Elifas em 2015, durante a exposição “Elifas Andreato, 50 anos”. Foto: Reprodução.
“Entrei nesses movimentos todos, nessas publicações, porque passei a fazer parte de um selecto time que tinha coragem para realizar aquilo. Muita gente hoje lê a história, mas não imagina o que era de fato (…) “Nós éramos todos guerrilheiros, militantes, e toda vez que me chamaram para desenhar alguma coisa com a qual eu concordava, sempre fiz.”
Elifas Andreato, em entrevista para a revista Comunicação e Educação (2006)
O artista, jornalista e militante Elifas Andreato (1946-2022) morreu em São Paulo (SP), no dia 29 de março, de complicações de um infarto que teve dias antes. Elifas foi um dos mais reconhecidos ilustradores da história do país, seja em seu trabalho comercial – do qual se destaca como capista de álbuns musicais, com mais de 350 capas produzidas –, seja em seu trabalho para jornais democráticos durante o regime fascista (1964-1985).
DESENHISTA E MILITANTE
Natural de Rolândia (PR), filho de lavradores que migraram para um cortiço em São Paulo (SP) durante sua infância. Começou a trabalhar desde os oito anos de idade, primeiro auxiliando na roça da família e depois nas feiras de São Paulo, onde cresceu privado de educação formal. Desenvolveu seu interesse pela arte desde menino, fazendo esculturas com restos de lixo que achava na rua. Na adolescência, como operário numa fábrica de fósforo da Fiat Lux, na Vila Anastácio, desenhava cenários para decoração das festas operárias. Conquistando visibilidade, começou a estagiar na Abril em 1967.
Através do contato com o repórter Carlos Azevedo, da revista Realidade, Elifas integra a organização revolucionária Ação Popular em 1969. Nos anos seguintes, iria diagramar, ilustrar e mimeografar, em sua casa, o jornal clandestino Libertação. Nos anos 70, deixa a editora Abril e passa a contribuir com várias publicações de imprensa popular de oposição ao regime, como os jornais Opinião e Movimento e a revista Argumento.
Capa da edição de nº 63 do jornal Movimento (1976), em ocasião da morte do Presidente Mao. Foto: Reprodução.
NOSSO MAIOR CAPISTA
Nesse período, inicia uma época de intensa produção de ilustrações para a imprensa, mas também para capas de álbuns musicais, onde ganhou reconhecimento como o mais célebre capista da música brasileira. Seu traço sólido deu uma “cara” para a música brasileira da época, com um tom distinto de dignidade. Entre suas dezenas de colaboradores temos nomes como Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Adoniran Barbosa, Chico Buarque e Elis Regina.
Capa de “Nervos de Aço” (1973), de Paulinho da Viola. Foto: Reprodução.
Capa de “Almanaque” (1986), de Chico Buarque. Foto: Reprodução.
Capa de “Amor” (1975), de Vinicius de Moraes e Toquinho. Foto: Reprodução.
Capa de “Canta, Canta, Minha Gente” (1974), de Martinho da Vila. Foto: Reprodução.
Capa de “Confusão Urbana, Suburbana e Rural” (1974), de Paulo Moura. Foto: Reprodução.
Estudo para a capa de “Adoniran Barbosa e Convidados” (1975). Foto: Reprodução.
Capa de “Nação” (1979), de Clara Nunes. Foto: Reprodução.
Capa de “Violeiro” (1982), de Rolando Boldrin. Foto: Reprodução.
LEGADO DE SOLIDARIEDADE
Após o fim do regime, Elifas caiu em ilusões com o oportunismo e com a velha democracia, ilusões estas que sustentou até o fim da vida. Isso não interfere, contudo, na valoração de sua gigantesca contribuição à cultura nacional, e, em particular, por ser feita sempre de forma engajada e enristada. Trazemos à memória deste engajamento o famoso cartaz feito a pedido do Comitê de Solidariedade aos Trabalhadores Demitidos, mobilizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em 1979 – cartaz que vendeu cerca de 25 mil cópias, com toda a arrecadação servindo à caixa dos grevistas. Como disse à AND em texto publicado em sua edição de nº 2, “cada vez mais a mídia nos arranca a ideia do coletivo, da sociedade, daquilo que se organiza a partir do bem comum, que se constroem todos e para todos (…) fala-se de sociedade e participação, mas a única ideologia concreta que vejo é a solidariedade. Ser humano quer dizer estar vivo no planeta, portanto tudo que acontece, em qualquer continente, tem a ver conosco”.
Cartaz feito para o Comitê de Solidariedade aos Trabalhadores Demitidos em 1979. Foto: Reprodução.