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No dia 11 de junho, a comunidade acadêmica da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), no Mato Grosso do Sul, foi surpreendida com a nomeação de uma interventora por tempo indeterminado, enquanto é rejeitado o processo de escolha feita pela universidade.
Em março deste ano, ocorreu o processo de eleições para reitor da UFGD. Na ocasião, o Diretório Central dos Estudantes (DCE), juntamente com os sindicatos dos professores e técnicos, tomou a iniciativa de propor aos candidatos que assinassem um compromisso colocando que, caso alguma das chapas fosse eleita na consulta prévia (forma como são chamadas as eleições com a ampla comunidade acadêmica, pois legalmente não são consideradas), eles se absteriam de concorrer no colégio eleitoral, possibilitando que apenas uma das chapas compusesse a lista tríplice enviada ao Ministério da Educação (MEC). Esse compromisso foi feito como forma de boicotar o MEC e suas intenções intervencionistas, tentando impedir que o presidente escolhesse alguém da lista que não fosse da chapa escolhida pela comunidade acadêmica.
Todos os candidatos aceitaram o compromisso e, dessa forma, quando ocorreu a reunião do colégio eleitoral, as chapas perdedoras se abstiveram de participar, fazendo com que a lista tríplice enviada ao MEC fosse composta somente por nomes de membros da chapa vencedora. Porém, a partir daí o governo tratorou a autonomia universitária e buscou outras formas de intervir na escolha do reitor.
No dia 22 de abril, o MEC devolveu a lista e determinou que fossem realizadas novas eleições, desconsiderando, assim, todo o processo de consulta e escolha que teve grande participação de estudantes, professores e técnicos. Um dos argumentos utilizados pelo governo foi o de que as eleições foram realizadas por paridade de votos (o mesmo peso para professores, técnicos e estudantes) e não por 70% professores e 30% estudantes e técnicos, como previsto em lei. As eleições paritárias são uma grande conquista da UFGD em termos de avançar numa escolha democrática (mas ainda insuficiente), cuja prática é realizada há anos e sempre foi respeitada.
A resposta da universidade à época foi enviar uma resposta ao MEC reafirmando o processo eleitoral como legítimo (apontando, inclusive, que não havia nenhuma irregularidade em termos legais), assim como os nomes mandados na lista tríplice anteriormente. Em seguida, a 1ª Vara Federal de Dourados acatou um pedido do Ministério Público Federal (MPF) e determinou liminarmente a suspensão da lista tríplice. O judiciário aponta em sua sentença argumentos absurdos como “desrespeito a ética” e coloca que deveriam ser convocadas novas eleições, anulando todo o processo anterior. O judiciário completa ainda dizendo que os candidatos deveriam ser impedidos de participar por punição a sua “falta de ética”.
Assembleia dos estudantes que decidiu pela rejeição à interventora nomeada pelo MEC
A decisão da justiça foi derrubada, mas voltou a ser retomada. A clara perspectiva intervencionista de todo esse processo fica patente pelo relato do então vice-reitor Marcio Eduardo de Barros, em Audiência Pública com a comunidade acadêmica realizada no dia 5 de junho que visava discutir os cortes e o processo eleitoral da reitoria. Marcio afirma ter sido intimidado pela justiça em uma reunião de tentativa de conciliação sobre o processo. Na ocasião, a justiça havia colocado para que a universidade cedesse ou fizesse acordos em outros processos. Segundo o vice-reitor, a universidade se negou a fazer ações contra seus princípios e assim, no mesmo dia, o juiz deu a liminar cassando a lista tríplice. A universidade se defende colocando que em eleições passadas realizou da mesma forma o processo eleitoral e não houve impedimentos nem por parte do MEC e nem da justiça. Outra questão a se ressaltar é que, na mesma época, o MEC aceitou a lista tríplice mandada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e escolheu a candidata que havia sido eleita pela comunidade acadêmica (um processo idêntico ao da UFGD, porém a atitude do governo diferiu).
No dia 11 de junho, após a saída da última gestão da reitoria, o MEC avança ainda mais em sua intervenção na autonomia universitária e nomeia Mirlene Damázio, pedagoga e professora da UFGD, como interventora para ocupar o cargo de “reitora pró-tempore”. Segundo a antiga gestão, o MEC alega que não irá escolher ninguém da lista tríplice enquanto o processo estiver sob “judicialização”, o que dependendo do andamento dos processos pode levar meses ou até anos.
A autonomia universitária é um direito democrático instituído e reconhecido desde o século XVIII na França e depois espalhados para outros lugares, cujo objetivo é permitir que a universidade seja um ambiente para o livro curso de ideias, permitindo dessa maneira o avanço científico. Por mais que o processo atual não seja de fato democrático (o que só ocorreria com o co-governo estudantil), este ato representa um enorme retrocesso não só para a UFGD, mas para todas as universidades brasileiras, sendo mais um passo na tentativa do velho Estado de controlar as universidades para aplicar os projetos privatistas.
Intervenção é rechaçada por todos os lados
Contudo, esse grande ataque contra a autonomia universitária de forma alguma foi aceito pela comunidade acadêmica.
Numa Assembleia Unificada das três categorias (estudantes, professores e técnicos), ocorrida no dia 12 de junho, foi reafirmado o compromisso com a defesa da autonomia universitária e da democracia na UFGD, e aprovado o não reconhecimento da nomeação da interventora para a reitoria. A mesma posição foi reforçada em assembleias e notas específicas de cada categoria, além de centros acadêmicos e outras entidades.
Como aponta a Comissão Provisória de Representantes da Associação de Pós-Graduandos/as da UFGD (APG-UFGD), “diante deste cenário, manifestamos repúdio à nomeação da professora Mirlene Damázio como reitora pró-tempore da UFGD e, portanto, a consideramos interventora e sem legitimidade para exercer o cargo. Exigimos que a comunidade acadêmica da UFGD possa debater e decidir os rumos da instituição. Não aceitaremos a arbitrariedade do MEC nas decisões internas de nossa universidade, defenderemos a democracia e nos colocamos à disposição das demais entidades na defesa da autonomia universitária, bem como pela defesa da pesquisa e do ensino de qualidade”.
Além disso, uma nota assinada pelas faculdades de Direito e Relações Internacionais, Intercultural Indígena, Administração, Ciência Contábeis, Economia, Engenharia, Ciências Humanas e Comunicação, Artes e Letras também colocou seu repúdio à intervenção. Outra nota, assinada pela coordenação dos cursos de Graduação e Pós Graduação em Geografia, afirma que: “a designação de um dirigente pró-tempore sem lastro eleitoral e sem o respaldo do coletivo de servidores e estudantes, e ainda com intensa articulação junto a uma das chapas derrotadas, coloca em risco um dos pilares constituintes das instituições federais de ensino superior, a autonomia universitária”.
Outras entidades também se pronunciaram, como o Conselho Federal de Psicologia, que, em nota, apontou que “a autonomia e a independência das Universidades são premissas para a produção de conhecimento. A ação do MEC desrespeita a luta histórica por democracia dentro das Universidades”.
Estudantes, professores e técnicos também se mobilizam para enfrentar a intervenção. Além da assembleia pública do dia 12, no dia da Greve Geral contra a “reforma” da Previdência, em dia 14 de junho, as três categorias fizeram um protesto na sede da reitoria. Já no dia 17/06 ocorreu outro ato em repúdio à intervenção, com a mobilização de muitos professores e técnicos.