Camponeses lutam por seu direito à terra
Em 2006, foi lançado pelo empresário Eike Batista e a então governadora do Estado do Rio de Janeiro, Rosinha Garotinho, a ideia de construir um “superporto“ localizado na região do Açu, no município de São João da Barra, no norte fluminense. A justificativa era que tal investimento transformaria a região em um verdadeiro polo industrial e geraria empregos. Tal fato deixou os moradores da região e dos distritos vizinhos entusiasmados e esperançosos. O real objetivo por parte dos grandes burgueses era logístico: a área é próxima à bacia de Campos (uma das maiores reservas de petróleo do país) e está dentro da rota do minério Minas-Rio, sendo estratégico ter ali um “superporto“.
As obras de construção do “superporto“ iniciaram-se em outubro de 2007, por meio da empresa LLX, de Eike. Foi a partir daí que os camponeses e os moradores da área começaram a perceber que nada disso lhes serviria.
A reviravolta aconteceu em 2009, quando o então governador Sérgio Cabral assinou um decreto que permitia a expropriação das pequenas propriedades dos camponeses e casas de moradores – expropriação de uma área total de 7,2 mil hectares de terra – para serem entregues à LLX, de Eike. A justificativa foi que isso seria necessário para construir o complexo industrial. A maioria dos moradores até hoje não foram indenizados e muitos perderam as suas terras sem direito a nada, pois não tinham a escritura de propriedade (eram posseiros).
Camponeses marcham para repudiar a expropriação realizada pelo Estado; hoje, as terras estão paradas para especulação
Bilhões para eles, nada para nós
O megaempreendimento que contou com bilhões em empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e que prometia desenvolvimento para a região, com o passar do tempo, provou-se um verdadeiro fracasso. Não gerou os empregos que eram esperados: muitos trabalhadores, boa parte oriunda do campesinato local (despejado de suas terras), foram utilizados temporariamente para algumas obras sem os devidos direitos e foram despedidos. A natureza e biodiversidade do lugar também sofreram: a terra, antes produtiva, onde se plantava de tudo, teve o seu solo contaminado, a restinga foi destruída e menos de 10% da área expropriada é utilizada pelo “superporto“.
Com os escândalos de corrupção envolvendo Eike e sua consequente prisão em janeiro de 2018, a LLX acabou se descapitalizando e foi substituída pela estadunidense Prumo Logistica S/A, que agora é a acionista majoritária do “superporto“.
O grande capital estrangeiro, com o aval do velho Estado, expropria e obriga os camponeses a saírem de suas terras.
Reintegração de posse
Em agosto de 2017, a empresa Prumo, que agora se diz dona das terras, entrou com uma ação de reintegração de posse de algumas parcelas da terra na 2ª Vara da Comarca de São João da Barra, que foi prontamente determinada pelo juiz titular Leonardo Cajueiro D’Azevedo. Ironicamente, os camponeses roubados que resistem são chamados de invasores.
Segundo os moradores, para cumprir a ordem de despejo contra os camponeses que recusam-se a deixar as terras foram mobilizados pelo judiciário inúmeros funcionários, seguranças da empresa e policiais militares. Os trabalhadores denunciam que os policiais, de modo aberto, andam nos carros da Prumo juntos com os seguranças da empresa, destroem as casas, as plantações e os animais dos camponeses para os obrigarem a saírem das terras.
“Eles entraram só com a intimação. Eles esparramaram o gado e aterraram os poços de água. Sem aviso, sem mandato de desapropriação, sem nada.“, protesta o camponês, já idoso, Jair Alves de Almeida.
Após expulsar os camponeses, a Prumo, com a anuência do velho Estado, coloca cercas e proíbe os camponeses de entrarem nas terras, as quais são protegidas com “seguranças“ armados (pistoleiros). Hoje, as terras estão completamente ociosas e servindo à especulação. A Prumo ainda aluga as terras expropriadas para outras empresas estrangeiras por quantias milionárias, bem superiores aos que ela pagou (quando pagou). A empresa também é acusada de grilagem de terras.
Segundo os agricultores, a única proposta viável é a revogação do decreto, porque ela garantirá a devolução das terras aos seus proprietários. “Na minha terra eu plantava abacaxi, maxixe, tomate e aipim. E era isso que eu sabia fazer e era o meu único sustento. Do dia para a noite, chegaram cinco carros de polícia, arrastaram minha mãe de mais de 90 anos e me tiraram de casa. Hoje dependo do aluguel social para viver e ele está atrasado“, relata Adilson Gomes da Silva, 55 anos. Ele prossegue: “Trabalho de bicos, porque não tive estudo e a única coisa que sei é a lida na roça. A terra é minha, da minha família e é para lá que eu quero voltar“, arrematou. Hoje, dentro do seu terreno está passando um duto para escoar o minério para o porto, enquanto ele, a esposa e filho moram numa casa de apenas um quarto; a mãe, por sua vez, faleceu.
Os pequenos agricultores, para defenderem-se, montaram a chamada Associação dos Produtores Rurais e Donos de Imóveis de São João da Barra (Asprim). A associação é presidida pela Dona Noêmia Magalhães, a mais enfática lutadora dentre os camponeses, que se recusa a abandonar o seu pequeno sítio.