Estudantes do Movimento de Bolsistas Independentes (MBI) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) denunciam a precarização da assistência estudantil na universidade que é gerida pela Fundação Universitária Mendes Pimentel (FUMP). A FUMP é a entidade privada responsável pela gestão dos recursos da assistência estudantil repassados pela UFMG. Na prática os recursos do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) repassados à universidade são geridos por uma fundação de direito privado. Estudantes bolsistas relatam que a universidade tem falhado em atender adequadamente as necessidades dos estudantes, principalmente os de renda mais baixa.
Há anos a educação pública vem sendo sucateada e cada vez mais aumentam as parcerias público-privadas, expressão da privatização na educação pública. Enquanto os estudantes começam a evadir por falta de políticas de permanência na universidade, resultado dos sucessivos cortes orçamentários, Luiz Inácio inaugurou 2024 com um corte de R$4 bilhões nas áreas da Educação e Saúde.
Em entrevista concedida ao comitê de apoio de Belo Horizonte, representantes do MBI trouxeram à tona a preocupante situação da assistência estudantil na UFMG.
AND: Como é o funcionamento das bolsas de estágio?
Há muitos anos, as bolsas da fundação estão insuficientes para dar conta da demanda dos estudantes, assim como o modo de operação da fundação: é preenchido por brechas que prejudicam o princípio do direito democrático da educação.
Uma das questões principais levantadas é a situação do programa de formação profissional complementar da UFMG que opera de forma privatista, fazendo os estudantes pagarem sua permanência universitária com trabalho. Em tese, o programa operaria com estágios práticos dentro da área de formação do estudante, preparando para a atividade profissional, mas que na prática, se faz como emprego de meio período, frequentemente na administração da universidade ou no atendimento de “clientes” (outros membros da comunidade universitária).
AND: Quais as consequências desse tipo de trabalho para os estudantes?
Os contratos do programa não são considerados como contratos de trabalho, nem se quer como estágio! Aqueles que estão dentro do programa não possuem direitos trabalhistas, não possuem direito há férias, não sendo pago um vale transporte integral, não possuem direito à vale alimentação, etc. Tudo isso por apenas R$550 reais, quase um terço do salário-mínimo atual! São limitados à uma bolsa exclusiva às outras bolsas da FUMP, ou seja, caso o estudante receba a bolsa, é limitado apenas a essa bolsa, não podem recorrer à outras, mas que também exigem exclusividade empregatícia.
Toda a situação forçando muitos estudantes a recorrem ao trabalho informais, trabalhando de freelances em bares e outras atividades.
Reproduzimos também abaixo a carta à comunidade da Universidade Federal de Minas Gerais redigida pelo MBI:
Nos organizamos aqui, na forma desta carta, para trazer à atenção de todos da comunidade da UFMG a situação precária de muitos bolsistas (estagiários) do Programa de Formação Profissional Complementar (PFPC) da FUMP, órgão de administração privada que cuida da assistência estudantil da UFMG.
Em teoria, o programa funciona como um estágio prático, em uma área de atividade da graduação do discente, onde ele faria parte de diversas atividades e cursos que promoveriam uma formação acadêmica mais completa, tudo isso enquanto recebe uma bolsa de incentivo e auxílio locomoção.
Na prática, é esperado dos discentes que trabalhem “empregos” de meio período, com atividades repetitivas e diversas funções acumuladas (raramente coerentes com sua área de formação), por um “salário” de R$ 550, quase ⅓ do salário mínimo, e tudo isso sem sequer receber um auxílio transporte integral, comparte do já baixo “salário” sendo destinado a completar o valor faltante.
A questão é a seguinte: apesar de, em todos os sentidos práticos, os bolsistas serem tratados pelos coordenadores como funcionários, e realizarem tarefas fundamentais do funcionamento dos departamentos, a própria existência de sua atividade como emprego não é reconhecida pelos departamentos, pela FUMP ou pela UFMG. Quando realizando tarefas administrativas a fim de suprir a ausência de um funcionário efetivado, ou realizando “favores” aos seus coordenadores, ou mesmo atuando diretamente como atendente para os “clientes” dos departamentos, todos estão muito confortáveis em dizer “este é o seu Trabalho”. A mesma certeza não existe quando, por exemplo, o bolsista questiona a falta de um Vale Transporte integral para seu Trabalho, ou a necessidade de exclusividade empregatícia para a participação no programa, ou mesmo a falta de reajuste do seu “salário”.
Voltando ao ponto inicial: qual o propósito, afinal, desse programa, se as atividades realizadas nele dificilmente cumprem o propósito de servirem como promotores de uma formação educacional mais robusta? Reflita conosco: sabendo da situação atual das universidades federais, dos cortes de verba, e da carência de políticas de assistência etc., que pessoa pobre, necessitada de auxílio para concluir sua graduação, negaria R$500 de benefício? O aluno pobre na UFMG, então, vê-se inclinado a aturar condições menos do que ideais de trabalho em troca do tal “benefício”.
Sendo assim, o PFPC parece cumprir o papel de direcionar parte da verba da assistência estudantil para aqueles alunos dispostos a trabalhar por uma bolsa, portanto presumivelmente mais necessitados financeiramente. Tudo indica, então, que a FUMP está plenamente ciente disso tudo.
O papel descrito do programa não condiz com a realidade de sua execução. A função dele para a instituição é a de resguardar parte do auxílio estudantil, o reservando para aqueles dispostos a pagar por ele. Pagar com menos tempo para se dedicar aos estudos, pagar com o cansaço físico e psicológico, pagar com seu silêncio perante quebra de contrato ou mesmo abusos psicológicos, verbais e morais sofridos durante seu período de estágio. Tanto a FUMP quanto a UFMG, em seus materiais de promoção, assim como em qualquer texto que o leitor encontrar que diga respeito aos princípios ideológicos da educação pública, defendem a igualdade de oportunidades, a educação democrática, a paridade, repudiam qualquer discriminação socioeconômica ou cultural, etc.
Você já leu isso antes, porém, frente a tudo exposto até aqui, se vê que na prática, uma parcela significativa dos alunos de baixa renda não tem escolha senão trabalhar por uma bolsa que, sendo nem sequer metade de um salário mínimo, é incapaz de cobrir os custos de vida em uma capital, muito menos em um bairro universitário onde os preços de bens de consumo assim como os de moradia são consideravelmente mais caros. Ou seja, o aluno pobre paga por sua permanência na universidade com sua força de trabalho, forçado a tolerar toda sorte de situações vexatórias, com medo de não poder permanecer na universidade sem essas bolsas. Pode-se dizer que um discente, pagando por sua estadia na universidade com seu corpo, desgastado física e psicologicamente antes mesmo de pisar em sala de aula, realmente desfruta da mesma universidade gratuita que os demais?
Se torna evidente, então, que a situação dos bolsistas de estágio da FUMP (que inclui as condições de trabalho, a má remuneração e ainda as implicações sociais de estudar e trabalhar no mesmo ambiente) é contraditória à própria visão que a UFMG constrói de si mesma em materiais de promoção e aos princípios ideológicos da educação pública, democrática, gratuita e inclusiva.
Movimento de Bolsistas Independentes, Belo Horizonte, 21 de Maio de 2024.