que passaram a valorizar apenas os torneios de quatro jogadores por equipe, com craques consagrados, em arenas montadas na areia. Com isso, inviabilizam os campeonatos com equipes de onze jogadores, todos amadores.
Difícil torcer por sabonetes e meias
Como pode o torcedor trocar os gritos de guerra e de incentivo às cores de suas equipes, durante os jogos, por marcas de sabonete? Essa é uma questão que pouco importa a essas empresas, porque elas preferem encher as quadras com torcedores profissionais.
No Estado do Rio a situação é muito mais grave. A falência de clubes, como Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo, extinguiu outros esportes, impedindo a realização do campeonato municipal de vôlei.
O pouco que ainda resta dos campeonatos nacionais de voleibol, será viável, apenas, enquanto forem preservados os interesses das corporações estrangeiras. Porque se elas encontrarem investimentos mais satisfatórios, nem a Confederação de Voleibol conseguirá manter em atividade o segundo esporte do Brasil.
Se o próximo governo acabar com o patrocínio de empresas estatais, em especial o Banco do Brasil ou a Petrobrás, a situação se agravará muito. Para os ex-campeões mundiais Bernard e Tande, que defendem a participação do Banco do Brasil no voleibol, a implantação da Lei Rouanet é uma das saídas para o esporte de um modo geral. Seriam perdoadas dívidas dos clubes consideradas impagáveis, até um determinado limite por ano, com a obrigação de beneficiar o esporte.
A esperança de ajuda com a nova administração
Com experiência de dois anos no voleibol italiano, dois no Paraguai e quatro em São Paulo, Tande também reconhece que a saída dos principais jogadores traz prejuízos enormes. "É ruim para qualquer esporte. Os campeonatos ficam esvaziados. Os ídolos impulsionam, mobilizam, trazem novos adeptos. O Guga, no tênis, é um ótimo exemplo. Mas, o que há de se fazer se a nossa política econômica é a da bancarrota e todo apoio é destinado aos que a administram? Há exceções, como o Banco do Brasil, há mais de dez anos um parceiro, não apenas um patrocinador. O voleibol e o banco cresceram juntos, evoluíram. O Banespa, para citar outro exemplo, realiza um bom trabalho em São Paulo, onde, anualmente, seleciona três mil crianças. O Rexona, outro importante apoio, beneficia crianças carentes. Mas, precisamos de mais apoio, principalmente do governo", afirma. "Não acredito que o próximo governo vá acabar com o pouco apoio que ainda existe, quando se informar bem do trabalho que vem sendo realizado com pessoas sérias como Bebeto de Freitas e o Radamés Latari, que começam, agora, a levar seriedade e competência do vôlei para o futebol. Por isso, esperamos que o novo governo dê todo o apoio aos esportes olímpicos, entrando nas comunidades mais carentes e nos deixando em condições de prender nossos ídolos, sem o que também ficará difícil atingir nossos objetivos".
Seleção tem todos os títulos mas ninguém joga no Brasil
Não falta mais nenhum troféu para a seleção brasileira masculina de vôlei. Em outubro, um ace do atacante Giovane garantiu a conquista do único título que a equipe ainda não possuía: o de campeão mundial. Com a vitória por 3 sets a 2 sobre a Rússia, no Ginásio Luna Park, na Argentina, os brasileiros confirmaram sua força no voleibol.
Na Era Bernardinho, que começou em abril de 2001, a equipe chegou à decisão dos nove torneios que disputou, vencendo sete e perdendo dois. Nas premiações individuais concedidas pela Federação Internacional de Volley-ball (FIVB), Maurício foi eleito o melhor levantador da competição e André Nascimento levou o prêmio de melhor atacante. Campeã olímpica em 1992 e da Liga Mundial em 1993 e 2001, a seleção brasileira tem agora todos os principais títulos do esporte. Só que o outro lado é bem diferente. Apenas a AABB Rio; Automóvel Clube Fluminense, de Campos; AE Miraflores, de Niterói; Botafogo FR; CR Flamengo; Fluminense FC; Grajaú TC; Macaé Sports; PM Quissamã e o Tijuca TC estão filiados à federação. O Campeonato da Super Liga, com a primeira fase entre 30/11 e 26/02, não conta com um só clube da cidade do Rio e apenas dois do estado. Quase todas as equipes são representantes de cidades ou empresas, o que demonstra a triste rea lidade do voleibol brasileiro, mesmo na condição de campeão mundial.
A relação de participantes diz tudo: Bento Gonçalves; Ulbra; Telemig; Palmeiras/Guarulhos; Unisul; Intelbras; Shopping ABC/Santo André; Wizard/Suzano; Lupo/Náutico; Banespa; Macaé; MRV Minas; Rexona; AC.Campos; BCN/Osasco; Açúcar União; Blue Life; Pinheiros; Cadsoft/São José; Macaé/Curitiba.
Confederação reconhece o caos e adota providências
No dia 14 de novembro foi lançado o Programa de Apoio às Federações (PAF) pelo presidente da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), Ary Graça Filho, o vice-presidente da Federação do Rio de Janeiro, Marcos Rosenberg, e os coordenadores Sami Mehlinsky e Sérgio Borges, responsáveis pelo projeto no Rio. "Embora o voleibol atravesse um momento privilegiado, com a conquista de tantos títulos, precisamos pensar, cada vez mais, na massificação do voleibol no Brasil. Iniciamos a gestão com os presidentes das Federações e, além do lançamento no Rio, o convênio da CBV com as entidades estaduais já está sendo desenvolvido em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul", disse o presidente da confederação. Com o objetivo de criar, já para o ano que vem, 12 equipes masculinas adultas, os dirigentes Sérgio Borges e Sami Mehlinsky visitaram 73 empresas e 15 prefeituras. "Para saber o que o Rio precisava, convidamos 42 prefeituras para uma reunião, sendo que representantes de 38 estiveram presentes. Depois, escutamos de técnicos de vôlei quais os maiores problemas. A partir daí, desenvolvemos o projeto de revitalização", conta Sérgio Borges.
O projeto de formação de equipes prevê times com 15 atletas, um técnico e um auxiliar-técnico, com custo mensal de R$ 13 mil. Incluídos os pagamentos, taxa de inscrição e mensalidades, quatro placas publicitárias no ginásio que tiver o mando de campo e 20% dos ingressos por jogo.
O projeto prevê a realização de três eventos já a partir do próximo ano: o Circuito Rio de Voleibol, o Campeonato Estadual e a Copa Rio, com custo total de R$ 190 mil, em patrocínio, para cada um. Na elaboração do projeto de revitalização, os dirigentes garantiram que os clubes participantes não terão nenhum gasto, além dos de utilização de suas instalações, nem acesso à verba dos patrocínios. Isso será responsabilidade da cooperativa que, mensalmente, prestará contas ao Tribunal de Contas do Estado e à empresa patrocinadora.