Um total de 1.918 documentos diplomáticos do USA revelados pela organização WikiLeaks mostram como a administração ianque e as transnacionais petrolíferas Exxon Mobil e Chevron manobraram agressivamente para sabotar um acordo firmado entre o Haiti, então sob a gerência de René Préval, e a Venezuela visando a integração do pequeno e pobre país insular na PetroCaribe, aliança do setor de energia firmada em 2005 entre a administração de Hugo Chávez e diversos países na América Central.
Michel Martelly e Hillary Clinton em Washington em abril deste ano
O caso revelado pelos documentos vazados pelo WikiLeaks remonta a maio de 2006, mais precisamente ao dia 14 daquele mês, data da posse de René Préval como “presidente” do Haiti. Ainda que Préval estivesse empenhado em bajular o USA, acenando com vantagens para as transnacionais ianques — chegando até a fazer uma visita “oficial” a Washington antes mesmo de tomar posse —, logo no dia em que assumiu o cargo assinou um acordo com o vice-presidente da Venezuela, José Vicente Rangel, para o Haiti ingressar na PetroCaribe.
Segundo os termos do acordo, o Haiti compraria petróleo da Venezuela pagando apenas 60% à vista e financiando o restante ao longo de 25 anos a módicos juros de 1%. Préval mal havia sido empossado e um petroleiro venezuelano já manobrava na baía de Porto Príncipe carregando cem mil barris de diesel combustível.
O ingresso do Haiti na PetroCaribe desagradou o USA, que queria garantir para seus monopólios o fornecimento de petróleo para o novo governo de Porto Príncipe.
A então embaixadora de Washington no Haiti nomeada por Bush, Janet Sanderson — que hoje é secretária de Estado adjunta da administração Obama — emitiu diversos despachos diplomáticos para o USA afirmando que a embaixada e as transnacionais estavam pressionando a gerência Préval no sentido de minar o acordo com a PetroCaribe, mas a própria embaixadora Sanderson reconhecia que as especificidades da realidade haitiana impunham dificuldades para que Préval abrisse mão da cooperação com a Venezuela, dada as imensas vantagens que Chávez oferecia em comparação com a dependência energética do Haiti em relação ao USA.
Semicolônia haitiana sob nova direção
Os monopólios ianques ficaram ainda mais possessos quando a gerência de René Préval anunciou que seria necessário reorganizar o mercado interno de combustíveis para garantir uma distribuição constante através da PetroCaribe. Na prática, isso significava que os monopólios ianques que operam com distribuição no Haiti teriam que passar a comprar combustível do governo de Porto Príncipe.
“Companhias petrolíferas internacionais estão cada vez mais preocupadas — tanto a Esso quanto a Texaco vão se reunir com a embaixada brevemente porque terão de comprar diretamente do governo do Haiti o petróleo delas”, comunicava a embaixadora Janet Sanderson em um despacho diplomático datado de 17 de maio de 2006.
Outro despacho, este de 13 de outubro de 2006, informava a Washington que o diretor da Exxon no país, Christian Porter, “afirmou, em nome tanto da Exxon quanto da Chevron, que as duas companhias não estariam dispostas a comprar petróleo do governo haitiano já que elas perderiam suas margens de lucro e porque a PetroCaribe tem uma reputação pouco confiável [na pontualidade das entregas]”.
Há ainda relatos de tentativas de sabotagem da entrada do Haiti na PetroCaribe mediante boicote a reuniões e sonegação de informações.
Apesar da sabujisse de Préval e de todo o esforço “diplomático” por parte da embaixada ianque em Porto Príncipe e das grandes transnacionais petrolíferas, o governo haitiano não abriu mão da adesão à PetroCaribe. Agora, o USA chancelou a condução do cantor Michel Martelly ao cargo de gerente do Haiti para os monopólios, esperando que a nova direção da semicolônia haitiana devolva às transnacionais ianques o controle absoluto sobre o mercado local de energia e combustíveis.
A história toda foi garimpada dos arquivos do WikiLeaks pela organização Haïti Liberté e reproduzida pela revista estadunidense The Nation.