Moradores da Ocupação Pingo D’Água realizaram um protesto contra reintegração de posse no dia 24/08. Foto: Reprodução/TV Globo.
Moradores da Ocupação Pingo D’Água realizaram um protesto na BR-262, em Betim, no dia 24 de agosto, contra a reintegração de posse do terreno em que vivem há mais de 10 anos, em mais de 130 famílias. É o terceiro protesto do mês de agosto rechaçando a ordem de despejo requerida pela MRV Engenharia. As famílias lutam desde o mês de maio, quando o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou a desocupação do terreno. Os moradores denunciam que quando eles chegaram no terreno, há 10 anos atrás, o terreno não estava cercado e era utilizado como local de desova de lixo.
No protesto do dia 24/08, os manifestantes entoavam: Com luta, com fé, Pingo D’água fica em pé! e afirmaram em entrevista que o protesto tinha como objetivo denunciar o velho Estado e demonstrar que “as famílias vão lutar, vão resistir, não vão aceitar o despejo, vai ocupar as ruas, vai ocupar a BR, quantas vezes precisar”, conforme afirmou uma presente.
Moradores da Ocupação Pingo D’Água realizaram um protesto contra reintegração de posse. Foto: Rubens Batista / Reprodução
Já no dia 15/08, mais de 120 moradores da ocupação realizaram o bloqueio da mesma rodovia por mais de cinco horas, vencendo as tentativas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de dispersar o protesto. No dia 08/08 também ocorreu um protesto com bloqueio da via.
Famílias enfrentam prefeitura para conquistar moradia
Moradores da Ocupação Pingo D’Água realizaram um protesto contra reintegração de posse em 08/08. Foto: Foto: Elton Lopes/TV Globo
Fruto da luta popular e pressão das massas por manter suas casas, foi aprovado, em 13 de julho de 2022, o PL 162/22 na Câmara de Vereadores de Betim/MG. Ela declara a área da Ocupação Pingo D’água como Área de Interesse Social para fins de desapropriação para moradia popular. Esse PL foi vetado, mais tarde, pelo prefeito reacionário de Betim, Vittorio Medioli.
Desde então, as famílias realizaram diversos protestos na Câmara e na prefeitura e, no dia 22 de agosto as famílias da Pingo D’água acamparam em frente à Câmara de Vereadores contra o veto do prefeito e a ordem de despejo.
O histórico da luta combativa por moradia em Betim
Na história de Betim, a luta combativa de cerca de 200 famílias pela moradia, em 1999, deu a luz à Vila Bandeira Vermelha. Naquela ocasião, as massas, cansadas das promessas não cumpridas de construção de moradia para o povo pelo então prefeito Jésus Lima (PT) – que fazia promessas desde 1992 quando era vereador –, decidiram-se por ocupar um terreno público abandonado no bairro Bandeirinhas. Havia, em Betim, mais de 10 mil famílias cadastradas no projeto habitacional de Betim, necessitadas de moradia. Em três anos de mandato, o oportunista Jésus Lima nada fez.
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Tomando o destino nas próprias mãos, as cerca de 200 famílias pobres ocuparam o terreno da prefeitura de forma consciente e organizada no dia 15 de março. Os movimentos LPM (Luta Popular pela Moradia) e MCL (Movimento das Comissões de Luta) estavam lado a lado com as massas na heroica empreitada, dirigindo a luta pela moradia.
Em entrevista ao AND, o coordenador da LPM, Cícero da Silva, afirmou: “Nossa forma de organização incomodou muito a prefeitura. Tudo era decidido em assembleia. Aprovamos que somente dois representantes, das duas organizações, apareceriam em público e que a negociação com a prefeitura seria feita por eles, junto aos membros do Comitê de Apoio. Essa decisão impedia que os oportunistas da frente popular pudessem negociar separadamente com algumas famílias e continuassem ameaçando-as, buscando dividir nosso movimento.”. Segundo Cícero, o Comitê de Apoio era formado por mais de 40 entidades de classe, além de democratas e progressistas. Sua tarefa era coordenar a solidariedade às famílias acampadas, bem como divulgar os objetivos da luta.
As negociações com a prefeitura não evoluíram, porque a assembleia também decidiu que só negociaria diretamente com o prefeito. Durante 40 dias, mais de 30 pedidos protocolados na prefeitura pelo Comitê de Apoio foram negados. A queda de braço com a prefeitura fortalecia, a cada dia, o acampamento, porque “quanto mais seus representantes caluniavam o movimento, mais apoio o acampamento recebia”. Nesses 40 dias não faltou comida, remédio, roupa e médicos.
No fatídico dia de 26 de abril de 1999, as famílias enfrentaram 600 policiais militares do Choque em Betim, enviados por Jésus Lima para impedir a luta por moradia. A ação brutal da polícia, que tentava com maioria desproporcional esmagar com todas suas forças um movimento popular organizado e consciente, tirou a vida de dois jovens operários: Erionides Anastácio dos Santos e Elder Gonçalves de Souza, assassinados a tiros, e dezenas de feridos, inclusive mulheres e crianças.
Cléber Costa de Farias, Coordenador do MCL, sintetiza assim a batalha: “O motivo de termos resistido até o fim é que todos os companheiros estavam muito bem preparados. Nós levamos muito tempo mostrando em reuniões, assembléias, que aquela era a oportunidade que tínhamos para conseguir um lugar para morar. Foram dois anos de preparação. Por isso, quando a polícia chegou, todos sabiam que, perdendo aquela oportunidade, ficaria muito mais difícil conquistar outro terreno. E no confronto, quando vimos que dois companheiros foram covardemente assassinados, além de outros feridos gravemente, isso gerou mais resistência, mais firmeza e mais solidariedade, deixando as famílias decididas a defender todo mundo que estava ali dentro. Nosso movimento tinha vanguarda. Havia uma coordenação com o objetivo claro de conquistar nosso direito. E é isso que eu acho. Temos que mudar isso que tem no país. Temos que conquistar um pedaço de terra, mas, para mudar tudo que está aí. O povo não tem saúde, não tem escola, não tem emprego, está à mercê da miséria. Tudo isso foi o que levou o povo a ter a coragem de enfrentar a polícia. A miséria leva o povo a ter determinação e quando viu uma saída para se libertar do aluguel, agarrou. A experiência da Bandeira Vermelha levou o povo a ter a consciência de quem é quem em nosso país, quem o defende realmente.”
A repercussão do confronto entre os acampados e 600 policiais da tropa de choque da PM na Bandeira Vermelha, ganhou destaque internacional. O prefeito Jésus Lima, não viu outra solução senão negociar com os acampados no terreno tomado pelas 200 famílias, de acordo com as decisões da Assembléia Popular instalada desde o dia 15 de março de 1999.
No final do ano de 2002, a prefeitura fez a entrega de 180 casas populares a igual número de famílias — cerca de mil pessoas. A luta da Vila Bandeira Vermelha mostrou o caminho de que, diante da negação pelo velho Estado a dar moradia para o povo, apenas a luta combativa, consciente e organizada pode conquistar vitórias às massas trabalhadoras.