O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou hoje (15/04) que discutirá o projeto de lei da “anistia” aos galinhas verdes com líderes das agremiações. Dando tom de quem não quer se colocar no alvo, Motta disse que “em uma democracia ninguém tem o direito de decidir nada sozinho”. O verdadeiro conteúdo da fala é que o deputado dará amplo espaço para os bolsonaristas encaminharem o projeto, porque já era um plano do líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), discutir a tramitação em urgência do texto em uma reunião com líderes no dia 24/04.
Ainda não há um prazo para a discussão da tramitação da urgência. A Câmara dos Deputados vai tirar um longo feriado na Páscoa, funcionando de maneira remota, e o presidente da casa está fora do país, com previsão para voltar a Brasília no dia 22/04. Contudo, a expectativa dos bolsonaristas é de que a reunião decida pela tramitação em urgência. Segundo eles, já há 262 assinaturas para esse resultado, cinco a mais que o mínimo necessário.
Motta tem se comportado como “pressionado” entre os setores governistas e os setores bolsonaristas, mas tudo parece encenação. Das 262 assinaturas para a tramitação em urgência do texto, 146 são de deputados de partidos com cargo no governo. Em porcentagem, o valor equivale a 55,7% das assinaturas.
Além disso, o novo ministro das Comunicações de Luiz Inácio, Pedro Lucas, foi peça-chave nas articulações, segundo Cavalcante. O ministro da Defesa José Múcio também já se mostrou favorável à redução de penas dos “galinhas verdes”. E até a presidente do PT e ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, disse na semana passada que o texto pode ir adiante com aprovação do governo se houver algumas mudanças – como, por exemplo, não beneficiar Bolsonaro.
Bolsonaro anistiado
Acontece que, se a tramitação em urgência for aprovada do jeito que o projeto está, e conforme a base do governo está apoiando, Bolsonaro pode sim sair beneficiado, assim como um grande número de bolsonaristas envolvidos indiretamente no 8 de janeiro – como os latifundiários que renderam um belo financiamento às agitações golpistas. Isso porque o texto redigido por Sóstenes Cavalcante (ou por algum advogado ou secretário seu) diz que:
“Art. 1º Ficam anistiados todos os que participaram de manifestações com motivação política e/ou eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre o dia 08 de janeiro de 2023 e o dia de entrada em vigor desta Lei.”
E continua:
“§ 3º Fica também concedida anistia a todos que participaram de eventos subsequentes ou eventos anteriores aos fatos acontecidos em 08 de janeiro de 2023, desde que mantenham correlação com os eventos acima citados.”
Ou seja, serão anistiados todos que participaram do 8 de janeiro ou apoiaram por quaisquer meios, o mais importante que seja (muito mais do que a presença física de um outro galinha verde no dia do 8 de janeiro), os preparativos para a tentativa de golpe, desde próprio 08/01 até aventuras anteriores, desde que mantenham correlação com os eventos acima citados. Acontece que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR) a imensa maioria dos eventos golpistas desde 2021 foram para culminar no dia 8/1, e portanto todos estariam passíveis de anistia.
E, para beneficiar ainda mais Bolsonaro, o texto diz que “§ 1º A anistia de que trata o caput compreende os crimes com motivação política e/ou eleitoral, ou a estes conexos, bem como aqueles definidos no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.“. Ou seja, além de anistiado, Bolsonaro estaria devidamente elegível.
Os votos do ‘centrão’
O texto indo adiante para a urgência, pouco ou nada disso será alterado, porque a tramitação em urgência permite justamente que o texto vá direto ao plenário para votação sem uma ampla discussão. É expressão de que os bolsonaristas conseguiram arrebatar bem o setor do “centrão” reacionário, levando consigo todos os benefícios que o governo deu para os parlamentares de “centro” em troca de votos em projetos reacionários. A prova disso está na relação das assinaturas de parlamentares de cada partido para aprovação do PL da Anistia:
- União: 40 assinaturas de 59 deputados
- PP: 35 assinaturas de 48 deputados
- Republicanos: 28 assinaturas de 45 deputados
- PSD: 23 assinaturas de 44 deputados
- MDB: 20 assinaturas de 44 deputados
- Podemos: 9 assinaturas de 15 deputados
- PSDB: 5 assinaturas de 13 deputados
- Novo: 4 assinaturas de 4 deputados
- Avante: 4 assinaturas de 8 deputados
- Cidadania: 3 assinaturas de 4 deputados
- PRD: 3 assinaturas de 5 deputados
O bolsonarista PL, que possui a maior bancada na Câmara dos Deputados, angariou 90 assinaturas de 92 deputados.
Cobranças vagas
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ) ficou revoltado com a base governista e disse que “esse é um bom momento para perguntar quem quer ficar aqui do nosso lado, porque se a pessoa assina num projeto desse, com certeza não quer ficar aqui desse lado”.
A cobrança de Farias não tende a dar resultado. Desde 2023, os únicos projetos do governo que andaram com apoio da “base” só avançaram depois de entregas de emendas parlamentares ou até mesmo cargos. Parte da “base governista” chegou até mesmo a votar contra o veto de Luiz Inácio (PT) ao “marco temporal”.
Mesmo o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tido por Luiz Inácio como alguém que “o ajudou muito”, conforme disse o presidente em maio de 2024, admite a fragilidade do governo na Câmara. “Ninguém embarca em um navio se sabe que vai naufragar”, disse Lira, em janeiro de 2025.