Moradores de Carmo de Minas (MG) e ativistas do Instituto São Lourenço Sustentável constituíram o movimento Mineração Aqui Não! durante os meses de dezembro de 2024 e janeiro deste ano. A mobilização ocorreu por conta do conhecimento da possível instalação de empreendimento minerário na Estrada da Barra, que fica na zona rural da cidade. O objetivo dos atuantes é engajar a luta dos moradores do bairro da Barra e toda Carmo de Minas para barrar a instalação da pedreira, isso num contexto em que o Plano Diretor da cidade ainda está sendo desenvolvido.
Desde 2019, algumas áreas da cidade de Carmo de Minas (MG) estão na mira de objetivos minerários. De lá para cá, 5 áreas (cerca de 298 hectares no total) foram requeridas pelo empresário e engenheiro André Macedo de Brito, sócio da empresa MINERACT e da Mineração Circuito das Águas.
Dentre elas, como disse o empresário em entrevista à rádio local, a mais adequada para seu empreendimento e com maior “viabilidade econômica e ambiental” seria no Sítio Santa Teresa, a cerca de 4 quilômetros da entrada do bairro da Barra. Nessa área existem três processos que convergem e constam no Sistema de Informações Geográficas de Mineração: um deles abrangendo grande parte da Montanha Sagrada, na fase de Autorização de Pesquisa e Transferência parcial dos direitos, sob o nome da MINERACT, datado de 2019; e outros dois que se limitam ao Sítio Santa Teresa sob processo da Mineração Circuito das Águas, havendo passado cada um deles no mês de dezembro para fase de Requerimento de Pesquisa e de Licenciamento junto à Agência Nacional de Mineração (ANM) e outras instituições. O Sítio Santa Teresa possui 7.65 hectares no total, e é o local pretendido para instalação de uma pedreira de rochas gnaisse para extração de brita, material usado para fazer concreto e uso na construção civil, num empreendimento classificado como sendo de pequeno porte, com médio potencial poluidor, ocupando uma área de cava de 3,17 hectares. O Requerimento confere cerca de 10 anos de trabalho numa jazida que contém aproximadamente 2.000.000 de toneladas de minério, sendo 200.000 toneladas por ano.
Além de prestar serviços de consultoria mineral, a Mineract Consultoria Mineral LTDA, faz prospecção, gestão de áreas de interesse, gestão de mineração, dentre outros processos. A empresa foi criada em fevereiro de 2014 e já realizou trabalhos para empresas de todo tipo (de pequeno a grande porte, seja nacional ou estrangeira), mesmo configurando-se enquanto microempresa. André Macedo de Brito é sócio-administrador e está executando pesquisa em duas das áreas licenciadas. Já a empresa Mineração Circuito das Águas LTDA, criada no início de dezembro de 2024, pertence em parte a André Macedo de Brito e será aquela que irá efetivamente ocupar o solo e instaurar a pedreira.
Ao saberem do requerimento para possível instalação de mineradora no bairro, os moradores da região e ambientalistas constituíram um movimento para barrar o projeto minerário. Fizeram a pesquisa acerca da questão, realizaram reuniões com o Executivo municipal, e o Instituto São Lourenço Sustentável, organização ambientalista não governamental de São Lourenço (MG), encarregou-se de buscar acesso ao documento denominado Licença Específica para Extração Mineral (isso baseando-se na Lei de Acesso à Informação – Lei nº 12.527/2011). O movimento organizou suas próprias redes sociais para difusão de informações e colocaram seus esforços no Abaixo-assinado físico e digital, que já possui mais de 4.500 assinaturas. Eles também panfletaram e coletaram assinaturas à mão em diferentes locais da cidade, como na entrada da Estrada da Barra, nos bairros e praças. A população tem apoiado em peso o movimento contra a mineração na cidade.
Problemas
Dos diversos problemas regionais desencadeados pela instalação da pedreira, são assinalados pela mineradora no seu Relatório Simplificado: erosão e assoreamento por conta da água das chuvas e do solo exposto e pouco vegetado que afetarão os cursos de água naturais; geração de diversos poluentes (poeiras, gases, etc.), acima de padrões toleráveis; supressão de vegetação e atividades produtivas locais; geração de ruídos, devido ao funcionamento dos equipamentos de perfuração e carregamento; alteração profunda e desnível na topografia local com a formação das bancadas pela cava e impacto visual decorrente disso; dentre outros. O local abriga três cursos d’água e nascentes que se direcionam para a comunidade da Barra. A alteração na sua qualidade causada pelo carreamento de partículas sólidas pelas águas pluviais ou o desvio do córrego, poderá causar insegurança hídrica à população da Barra, tal como aponta o produtor rural Pedro Lúcio em entrevista à rádio local, ele que é dono da Fazenda da Barra e morador. “Eu fico muito preocupado, porque eu moro ali na Fazenda da Barra faz 40 anos, e a minha água potável vem lá do Sítio Santa Teresa, que o Zé Barão [antigo dono do Sítio] me doou a praticamente 36 ou 37 anos. […] mineradora usa muita explosão, muita bomba, e isso ocasiona o desvio da água, e a gente fica muito preocupado com os sons.” A geração de poeira de pedra gnaisse e materiais particulados no geral – pelo tráfego de equipamentos, perfuração da rocha, detonação, carregamento no caminhão e ainda pelo vento e decapeamento da jazida – será outro problema. Irá afetar diretamente a qualidade do solo e pastagens, atingindo a agricultura, horticultura e pecuária local. Atinge também a saúde da população, sendo a exposição à sílica e pó de pedra causadora de complicações respiratórias. A intensa atividade física das máquinas quentes, explosões e poeira, considerando também a reflexão das rochas, levará ao desequilíbrio do clima, afetando mais uma vez a atividade produtiva agrosilvipastoril. O local abriga fragmentos de Mata Atlântica no seu entorno, e mesmo que o projeto inicial precise fazer o corte de apenas 16 árvores, toda a grandemente diversa fauna local – que inclusive inclui o macaco sauá (Callicebus personatus) em estágio vulnerável de extinção – sofrerá o risco de deslocamento, para além da possível
expansão do empreendimento para outras áreas de vegetação por conta da atualização da cava. A desvalorização dos imóveis e terras agrícolas mais próximas à pedreira (que será instalada a 400, 150 e até 120 metros de distância de moradias de populares) e a necessidade de manutenção periódica das estradas, que sofrerão com os aproximadamente 20 caminhões de brita que passarão diariamente, são outros problemas levantados pelos ativistas. Em relação às diversas medidas mitigadoras que a mineradora assinala no seu relatório, diversos problemas são omitidos. Cabe indagar se irão cobrir com os problemas dos moradores que terão seus terrenos desvalorizados e sua atividade produtiva afetada. Ou se irão realizar, juntamente com a prefeitura, manutenção periódica das estradas. Esses são problemas que a mineradora não está levando em consideração, até porque, como também deixa claro, “nenhum estudo social foi realizado nas proximidades do empreendimento.”
Os sócios da mineradora manuseiam as possibilidades e fatos da maneira que lhes convêm. Afirmam não haver cursos d’água que abastecem a comunidade abaixo, não haver plantações de café na região que serão afetadas pelos problemas assinalados pelo seu próprio relatório, e afirmam mesmo não haver moradores. Em relação a criação de emprego, os representantes da mineradora afirmam uma estimativa de até 30 empregos diretos e 900 empregos em cadeia para a população de Carmo e São Lourenço, dados que na verdade não existem. Quanto ao problema de desvalorização imediata dos imóveis mais próximos, entregam como solução a população “lutar” para estabelecer um distrito industrial na região, conseguindo assim valorizar novamente seus imóveis a partir de um sonho.
Acerca do desmonte (explosão da rocha) é afirmado pela mineradora que “INICIALMENTE está previsto para ocorrer a cada 2 meses”. Porém há controvérsias, já que isso vai depender muito mais da demanda. Quanto maior a demanda, maior será a frequência do desmonte.
Ataques contra o movimento
Muito foi feito para intimidar a população e os ativistas para cessarem suas atividades, desde mentiras em redes sociais até intimidações judiciais e abertura de processos criminais. Um dos ativistas denuncia: “Importante falar que ele [Andre Macedo de Brito] vem fazendo uma intimidação, tentando barrar o avanço da informação, as pessoas de se comunicarem. Uma outra pessoa no Facebook, que fez apenas um pedido de informação, já foi alertada: “Apague em 24 horas se não irá sofrer processo civil e criminal” […]. Ele está utilizando essa ferramenta que maior parte de pessoas ligadas a esse tipo de atividade implementam, que é a intimidação mesmo, o uso e abuso do capital. Tem gente que não tem dinheiro para pagar um advogado, então isso assusta.” A Mineração Circuito das Águas está acusando comumente os ativistas de constituírem uma organização criminosa e ameaça processá-los por formação de quadrilha. A mensagem feita pelos moradores – ALERTA: MINERAÇÃO AMEAÇA CARMO DE MINAS E REGIÃO – amplamente divulgada nas redes sociais e que lista diversos problemas que podem acontecer em consequência da instalação da pedreira, foi respondida pela própria empresa e o jornal local usado como porta-voz da mineradora: “A mensagem trata um Projeto Sério, Ambientalmente Correto, Relevante e Importante que está sendo Licenciado junto aos Órgãos Competentes da Mineradora Circuito das Águas como sendo uma grave ameaça, incitando a população, e comete injúria, calúnia e difamação, crimes previstos no Código Penal Brasileiro.”
Posicionamento da prefeitura
Após emitir a Licença Específica para Extração Mineral em dezembro de 2024, documento necessário para avanço na instalação, e ser pressionada de maneira severa pela população, a prefeitura tardiamente abre diálogo com a comunidade.
Um ativista consultado pelo jornal A Nova Democracia disse que o posicionamento da prefeitura é típico de quem se coloca “em cima do muro. “O que eles falam é: ‘estamos abrindo a conversa com vocês’. E nós respondemos: ‘não, não estão, porque a Licença Específica para Extração Mineral foi assinada sem ninguém saber, e isso em tempos de desenvolvimento do Plano Diretor. Teríamos sido ouvidos se a população tivesse sido contactada antes de ser assinada a licença.'”
Os ativistas defendem quee a mineração tem local adequado para ser instalada e qye deve ser subordinada aos interesses do povo, principalmente das massas que serão diretamente impactadas.
Os ativistas buscam a realização de Audiências Públicas para discussão da questão o mais rápido possível; irão concentrar esforços também na mobilização crescente da população e lançarão nota ao Ministério Público, protocolando a denúncia e exigindo a consulta dos trabalhadores e moradores do local.
“Pressionar a Prefeitura é fundamental pois o primeiro documento foi emitido sem consulta popular, e será preciso exigir sua revogação e a suspensão de qualquer novo documento”, disse um ativista. “O Plano Diretor está em desenvolvimento, então é preciso esperar”.
No momento, a mineradora busca a Licença Ambiental (cujo Órgão Competente para sua emissão é o Estado) e o Registro de Licença (cujo Órgão Competente para sua emissão é a Agência Nacional de Mineração). “Agora, ele [o prefeito] precisa assinar o documento de ocupação do solo, que é a nossa briga para que ele não assine isso antes de uma audiência pública”, afirmam os ativistas.
No dia 19/03, na reunião do Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA) de Carmo de Minas, realizada na prefeitura, foi discutida a questão do possível empreendimento na Barra e feita uma votação de um parecer opinativo do conselho sobre a concessão da Certidão de Uso e Ocupação do Solo para a mineradora. Os ambientalistas marcaram presença. Nas votações, 8 conselheiros votaram contra e 2 se abstiveram. Essa é uma vitória importante para o movimento, pois o processo de licenciamento ambiental necessita da aprovação da Certidão de Conformidade para avançar com a pedreira. Porém, essa não é uma vitória definitiva, e ainda é aguardada a resposta ao pedido de Audiência Pública.
Toda a questão denota contradição evidente entre os interesses particulares dos magnatas ligado à mineração e construção civil e os interesses dos trabalhadores que moram no local e defensores do meio natural.
O cancelamento do empreendimento é a afirmação de que apenas as massas populares podem defender de maneira fiel seus interesses. O decorrer de toda a questão está relacionado com a capacidade da população de mobilizar e se sustentar nos seus próprios esforços, e a maior politização em torno do programa democrático depende da capacidade dos ativistas em realizar o salto entre reivindicações de caráter apenas socioambiental e econômico a reivindicações de caráter político, democrático e revolucionário.